Dicionário Crítico de Filosofia Portuguesa

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diaboJOSÉ ALMEIDA

A valorização da Filosofia Portuguesa pressupõe um aprofundamento do conhecimento no âmbito da nossa tradição filosófica, histórica, cultural e espiritual. A recente publicação do “Dicionário Crítico de Filosofia Portuguesa” abre caminho à reflexão sobre autores e temas ligados a esse nosso imenso património, construído ao longo de uma linha temporal que vai dos tempos pré-fundacionais até aos nossos dias.

Em 1943 Álvaro Ribeiro publicou “O problema da Filosofia Portuguesa”. Uma obra revolucionária que, derrubando os preconceitos de todos os que negavam a existência de um pensamento próprio em Portugal, analisou a situação do pensamento filosófico português, da Idade Moderna até à contemporaneidade. Detectando a origem da impureza do nosso pensamento em aspectos como a desatenção face ao logos, a valorização dos factos, ou a cousificação da Filosofia através do abandono do cogito em favor das coisas, Álvaro Ribeiro concluiu que os portugueses, contrariamente ao que muitos ainda hoje defendem, não são um povo com falta de vocação filosófica. Para o filósofo portuense, em determinado momento histórico, os portugueses abandonaram a sua via autónoma de “pensamento pensante” reduzindo, entre nós, a Filosofia à mera importação de “pensamento pensado” e à divulgação de culturas filosóficas, nomeadamente, através da História da Filosofia.

A tese alvarina contemplou as excepções a esta realidade que, de Sampaio Bruno até Leonardo Coimbra, passando por Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa, mantiveram viva a nossa tradição filosófica, não materialista e anti-positivista. Uma corrente que viria a ser recuperada na sua plenitude com o movimento da Filosofia Portuguesa. O “Dicionário Crítico de Filosofia Portuguesa” (capa dura, 812 páginas, 29,90 euros), publicado pela Temas e Debates / Círculo de Leitores, integra-se num crescente movimento de valorização do nosso pensamento, procurando alicerçar os conhecimentos e incitar à reflexão todos os interessados por este aspecto tão pertinente e definidor da nossa cultura.

O próprio nome desta obra – “Dicionário Crítico de Filosofia Portuguesa” – representa uma conquista sobre o “status quo”, em geral, hostil face à evidente existência de uma Filosofia Portuguesa. Ao não ser chamada de “Dicionário Crítico de Filosofia em Portugal”, esta obra, coordenada por Maria de Lourdes Sirgado Ganho, professora da Universidade Católica Portuguesa, assume em termos institucionais a existência de uma corrente de pensamento português. O prefixo “Crítico” que consta no título desta obra será, no entanto, um mero elemento de distinção entre esta e uma outra obra – o “Dicionário de Filosofia Portuguesa”, da autoria de Pinharanda Gomes.

De resto, importa sublinhar o nome de Pinharanda Gomes, não só pelo facto de ser o principal colaborador deste dicionário, mas também por ter sido o pai deste projecto. Década e meia após terem iniciado institucionalmente os trabalhos que conduziram à realização deste volume, a obra em destaque apresenta-se já como uma referência de importância inquestionável para o estudo da Filosofia Portuguesa.

Se a Filosofia constitui, tal como na antiga Grécia, uma expressão de maturidade cultural, também Portugal ao longo de quase um milénio alcançou e desenvolveu, seguramente, traços específicos do seu pensamento filosófico. Um património imaterial riquíssimo cuja influência, aquém e além-fronteiras, está hoje ainda longe de ser conhecido e reconhecido pelo grande público, não obstante a sua importância e influência latentes na civilização ocidental e no mundo.