“Meus senhores, a questão da rendição, nesta altura, já não se coloca. O país está notoriamente à beira do colapso e de uma insurreição comunista em grande escala — neste momento, já nem a lealdade das forças do interior podemos dar por garantida. A única questão em cima da mesa, nesta hora, é tão-só esta: a quem entregar o país — aos Aliados Ocidentais [com uma chance, ainda que ténue, de preservar o ‘Kokutai’*], ou entregá-lo aos Bolcheviques…”
*‘Kokutai’, literalmente “o corpo do país”, designação referente à ordem política tradicional do Japão, com o Tem’O (imperador) à cabeça.
Por volta das 4:00 da madrugada de 9 de Agosto de 1945 — 23:00, hora de Moscovo, do dia 8 —, coincidindo com o lançamento da bomba atómica sobre Nagasaki, o Supremo Conselho de Guerra reunido em Tóquio tomava conhecimento da Declaração de Guerra da URSS ao Japão, com a denúncia do Pacto de Neutralidade celebrado entre as duas potências quatro anos antes.
Era o cumprir de uma promessa deixada por Estaline aos Aliados Ocidentais em Teerão, ainda dois anos antes — assim a guerra terminasse a Ocidente com a derrota da Alemanha, a União Soviética entraria na guerra contra o Japão —, e reiterada posteriormente em Ialta, e uma vez mais em Potsdam, cuja declaração-ultimato final ao Japão, emitida menos de quinze dias antes, a 26 de Julho, recebera o aval do ‘Vozhd — “cumpre ao Japão cessar prontamente todas as hostilidades e render-se incondicionalmente, ou enfrentar a aniquilação total”.
Ainda mal passava da meia-noite de 8, as forças do Marechal Vasilevsky, contando mais de 1,6 milhões de homens em armas e uma colossal concentração de mais de 5000 carros de combate e equivalente apoio aéreo, iniciava a invasão da Manchúria, num gigantesco movimento “em pinça” Este-Oeste, apoiado por um terceiro exército dito “central, a cargo do General Purkayev, partindo de Norte, e com o objectivo de varrer rapidamente toda a resistência e cortar todas as comunicações numa linha meridional de mais de 3000 km de extensão, numa área equivalente ao todo da Europa Central, contando, porém, com grandes obstáculos naturais no terreno.
A quebra do Pacto de Neutralidade de Abril de 1941 e subsequente invasão soviética do Manchukuo — estado-fantoche criado pelo Japão ainda em 1931, com o último Imperador Qing, Puu-Yi, nominalmente à cabeça — não vinha, de facto, como uma surpresa total para o Japão, e isto porque Tóquio estava perfeitamente ciente dessa possibilidade havia cerca de dois anos.
Porém, o mesmo já não se podia dizer da força com que o assalto soviético se materializara, e isto porque se a denúncia do Pacto de Neutralidade de 1941 e a entrada dos soviéticos na guerra ao lado das restantes forças Aliadas que se lhe opunham, fora prevista com sobeja antecedência, já a capacidade de concentração de forças, coordenação e apoio logístico por parte do Exército Vermelho a Oriente, fora totalmente subestimada pelos estrategas japoneses, que além de esperarem um ataque só a Norte e com grandes deficiências de execução, haviam, para mais, sobrestimado, e muito, o poder dos obstáculos naturais oferecidos pela geografia, designadamente a extensão territorial em causa, marcada pela aridez e suposta intransponibilidade do deserto e montanhas do lado Mongol, a Oeste, e a extensa área pantanosa do lado oriental, caso se verificasse uma invasão do lado do Rio Ussuri, a Leste — como veio a suceder, e contrariando a previsão dos generais Japoneses, com grande sucesso do lado soviético.
Acresce que do lado das forças japonesas, a capacidade, por esta altura, de fazer opor aos soviéticos uma resistência minimamente capaz, era pouco mais que nula.
O Exército Kwantung — força expedicionária no Norte da China, outrora fina-flor do Exército Imperial — era agora pouco mais que uma funesta sombra do que fora na sua gloriosa década de 30.
O General Yamada, seu último comandante, ainda que contando com cerca de 1,2 milhões de homens na frente, há muito que perdera as suas melhores divisões — cujos veteranos e experiência de combate, ao longo dos últimos quatro anos de guerra, se haviam transferido em peso e à pressa para o caótico teatro de guerra do Pacífico e Sul da Ásia, dispersando-se e esgotando-se em múltiplas frentes —, achando-se o grosso das suas forças composto agora por tropas inexperientes, formadas a correr e acabadas de chegar à frente de combate, totalmente subequipadas e com gravíssimas dificuldades a nível logístico, a que se somava uma deplorável escassez de apoio mecanizado — pouco mais de 1000 tanques ligeiros, na sua maioria Ha-Gō [Tp-95], um modelo obsoleto e sem capacidade para fazer frente ao poderio dos novos T-34 armados com super-canhões de 85 mm — e aéreo — cerca de 1800 aviões, na sua maioria Nakajima Ki-84, um modelo dotado de uma temível capacidade combativa, mas em número muito aquém do necessário para fazer frente a mais de 5000 aviões soviéticos com os poderosos bombardeiros IL-4 na vanguarda.
A piorar ainda mais a situação do Império do Japão nesta altura, cumpre recordar, a Manchúria era, desde o último ano de guerra, um ponto de importância estratégica absolutamente vital, do ponto de vista económico e militar, posto que, com o fito de o fazer escapar à devastadora campanha aérea americana sobre os grandes centros urbanos e industriais das Ilhas-Mãe iniciada ainda em 1944, para lá havia sido transferido e concentrado, ao longo de muitos meses, uma grande parte do poder industrial japonês, indispensável ao respectivo esforço de guerra, e recordando, ainda, que nesse Verão de 1945, o último centro de produção petrolífera, e de outros recursos de primeira ordem na esfera do controle do Império, era precisamente o Manchukuo.
A monumental operação militar soviética, iniciada a 9, e esperando estender-se até início de Setembro, dada a vastidão da extensão territorial em causa, acaba por revelar-se imparável face à depauperada resistência das forças imperiais, que capitulam como peças de dominó, umas atrás das outras numa questão de dias.
Paralelamente à tomada da Manchúria, as forças soviéticas iniciam, a 11.VIII, a invasão de mais uma das colónias do Japão, uma que a memória russa exigia como supremo troféu: Karafuto — a metade sul de Sakhalin, obtida e incorporada no Império do Grande Japão com a vitória deste sobre a Rússia de Nicolau II, na Guerra de 1904-05.
Em Karafuto, o Exército Vermelho depara-se com uma inesperada e fanática resistência que se estenderia bem para lá do anúncio da capitulação, a 15 — nuns casos por pura teimosia e inabalável recusa em acatar as ordens de cessação das hostilidades, emanadas de Tóquio, noutros por pura e simplesmente as forças em combate, cortadas as comunicações, nem sequer as receberem —, com os combates a prolongarem-se até 25 de Agosto, data em que as forças do 16.º Exército de Purkayev tomam finalmente a capital, Toyohara, na ponta sul da ilha.
A 20, e ainda com focos de resistência das forças de Yamada em Mukden, Changchun e Qiqihar, na Manchúria, forças pára-quedistas do 9.º Exército do Ar apoiadas pelo 36.º Exército sob o comando do Marechal Meretskov, tomam Harbin e Dalian — aliás Dairen (em Nihon-Go), aliás Porto Artur, palco, em 1905, de uma das maiores humilhações sofridas pela Rússia às mãos do Japão.
Da população de 400 mil civis em Karafuto, as autoridades só conseguem proceder à evacuação de cerca de 1/4 da mesma, com o remanescente a ser apanhado na ferocidade dos combates desses últimos dias de Agosto, em muitos casos sem sequer perceber o que se estaria a passar, face ao corte das comunicações com as Ilhas-Mãe.
Na Manchúria, 640 mil soldados e oficiais Japoneses, incluindo o próprio General Yamada Otozō, são feitos prisioneiros, e enviados para campos de concentração na Sibéria, onde muitos viriam a perecer pela década inteira que se seguiria — as estimativas variam muito consoante as fontes, apontando entre mais de 60 mil e 347 mil mortos nos campos da Sibéria, e até 1956.
Entre 11 e 18, segue-se a invasão do Norte da Península Coreana — processo que inaugura o nascimento dessa ainda hoje irredutível RDPC — e das Curilhas. Daqui, Vasilevsky e os seus oficiais planeiam a ofensiva final a Hokkaido e a entrada das suas forças nas Ilhas-Mãe.
Em Agosto de 1945, ao Japão, tudo indicava estar-lhe reservado igual destino que o que caberia ao “Reich dos Mil Anos” e à sua mais dilecta colónia, a Coreia: ser cortado em dois.
Ironia das ironias na hora do cair do pano: cabia agora ao “carrasco” americano salvar o Japão da machadada final na sua existência.
