Karl Marx – Biografia

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Uma biografia de Karl Marx

PAULO FERRENO

Isaiah Berlin foi um dos mais relevantes filósofos das ideias do século passado. A sua defesa do liberalismo e a sua crítica aos sistemas totalitários colocam-no ao lado de pensadores como Karl Popper, por exemplo, embora este seja mais original.

Em 1939, Isaiah Berlin concluiu a sua obra dedicada a Karl Marx. Para trás ficavam alguns anos de trabalho que culminaram com um volume de páginas muito superior ao que acabou por sair, devido a exigências editoriais, sendo o autor obrigado a cortes que bastante o magoaram. À data, a sua investigação debateu-se com a ausência de uma edição completa das obras do filósofo germânico ou com biografias de vulto que não fossem minimamente apologéticas. Por isso, o mérito de Berlin foi ainda maior. Esta edição que nos surge, agora, é o resultado de sucessivas revisões, que não macularam a essência do texto, a sua frescura e rigor, pese embora a possibilidade natural de discussão de alguns pontos de vista expressos pelo autor.

Isaiah Berlin conduz-nos pela vida de Marx, desde a sua infância e a sua relação com o pai – uma das poucas pessoas pelas quais nutriu algum afecto durante a vida –, passando pelos dias da universidade e os sucessivos exílios em Paris, Bruxelas ou Londres. O seu desprezo pela humanidade, que considerava pouco inteligente (ou talvez não tanto por ela, mas mais pelos homens considerados singularmente), os conflitos com outros revolucionários da época que não se encaixavam no espírito autoritário do alemão, a sua progressiva afirmação como nome incontornável da intelectualidade do século XIX, tudo isso passa por aqui. É o retrato de um homem com uma capacidade de trabalho única, com uma curiosidade intelectual abismal, com um gosto pela leitura fora do comum, sendo esse aliás um dos poucos prazeres que se permitia – juntamente com os passeios dominicais quando havia dinheiro e saúde. É o retrato de um homem que viveu durante vinte anos no limbo da miséria, sobrevivendo muitas vezes graças ao apoio de admiradores e do fiel Engels, personagem que sai daqui bastante favorecida. E é o retrato de um homem dedicado em absoluto a uma causa, a ponto de negligenciar a família com a consequente perda de três dos filhos, em parte, vítimas da pobreza forçada a que o afastamento do mundo escolhido pelo pai os obrigava. E, ainda assim, pôde sempre contar com o apoio de Jenny, a dedicada esposa.

E é isto. O resto são as ideias, as influências de Owen, Fourier, Saint-Simon, Hegel, mais ou menos reconhecidas, a progressiva autonomização e a publicação a espaços das suas obras, tantas vezes citadas e tão pouco lidas. Do conjunto geral o que fica é uma indisfarçável simpatia de Berlin pelo homem, não pelas teorias (pelo menos a maior parte), pelo modelo social e político.