Para Angola, calmamente e em força

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As empresas portuguesas continuam a crescer em Angola e a Embaixada portuguesa está a apoiar a expansão para o interior.

A hostilidade é grande na imprensa do regime, mas Luanda já percebeu que também depende de Lisboa.

Enquanto o jornal do regime angolano se refere com soberba às relações entre Luanda e Lisboa, o governo do MPLA baixa o tom quando se trata de negociar com a antiga Metrópole. O Executivo de Pedro Passos Coelho tem agido no silêncio dos bastidores, mais preocupado em estimular as relações económicas entre os dois países do que em perder tempo com os orgulhos mal colocados de alguns dirigentes angolanos. O que é certo é que as empresas nacionais continuam a investir na antiga província ultramarina – e esta não deixa de contar com a ajuda portuguesa para modernizar as suas estruturas.

No sector da formação especializada, por exemplo. A Marinha portuguesa deverá apoiar Angola na criação de uma escola de tecnologias navais para sargentos e praças. Informação avançada pelo comandante da própria Marinha de Guerra angolana, almirante Augusto da Silva Cunha “Gugu”.

O objectivo de Angola é seguir o modelo português da Escola Técnica Naval da Armada, no âmbito da formação dos militares daquele ramo das Forças Armadas Angolanas, que agora comemora 38 anos de actividade.

“Nós, dentro do sistema de ensino da Marinha, tínhamos a necessidade de criação da escola de tecnologias navais. E Portugal tem uma escola semelhante, essa escola é uma escola técnica, que dá uma formação técnica, prática, aos sargentos e praças”, explicou aos jornalistas o Chefe de Estado-Maior da Marinha de Guerra de Angola.

A Marinha angolana já tem em funcionamento a sua academia militar, cuja formação dos primeiros licenciados – de cursos superiores com cinco anos de duração – deverá estar concluída no início de 2016.

De olho no Interior

Os funcionários da propaganda angolana gostam de fazer alarido hostil sempre que se trata de Portugal, mas são os portugueses que estão a consolidar, no terreno, as relações económicas entre os dois países. A Embaixada portuguesa está a ajudar as empresas a investirem nas províncias do interior de Angola, para levar desenvolvimento às localidades e contribuir para acelerar o processo de diversificação da economia.

O embaixador João da Câmara disse ao Jornal de Angola que têm sido realizadas várias acções com as administrações provinciais, com vista a capitalizar mais negócios no interior do país. “É elevado o número de empresas portuguesas interessadas em investir nas províncias. O Uíge foi uma das últimas visitadas, onde as empresas demonstraram muito interesse em fazer negócios”, referiu.

O programa de visitas às províncias, que o embaixador efectua desde o início da sua missão diplomática no país, tem como objectivo conhecer as administrações locais e manifestar a disponibilidade para se aprofundar uma relação de proximidade com elas. Até ao momento, já visitou as províncias do Uíge, Malange, Cuanza Sul, Benguela e Huíla. Até ao final do ano pretende visitar mais quatro capitais provinciais.

João da Câmara reconhece a importância das parcerias mistas e garante que esta condição tem permitido aumentar o volume das trocas comerciais, que no ano passado ultrapassaram os 700 mil milhões de kwanzas.

“Nos últimos anos, as exportações de Angola para Portugal cresceram cerca de dez vezes, o que permitiu equilibrar a balança comercial entre os dois países”, realçou, explicando que Angola importa de Portugal desde maquinaria até materiais de construção, passando por produtos alimentares, bebidas e uma vasta gama de bens e serviços. As relações históricas entre os dois países têm garantido vantagens em vários domínios e a circulação dos dois povos, salientou.

Angola é o principal cliente

Por mais que isso possa incomodar as franjas anti-portuguesas do regime de Luanda, Portugal não abdica do seu interesse em Angola. Prova disso foi a recente visita do vice-primeiro-ministro à antiga província ultramarina. Paulo Portas já não é ministro dos Negócios Estrangeiros há um ano, mas o seu empenho na Feira Internacional de Luanda (FILDA) deu o tom à participação portuguesa. Enquanto corria a contagem decrescente para a abertura da mais importante feira económica de Angola, o vice-primeiro-ministro cruzava rapidamente os pavilhões para as conversas de sempre: negócios, exportações, importações e, claro, parcerias.

Aperto-de-Mãos-a-cores

A FILDA esteve uma vez mais repleta de empresas portuguesas, algumas a desbravar terreno, outras já com presenças consistentes e algumas que já se consideram luso-angolanas. Muitas com sócios ou parceiros locais, um factor muitas vezes determinante do sucesso.

As empresas portuguesas representaram 10% dos expositores que estiveram presentes na edição deste ano da FILDA, a maior feira internacional que se realiza em Angola, constituindo a maior comitiva entre os 39 países presentes e a única com um pavilhão próprio.

Os dados foram avançados à Lusa pelo Director de Relações Institucionais da Feira Internacional de Luanda, Salvador Cardoso, ao indicar que estavam inscritos para a maior montra de negócios de Angola cerca de 1.000 expositores, cem dos quais provenientes de Portugal.

Este número representa um crescimento de uma dezena de expositores portugueses presentes na FILDA 2014, que decorreu entre 22 e 27 de Julho, face ao ano anterior.

“A participação de Portugal é expressiva, muito importante nas nossas feiras, não só na FILDA mas também nas outras feiras sectoriais. Na FILDA participa com um pavilhão só de empresas portuguesas, não temos participação estrangeira igual”, garantiu, em entrevista à Lusa, Salvador Cardoso.

“As empresas portuguesas, mais do que os outros países, conhecem bem o nosso mercado e já firmaram parcerias com vários empresários angolanos”, enfatizou o dirigente, realçando o caso português como “exemplo” para as restantes delegações estrangeiras.

Jornal de Angola insiste

O sucesso nacional na ex-colónia parece, contudo, incomodar parte da elite angolana. Em Julho, o Jornal de Angola insistiu nas críticas a Portugal, ao ponto de publicar dois editoriais hostis em apenas três dias. E tudo a propósito da Guiné Equatorial, acusando os portugueses de darem “lições de democracia” quando no País “há crianças a morrer de fome”.

Em causa está a adesão da Guiné Equatorial, antiga colónia espanhola em África, à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), concretizada no final do mês passado na Cimeira de Díli, em Timor-Leste, apesar das dúvidas lançadas a partir de Portugal.

“Os portugueses têm um grande orgulho na expansão marítima da qual resultou o seu império. Mas agora há países e povos que guardam a memória desse passado comum e querem pertencer à CPLP. Alguns renegam esse passado e opõem-se ao alargamento da organização. São demasiado pequenos para a grandeza da Língua Portuguesa”, afirma o editorial.

No texto, intitulado “A grandeza da língua”, o diário oficioso recorda que parte do território da Guiné Equatorial “já foi colónia portuguesa” e que a ilha de Fernando Pó [actual Bioko] recebeu um nome português, o mesmo acontecendo com a ilha de Ano-Bom. “Mas na pequena ilha [Ano-Bom] está um tesouro da lusofonia: fala-se crioulo [fá d’ambô] que tem por base o português arcaico e que chegou quase incólume aos nossos dias”, diz o jornal.

Afirma que “está provado” que aquelas ilhas “foram povoadas por escravos angolanos” e que Angola pretende “ir lá render homenagem” aos antepassados. “Agora que Fernando Pó e Ano-Bom fazem parte da CPLP, mais facilmente podemos cumprir esse dever. Mas sem a companhia das elites estrábicas, que nem sequer foram capazes de defender a dulcíssima língua portuguesa do acordo ortográfico”, lê-se.

“Elites portuguesas ignorantes e corruptas”

Sobre as dúvidas em torno da adesão da Guiné Equatorial, o Jornal de Angola já tinha criticado Portugal em outro editorial, no mesmo dia em que o vice-primeiro-ministro Paulo Portas era recebido em Luanda pelo Presidente angolano José Eduardo dos Santos. O segundo editorial saiu aquando da visita do ministro da Economia, António Pires de Lima, a Luanda.

“Os angolanos querem saber mais sobre a língua portuguesa. (…) Os portugueses deviam ter o mesmo interesse, mas pelos vistos só estão interessados em dar lições de democracia, quando dentro das suas portas há crianças a morrer de fome”, diz o editorial. O matutino volta a referir-se às “elites portuguesas ignorantes e corruptas”, afirmando que com a introdução do Português como língua oficial na Guiné Equatorial “esse argumento deixou de valer”.

Num dos artigos mais críticos de Portugal dos últimos meses, aquele jornal diz que “em Lisboa surgiram numerosas vozes contra a adesão” mas que “nunca chegarão aos céus”, provenientes de “políticos e líderes de opinião”.

“O que revela uma contradição insanável eivada de ignorância e uma tendência inquietante para criar um apartheid nas relações internacionais”, escreve o matutino. Diz, por isso, que não se “compreende” a “soberba” com que “[em Portugal] tratam a Guiné Equatorial e o Presidente Obiang”.