EVA CABRAL
Todos os partidos sabem que a Segurança Social não pode continuar a ser um elefante varrido para debaixo de um tapete. E a razão é simples: se nada mudar, as pensões de reforma dos portugueses estarão mesmo em risco.
O actual ministro da Segurança Social, Vieira da Silva – que já ocupou iguais funções nos Governos de José Sócrates –, veio garantir que no segundo semestre o tema será abordado. O certo é que, durante os dois Executivos de maioria PSD/CDS-PP, sempre que se tentou contar com o PS para uma reforma difícil mas necessária, os socialistas preferiram hipotecar o futuro dos portugueses só para não correrem o risco de “ficarem mal na fotografia” e aparecerem a “negociar com a maioria de direita”.
Mas a questão é grave e exige uma maioria qualificada. O PDS e o CDS-PP, ao contrário do PS e dos seus companheiros de ‘geringonça’, não querem ficar à margem de uma discussão que é em si mesma uma exigência face ao futuro das pensões dos portugueses. Mas agora, que o tempo se esgota, o que pode ser feito? Muitos estão já a estudar o complexo dossier.
O Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia acaba de editar, na sua publicação de Maio, um estudo da autoria de Gabriel Osório de Barros que aborda a questão. Segundo o autor, o trabalho “tem como objectivo analisar a indexação da idade normal de acesso à pensão de velhice do Regime Geral de Segurança Social à esperança média de vida, tendo por base a aplicação do Modelo das Etapas”.
Esta medida, formulada pela publicação de nova legislação em 2013, consistiu na introdução de uma “nova forma de determinação da idade normal de acesso à pensão de velhice, tendo como referência a evolução da esperança média de vida aos 65 anos”. Segundo a análise realizada, devido ao aumento da idade da reforma, a despesa com pensões de velhice, que tendia a crescer, ficou relativamente estável em 2014. Não obstante, o estudo conclui que, sendo o problema da sustentabilidade do sistema de pensões mais vasto, é necessário que se continue a trabalhar numa solução.
“É urgente que se equacionem soluções, pois o problema adensa-se e medidas de carácter estrutural não produzirão efeitos imediatos”, refere o estudo. “A garantia da sustentabilidade do sistema público de pensões depende da identificação de um ‘mix’ de medidas de política, em diálogo social e político, considerando as diferentes alternativas possíveis”.
Trazer o problema à agenda política
O trabalho de Gabriel Osório de Barros foi desenvolvido no âmbito da disciplina de Análise e Desenho de Políticas Públicas do Programa de Doutoramento em Políticas Públicas do ISCTE-IUL e tem por base a aplicação do Modelo das Etapas.
Segundo o autor, as etapas podem ser caracterizadas da seguinte forma (e citamos):
- Definição do problema e agendamento – análise do discurso e narrativas públicas, reconhecimento da existência de um problema, factores que justificam uma resposta de política pública e inclusão do problema na agenda política;
- Formulação das medidas de política e legitimação da decisão – descrição das várias soluções alternativas e da informação mobilizada em que se baseou a opção, desenvolvimento de propostas e tomada de decisão;
- Implementação – fase da aplicação da política pública, ou seja, processo administrativo que operacionaliza a política;
- Avaliação e mudança – compreende a avaliação da eficácia da política face aos objectivos definidos, com a consequente ponderação da eventual necessidade de alterar a política (e reinício do processo de análise pelo Modelo das Etapas).
Segundo o autor, “o primeiro passo no desenvolvimento de uma política é o do reconhecimento de um problema com relevância política. A sustentabilidade financeira da Segurança Social, e em particular da sustentabilidade do sistema de pensões, vem sendo debatida e é alvo de preocupação há mais de duas décadas. Factores como o envelhecimento da população, graças ao aumento da esperança média de vida e à baixa natalidade, e a cada vez mais tardia entrada dos jovens no mercado de trabalho criaram uma pressão sobre o Orçamento da Segurança Social.
É a partir deste momento que o problema é reconhecido pelos consecutivos governos como relevante. Mesmo a generalidade dos que consideram não haver um problema de sustentabilidade reconhecem que tem havido razões demográficas e económicas que levam a que o regime previdencial seja confrontado com dificuldades”.
A partir do momento em que o problema se torna parte da agenda governamental, passamos à fase da formulação da medida de política, na qual se mostra necessário analisar o processo de definição dos objectivos e de tomada da decisão, considerando as soluções alternativas.
As reformas já feitas
Em 2013, Pedro Mota Soares, então ministro da Segurança Social, referia: “Toda a Europa vê hoje a sua esperança média de vida aumentar. Esta enorme conquista civilizacional é produto dos avanços científicos, mas também de um modelo social que edificámos ao longo de décadas. Se, por um lado, temos esta carga positiva, por outro, uma preocupante quebra demográfica, que alastrou sem excepção a todas as nações do velho continente, constitui um sério problema para a sustentabilidade dos sistemas sociais.
A conjugação destes dois factores levanta, assim, um enorme desafio: responder a um processo de ‘duplo envelhecimento’, com incremento, por um lado, da proporção de pessoas idosas e, por outro, uma diminuição significativa da proporção de jovens. Conjugando demografia com economia, o problema coloca-se assim: temos cada vez menos activos para financiar cada vez mais pensionistas por, felizmente, cada vez mais anos, fruto da evolução da esperança média de vida”.
Ainda como informação relevante para justificar a necessidade da implementação de medidas de reforma, acrescentava Mota Soares: “Em 2007, primeiro ano de aplicação da reforma, o sistema previdencial de repartição apresentou um défice, e isso tem-se verificado, com excepção de um ano, até hoje. Só entre 2012 e 2014 foram e vão ser transferidos extraordinariamente mais de 3,6 mil milhões do Orçamento do Estado para a Segurança Social, evitando que se recorresse ao Fundo de Estabilidade Financeira da Segurança Social. Isto é, evitando que se hipotecasse o futuro. Fica, assim, provada a importância de se dar um passo coerente face à reforma iniciada em 2007”.
No que respeita a soluções alternativas, refira-se que os parceiros internacionais que compunham a Troika pretendiam o aumento imediato, em 2014, da idade normal de acesso à pensão de velhice para 67 anos. Recordou-o ainda o então ministro da Segurança Social: “Como sabem, e essa tem sido uma negociação prolongada e dura, a Troika queria impor em Portugal os 67 anos como idade de reforma. Este não foi o entendimento do Governo [de coligação PSD-CDS]. Contrariámos a Troika e preferimos agir com maior moderação”. Assim, garantiu-se que “a idade de acesso à reforma é prolongada de forma moderada e bastante graduada no tempo”.
Onda de contestação à esquerda
Em termos de debate público, houve uma contestação generalizada a um aumento da idade da reforma para 67 anos logo no início de 2013. Relativamente ao aumento para 66 anos e evolução em função da esperança média de vida, a medida mereceu também contestação. Este tipo de medidas tem merecido semelhante contestação na maioria dos países analisados. A medida foi ainda alvo de contestação e ainda de diversos pedidos de explicações de sindicatos, em particular no caso de profissões que foram alvo de normas de salvaguarda: pilotos, motoristas de pesados, mineiros, entre outros.
Quer a União Geral de Trabalhadores (UGT) quer a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional (CGTP-IN) rejeitaram a medida por não a considerarem devidamente fundamentada. Também da parte das entidades patronais surgiram críticas pois, embora entendendo à necessidade da medida, consideraram que ela impediria a renovação empresarial: adiar o acesso dos trabalhadores à reforma dificulta a criação de emprego para os mais jovens.
Relativamente aos partidos políticos, a medida foi criticada pelo PS, pelo PCP, pelo BE e pelo PEV, que consideraram que iria provocar um aumento do desemprego por impedir a entrada no mercado de trabalho, tendo sido apoiada pelos partidos que apoiavam o Governo (PSD e CDS). Apesar das críticas apontadas à medida, não surgiram contributos com substância e profundidade que permitissem o desenho de medidas alternativas para fazer face ao problema da sustentabilidade do sistema público de pensões.
Conclusões do estudo
Osório de Barros recorda que “a discussão sobre a sustentabilidade da Segurança Social em Portugal vem acontecendo há mais de duas décadas sem que tenha havido uma resposta estruturada a nível político”. E constata: “Há hoje uma consciência colectiva clara de que os sistemas públicos de pensões estão em risco face às pressões exercidas pelas questões demográficas e económicas que comportam riscos para a sustentabilidade do actual modelo.
A medida analisada foi um contributo para responder ao problema, indo no sentido de adaptar a idade normal de acesso à pensão de velhice à esperança média de vida. Se é verdade que a medida parece estar a permitir atingir os objectivos que foram estabelecidos, também é verdade que o problema da sustentabilidade do sistema de pensões é mais vasto. É urgente que se equacionem soluções, pois o problema adensa-se e medidas de carácter estrutural não produzirão efeitos imediatos.
Neste sentido, a forma de garantir a sustentabilidade do sistema público de pensões depende da identificação de um ‘mix’ de medidas de política, em diálogo social e político, considerando as diferentes alternativas – plafonamento, regime de capitalização, ajustamento das pensões ao ciclo económico, introdução de contas individuais, majoração das pensões em função do número de filhos, diversificação das fontes de financiamento, etc.”.
E conclui: “É certo que a generalidade das medidas não merecerá o acordo de todos. No entanto, a construção da solução deve procurar avaliar todas as hipóteses e obter consensos em relação a algumas delas. O diálogo e a consensualização de soluções é tanto mais premente quanto mais tempo o problema persistir”.