A Nação é o Benfica?

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O Benfica conquistou o 38º título de campeão nacional de futebol da sua história.

Muitos milhares de portugueses (diz-se que cerca de seis milhões são adeptos do clube da águia) saíram à rua para festejar o momento um pouco por todo o país, com o clímax a acontecer na rotunda do Marquês de Pombal, em Lisboa.

Por imperativos de segurança, comércios naquela zona (até a Feira do Livro!) foram obrigados a encerrar as suas portas pelas autoridades “responsáveis”, com os inerentes efeitos na sua facturação.

Muitos agentes das forças de autoridade foram destacados para o local para acompanhar a situação.

Os portugueses que estiveram na rua no passado sábado, 27 de Maio de 2023, terão decerto representação nas diferentes classes económico/sociais do país, embora seja de acreditar que a maioria pertencesse às classes baixa e média-baixa, dado o peso estatístico das mesmas na população total.

O Benfica ganhou o campeonato e os portugueses festejam como se de tal ocorrência resultasse um impacto fortemente positivo nas suas vidas, isto é, como se acedessem a um novo e desafiante emprego, o seu salário aumentasse, a qualidade de vida das suas famílias melhorasse, o futuro dos seus filhos fosse radioso… em suma, como se a Nação ficasse mais forte e apelativa com a vitória do Benfica.

Na governação do país estalam escândalos diariamente, cada um maior do que o outro, e os portugueses não saem à rua para se manifestarem.

Em cada época estival o país literalmente arde, perdendo-se uma riqueza florestal incomensurável, e os portugueses não saem à rua.

A carga fiscal directa e indirecta é cada vez mais asfixiante, retirando a mais-valia a quem trabalha honestamente, e os portugueses não saem à rua.

Os impostos dos portugueses são desbaratados, aos milhares de milhões de euros, pelo Governo em negócios ruinosos, nacionalizações e privatizações, e os portugueses não saem à rua.

Os sistemas de Saúde, Educação e Justiça funcionam cada vez pior, colocando mesmo em risco a existência do país como um Estado de Direito, e os portugueses não saem à rua.

O país não tem um projecto ou uma estratégia de futuro que crie esperança de qualidade de vida às gerações mais novas, e os portugueses não saem à rua.

Os animais estão a adquirir mais direitos do que as próprias pessoas, mormente as mais idosas, e os portugueses não saem à rua.

A Igreja perdeu toda e qualquer autoridade moral com o envolvimento de muitos dos seus membros em crimes de pedofilia, e os portugueses não saem à rua.

A corrupção grassa pela classe política, no Governo e fora dela, no Estado central e nas autarquias, e os portugueses não saem à rua.

Mas o Benfica ganha o campeonato e os portugueses festejam na rua como se não houvesse amanhã, como se tal fosse algo de extremamente relevante nas suas vidas.

As televisões exploram o acontecimento à exaustão, com horas consecutivas de emissão sobre o assunto, como se o mesmo fosse prioritário no contexto das diferentes notícias.

A comunicação social e os seus actores, mormente accionistas e jornalistas, vendem a inteligência pelas audiências, deitam os princípios e valores no caixote em prol do vil metal proveniente da publicidade em momento de forte audiência.

A política educativa e a comunicação social, mais em particular a televisão, contribuem, decisivamente, para a a alienação cívica e estupidificação geral dos portugueses.

O Sr. Costa e seus “muchachos” agradecem prestimosamente ao Benfica o título. Durante pelo menos uma semana, a Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP deixa de ser o foco da atenção da população, o mesmo se aplicando ao caso “Tutti Fruti” do Sr. Medina e quejandos.

A Nação portuguesa resumir-se-á ao sucesso do Benfica? Não haverá mais vida para além do futebol?

Que cultura nacional é esta que conduz os portugueses a comportarem-se desta forma completamente inútil e inconsequente?

Estaremos a reviver de modo ainda mais vincado os famosos 3Fs do Estado novo, Fátima, Futebol e Fado?

Que Nação querem os portugueses? Pensam nisso sequer? Ou a vida resume-se a uma vitória de um clube como eventual compensação psicológica pelas frustrações e irrealizações do quotidiano? Um complexo de pequenez? De incapacidade enquanto povo?

Entretanto, os políticos, especialmente os governantes, agradecem.