A União Europeia e o futuro

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Tanto a pandemia quanto a invasão russa da Ucrânia nos mostraram que algumas decisões precisam ser reconsideradas. Não podemos ficar dependentes de apenas um país (seja como fornecedor ou como parceiro) e que, por exemplo, precisemos urgentemente formular políticas para incentivar a produção
“nearshore” e “onshore” em inúmeras áreas.

Esta realidade assume outra dimensão se tivermos em mente que o mundo mudou e que a primeira vítima dessa mudança será a globalização e o mercado global por ela representado. Não era difícil perceber que este tipo de contexto, mais cedo ou mais tarde, poderia acontecer. Já escrevi sobre isso e vou recordar algumas dessas palavras.

Instintivamente, para a maioria das pessoas o termo globalização é usualmente conotado com uma ideia económica e/ou comercial, enquanto o vocábulo nacionalismo tende para uma noção política. Partindo dessas associações, podemos dizer que ambas, cada uma à sua maneira, contribuíram para o mundo que hoje experimentamos. Todavia, não devemos esquecer que num mundo dominado pelos Estados-Nações, um mercado global é, à falta de melhor palavra, um anacronismo. O Estado-Nação não é compatível com a globalização. Um deles terá que desaparecer. E das suas cinzas deverá edificar-se um sistema orgânico harmonizável com a força motriz actual.

As associações internacionais entre Estados não são novidade. Sempre existiram, independentemente do período temporal e do modelo político e organizacional que vigorasse. Actualmente, no que respeita à associação de Estados, os limites que vigoram são os mecanismos de segurança e de respeito pelo direito internacional criados com a Organização das Nações Unidas

A União Europeia (UE) é um dos exemplos de associação de Estados. Tem características únicas que conjugam uma dimensão intergovernamental com uma supranacional. A UE não é nem uma Confederação, nem uma Federação. O neo-funcionalismo da União Europeia é “sui generis”. Representa um processo de integração que se iniciou nos anos cinquenta do século passado, processo esse que, apesar de todo o seu sucesso, se fez com avanços e recuos. A rejeição da Comunidade Europeia da Defesa (1952), a crise da “cadeira vazia” (1965), provocada pela ausência da França nas reuniões do Conselho, o que deu origem a uma paralisia institucional que só foi resolvida com o “Compromisso do Luxemburgo”, que reafirmou a regra da unanimidade quando estejam em jogo “interesses nacionais de importância vital”, e o falhanço do Tratado de uma Constituição para a Europa (2005) são exemplos de recuos. Todavia, deles emergiram outros passados que não só reafirmaram como também reforçaram o processo de integração europeu. O Tratado de Lisboa – ao modificar a forma como a União exerce os seus actuais poderes, ao incentivar a participação e ao reforçar a protecção dos cidadãos, através de uma nova arquitectura institucional e pela modificação dos processos de decisão visando maior eficiência e mais transparência e desse modo garantindo um nível acrescido de controlo parlamentar e de responsabilidade democrática – é inquestionavelmente um exemplo dos avanços. 

Porém, não é possível negligenciar os efeitos resultantes da pandemia e da invasão russa da Ucrânia. Esta última teve o condão de unir os Estados-membros da União como nunca. 

Alguns dos passos que estão a ser dados podem fazer ressurgir alguns fantasmas do passado. Se o que se passa no mundo actualmente for uma tentativa de reafirmação da preponderância do Estado-Nação que procura subjugar o mercado global, que deve fazer a UE? Evoluir para uma Federação? Se, efectivamente, estamos a regressar a um mundo de blocos, deverá a União permanecer sem influência política? E que efeitos terão todas estas circunstâncias na arquitectura institucional da UE?

O passado ensinou-nos que não basta poder económico. Outra das certezas é que se demonstrarmos fraqueza não seremos respeitados. Pessoalmente, espero que a dimensão intergovernamental não aumente na UE. Se tal acontecer, o impacto poderá ser final.

Felizmente, estão a ser tomadas decisões no sentido contrário. Oxalá a prudência seja o fundamento dessas decisões. Seja como for, é mais sensato ser motor de mudança do que ter de mudar pela imposição das circunstâncias. 

Se o mundo mudou, também nós teremos de mudar. Isto parece-me ser aconselhável e inevitável. ■