A redução do financiamento dos centros de Estudos Clássicos, ditada pela avaliação feita pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), põe em risco a continuação da investigação nesta área, segundo alertam dois professores com quem O DIABO falou.
Rodrigo Furtado é professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e membro do Centro de Estudos Clássicos da mesma instituição. Para ele, os Estudos Clássicos, do ponto de vista da investigação, estão em risco. Isto porque, “os dois únicos centros de investigação que existiam têm Bom, o que lhes garante para funcionarem uma quantia abaixo dos 30000 euros por ano para gerir todas as suas actividades e promover a investigação”. Alertando que “sem Centros de investigação, não há investigação consequente e coordenada. E sem investigação, não há universidade”.
Será que hoje os clássicos são considerados “desnecessários”? Rodrigo Furtado, receia que de um ponto de vista estritamente económico, possam ser considerados “pouco necessários”, afirmando que em qualquer Centro de Estudos Clássicos do mundo se produzem livros, artigos em revistas internacionais, bases de dados, edições críticas. “Isso vende-se, mas como deve calcular não enriquece ninguém, em lado nenhum do mundo”, considera.
No entanto, afirma que pelo contrário, “os Clássicos são considerados necessários como decoração e para dar por vezes um ar de modernidade e de atenção à Cultura. Não há discurso de pompa que não tenha umas citações para mostrar erudição e cultura. Na maior parte, é tudo vazio”.
Este professor afirmou que “até preferia que os responsáveis políticos dissessem explicitamente que não querem que haja Estudos Clássicos em Portugal”. E explica: “Porque eu, pessoalmente (por isso, obviamente não vinculo nada nem mais ninguém), não gosto de coisas mal resolvidas ou de uma espécie de paz podre em que nada se diz, nada se faz. Eu prefiro opções claras; porque a hipocrisia de se louvar os clássicos e dizer que a cultura Portuguesa tem neles as suas raízes e, simultaneamente, se desvalorizarem os estudos nessa área, como agora, é difícil de suportar com bom espírito.”
Relativamente ao relatório da FCT, aponta três críticas principais. A primeira é “a falta de especialistas entre os avaliadores do painel. Não havia uma única pessoa que soubesse alguma coisa de Estudos Clássicos ou de Tradição Clássica no painel final; isso não é sério. Supostamente, tivemos dois especialistas que nos avaliaram, cujos nomes desconhecemos, mas a decisão final, dita de consenso, foi decidida por não especialistas. Depois, salienta também “a falta de seriedade do texto da avaliação final, com erros de facto gritantes. Para mim, é inconcebível que uma das nossas especialistas, uma professora italiana da La Sapienza, tenha sido confundida com uma portuguesa. Significa que eles não a conheciam nem se deram ao trabalho de conhecer. Inventaram, como um mau aluno faz num teste”. E atira: “Acha que isto é sério?” Por fim, considera que há uma inconsistência da avaliação final, porque “uma parte do relatório é muito elogioso, considera que o CEC está numa curva ascendente, tem indicadores significativos ao nível da formação pós-graduada e da internacionalização. Chegam a considerar que temos condições para melhorar. Mas no final: tomem lá ‘Bom’, e 7500 euros por ano”.
Mas será que há um interesse específico em acabar com os Estudos Clássicos ou é pura incúria? Rodrigo Furtado responde que: “Francamente, não acho que haja sequer uma ideia sobre o assunto. Em termos gerais, como disse, os Estudos Clássicos pertencem a essa nuvem pouco definida das humanidades, que não dão dinheiro… Em termos específicos, são decorativos. Mas não creio que eles tenham uma ideia para acabar. Quando há pouco dizia que preferia que fossem claros quanto aos estudos clássicos também era a isto que me referia: que tivessem uma ideia consequente.”
Quanto à sobrevivência dos Estudos Clássicos, considera que “terão de sobreviver. Mas depende, obviamente, das pessoas, dos professores e dos investigadores. No CEC, não estamos ainda a pensar num futuro sem financiamento. Se isso acontecer, teremos de nos repensar. Mas os Estudos Clássicos sobreviveram até aqui – o que seguramente acontecerá será um retrocesso no esforço que foi feito nos últimos anos, de captação de alunos, de contactos e parcerias internacionais, de projectos em rede com universidades estrangeiras. Seremos muito menos atractivos daqui para a frente. Mas os Estudos Clássicos têm investigadores seniores e juniores muitos empenhados – essa é uma tremenda mais-valia”.
Mas há sempre a questão do interesse dos alunos. Para Rodrigo Furtado, aqui há “um problema e uma fortaleza”. Explicando que há “um problema, porque os alunos são poucos, foram-no quase sempre. Mas também há “uma fortaleza, porque esse número reduzido permite criar um grupo bastante coeso, entre professores e alunos. Temos tido em Lisboa excelentes alunos, que têm ido para o Reino Unido, depois, para doutoramento sobretudo, onde têm tido bastante êxito”.
O DIABO falou também com António de Castro Caeiro, professor da Faculdade de Ciência Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e membro do Centro de Estudos Clássicos, sobre a redução do financiamento aos centros de investigação e as suas consequências. Para ele, “o presente e a contemporaneidade são eleitos como o que risca e conta. O princípio de realidade assenta no que efectivamente se faz sentir no presente. Assim, o que é passado, por este critério ‘ad hoc’, mas metafísico, não risca, é ineficaz, não se faz sentir. Está morto e enterrado. Mas o que é o presente? É o que existe agora mesmo entre um agora há pouco e um daqui a nada? Ou o que está na ordem do dia? Numa crise como a das dívidas soberanas corresponde a anos? O nosso presente é definido desde quando?”
Relativamente à utilidade dos Estudos Clássicos, considerou que “as ciências exactas, a indústria de ponta a tecnologia são manifestações incríveis do espírito humano. Mas são também o resultado do pensamento de Platão e Aristóteles. A política, a estratégia e a diplomacia não podem deixar de reflectir a complexidade da realidade geoestratégica, mas como antigamente, não se ganharia com a leitura de Cícero ou Tácito?”
Também salientou a importância da tradução dos clássicos, afirmando que “os textos da antiguidade são mudos para quem não os lê no original. Uma tradução depressa está datada. Há línguas que nos oferecem várias traduções de um único diálogo de Platão, quando Portugal não ofereceu ainda uma tradução única de cada um dos diálogos. O mesmo se passa com os grandes autores estudados pela filologia clássica e pela filosofia antiga”.
Quem é responsável por este estado de coisas? Para António de Castro Caeiro, “as políticas de educação desde o 25 de Abril de 1974 têm sido desastrosas. Mais ou menos trinta ministros da educação fizeram o quê? Quem sabe Latim ou Grego na minha geração (sou de 1966)? Quem saber Grego ou Latim nas gerações mais jovens do meu País? ‘Voici le temps des assassins’, como diria Rimbaud”.