Estava eu muito compenetrada a sentir que o dia me tinha trocado a alma e uns quantos outros pormenores e a tentar aprender com as três felinas cá de casa a sua característica displicência homérica para com o mundo, quando me chega um convite para jantar.
Tanto mais súbito e inesperado quanto a distância a que vivemos não prodigaliza essas situações na proporção desejada e, tantas vezes, necessária. Foi no empolgamento dessa expectativa que a minha alma voltou ao sítio e os outros pormenores se arrumaram, sem que eu sequer me apercebesse.
Passaram, com a lentidão tão habitual e irritante nestas circunstâncias, duas horas e meia recheadas de consultas ao relógio, espreitadelas à rua, escrutínio dos carros na distância e muitos pensamentos de antecipação feliz, como se um galinheiro se tivesse alojado na minha cabeça e todos eles cacarejassem risos e cantarolices ao mesmo tempo. Tremiam-me as mãos de atontamento ante a benesse de viver momentos muito felizes.
Só que a benesse era maior do que eu previra: os meus filhos mais novos chegavam iluminados com duas outras pérolas, queridas e familiares, com quem nestes últimos meses não pude estar tantas vezes como quereria. A emoção toldou-me o coração sem apelo nem agravo e eu percebi muito nitidamente que a distância cria coisas destas, porque também há coisas que não devemos viver sozinhos.
Foi um jantar memorável, de conversa e bem-estar, em que eu fui desfolhando os meus malmequeres-de-nostalgias-feitos, com gestos precisos e alegres.
Quando partiram, foi todo um longuíssimo serão a arrumar a minha sala-de-viver (que os ingleses às vezes sabem mais de certas coisas) e a alisar os meus espaventos de mãe e de amiga. Depois, foi bom dormir a noite toda à sombra do amor dos meus.
Acordei, ainda de coração acelerado, a explicar às três gatas que entre a galinha e o mocho, há esta espécie de mães, de alma eternamente arremelgada para com as suas crias e que, quanto a isso e em boa hora, não há nada, mas mesmo nada a fazer!