Uma das últimas novelas políticas portuguesas é a de que a economia está muito bem e que isso se deve ao Governo, ao Partido Socialista e a António Costa. É uma lenda, não apenas do Governo, mas também do Banco de Portugal e de alguns economistas que se limitam a olhar a conjuntura e não toda a imagem. É uma história útil para fazer esquecer as inúmeras trapalhadas em que a governação se tem visto envolvida e as muitas queixas dos portugueses, como publicadas numa sondagem recente do “Expresso”.
Trata-se de uma história que não leva em conta os níveis elevados da inflação, os salários muito baixos da esmagadora maioria dos portugueses, o aumento do custo de vida que representa uma tragédia para a generalidade das famílias, além dos impostos altos e de outras formas criadas pelo Governo para sacar dinheiro do bolso dos portugueses, directa ou indirectamente. Uma história que procura ignorar que os rendimentos, PIB per capita em unidades do poder de compra, da generalidade dos países europeus da nossa dimensão melhora mais ou muito mais rapidamente do que em Portugal.
Mas o mais mentiroso lado da história é de que o crescimento da economia de 2,6% este ano é obra do Governo, ou que o Governo tem alguma coisa a ver com isso. De facto, deve-se ao crescimento do turismo, que nada tem a ver com a acção deste Governo; e se é verdade que esse crescimento poderá ajudar a adiar os graves problemas existentes na economia, implica baixos salários, um balão de oxigénio para milhares de pequenas empresas e famílias – cafés, restaurantes, dormidas, pequenas lojas – ou seja, pequenos negócios na generalidade sem futuro. Acresce que o “boom” turístico pode desaparecer ao virar da esquina por qualquer razão fortuita e deixar a economia portuguesa confrontada com a sua dura realidade.
Uma segunda razão para o crescimento tem sido o comportamento razoável das exportações, empurradas por sectores da economia que nada têm a ver com a acção do Governo, resultados que resultam da acção de governos de um passado longínquo. Por exemplo, as exportações de sectores como o calçado, a confecção, o têxtil ou a cerâmica têm a ver com a entrada de Portugal na EFTA, ainda no antigo regime, e o crescimento da metalomecânica e dos componentes para o automóvel deve-se a investimentos feitos no período do PEDIP e da “AutoEuropa” no tempo de Cavaco Silva.
De facto, os governos destes oito anos de António Costa caracterizaram-se pela ausência de investimento e por políticas distributivas que têm a ver com a tentativa de minorar a pobreza extrema de milhões de portugueses e não por medidas destinadas a fazer crescer a economia. O investimento num novo aeroporto limita-se a estudos e mais estudos, na ferrovia em arranjos nas linhas do século XIX, e com mais promessas do que realidade, para mais com a recusa de aceitar os fundos europeus destinados à construção do chamado Corredor Atlântico em bitola UIC que ligasse as exportações portuguesas com destino à Europa.
Como uma desgraça nunca vem só, temos que o Plano de Recuperação e de Resiliência (PRR) é uma manta de retalhos destinada a substituir alguns investimentos adiados no Orçamento do Estado ao longo dos anos e em projectos com futuro duvidoso, mas que, em qualquer caso, não alteram o insustentável modelo económico seguido pelos diferentes governos do PS, baseado em centenas de milhares de muito pequenas empresas, nomeadamente comerciais e não exportadoras. Ao mesmo tempo que o investimento nacional e internacional em grandes empresas exportadoras, nomeadamente industriais, desapareceu em Portugal depois da “Autoeuropa”. Presentemente, enquanto a vizinha Espanha dirige o seu PRR para apoiar grandes investimentos industriais destinados à exportação, nomeadamente no fabrico de baterias e de novas gerações de automóveis eléctricos, com exportações para a Europa potenciadas pelas novas linhas ferroviárias que ligam hoje a Espanha à União Europeia, que é o seu e nosso maior mercado. Em que Portugal está cada vez mais dependente do transporte rodoviário, condenado pelas políticas ambientais da União Europeia e o futuro da “AutoEuropa” começa a ficar incerto.
Ou seja, depois de mais de vinte anos de estagnação da economia portuguesa, do gasto de muitos milhares de milhões de euros consumidos nos bancos e nas empresas de transportes do Estado, além do dinheiro recebido de Bruxelas que tem aumentado, depois de tudo isso, crescer 2,6 % é um fracasso e não o sucesso reclamado pelo Governo e pela grande família socialista, que vê flores em tudo que seja lançar dinheiro sobre os problemas.
Finalmente, a corrupção continua a minar a economia e a sociedade portuguesas e a retirar ao Orçamento do Estado milhares de milhões de euros anualmente. Dinheiro que não paga impostos e se dirige rapidamente para os mais diversos paraísos fiscais, perante a passividade, alguns chamam-lhe cooperação, do Governo e do PS. O sistema judicial continua sob o controlo do Governo, apesar de todas as juras de independência, e acumula casos sem julgamento.
Repito, a existência de centenas de milhares de empresas portuguesas de muito pequena dimensão, esmagadoramente comerciais, com trabalhadores na sua maioria com baixas qualificações e baixa produtividade, ao mesmo tempo que se hostilizam as grandes empresas, nomeadamente exportadoras, representa um modelo económico sem futuro, independentemente dos fogachos idealizados pelo Governo.
Igualmente, o sistema económico nunca poderá funcionar bem enquanto não existir um sistema de Justiça verdadeiramente independente do poder político, que responda em tempo útil às necessidades da economia. Ou enquanto continuarmos a discutir, 50 anos depois do 25 de Abril, a alternativa entre o que deve ser público e o que deve ser privado.
Em resumo, o pequeno crescimento da economia portuguesa em 2023 nada tem a ver com a acção deste Governo de António Costa, resultando de factores conjunturais do turismo e das exportações criados por governos anteriores. Tentar a explicação contrária é apenas a habitual propaganda, cuja capacidade de enfabulação já é bem conhecida. ■
Nota: De acordo com o Banco de Portugal, o Governo vai receber este ano mais quatro mil milhões de euros de impostos e taxas, devido apenas ao aumento da inflação.