Diz-se dos índios serem gente astuta e muito prática. Com um tronco faziam uma canoa e com três paus montavam uma tenda. Costa, qual santo milagreiro, juntou duas mãos de calhaus e fez uma espécie de Governo. Gente quadrada, que não pensa e que quando se propõe a fazer qualquer coisa, mais valia estarem quietos. Estes seres amestrados e doutrinados na política de conveniência, pouco mais sabem fazer do que promover sopa instantânea quando há escassez de água, ou seja, aportam soluções mágicas que não servem para coisa nenhuma. Pior, soluções para problemas que eles criaram ou para os quais muito contribuíram.
Marina Gonçalves, hoje ministra da Habitação, em cargo criado “à la carte” após a demissão de Pedro Nuno Santos, lançando mão de toda a sua experiência profissional e de vida, percebeu que os portugueses têm extrema dificuldade em arrendar casa. Percebeu muito tardiamente, diga-se, porquanto tal dificuldade não surgiu esta década, nem este século… Com mais de 20 anos de atraso, fez-se luz nas hostes socialistas, que se apressaram a responder, num Conselho de Ministros remendado e à pressa, à pressão que os “media” (finalmente!) começaram a ecoar…
Uma vez mais, não se trataram de medidas estruturais, pensadas nos seus objectivos, alcance e consequências, antes um arrazoado de medidas “ad hoc” que os assessores anotaram em caderno A5, que levaram para o privado em substituição das palavras cruzadas… Só assim se pode perceber tanta asneira compilada num único documento, que deve dar pelo título provisório de M.E.R.D.A. (Medidas Extraordinárias de Reversão dos Direitos Aquisitivos), a ser rapidamente substituído por outro mais pomposo e de cunho mais social!
A dita M.E.R.D.A. só viu a luz do dia porquanto é manifesta a incapacidade de olhar para as causas e a incompetência para as mitigar. Tivesse o Governo, no seu conjunto, metade dos neurónios do que a família de Carlos César tem cargos no Governo dos Açores e, rapidamente, faria a pergunta certa:
– Porque é que os proprietários não colocam as casas no mercado de arrendamento?
Pouco demoraria a concluir que as normas que protegem os inquilinos, a morosidade dos tribunais, a elevada tributação, a obrigatoriedade de obras coercivas, a total desprotecção face a inquilinos que destruam a casa, entre um sem número de outros problemas, torna o mercado de arrendamento ou pouco atractivo, ou excessivamente caro… Era por este prisma que a questão deveria ser abordada, garantindo maior segurança aos proprietários. A opção, foi, uma vez mais, a mais facilitista, determinada de forma coerciva, num violento ataque à propriedade privada, que, poucos duvidamos, manifestamente ferido de inconstitucionalidade. Mas, à boa maneira socialista, importa a aparência de que se luta contra o capital, ignorando, inclusive, que muitas dessas segundas, terceiras e quartas habitações resultam de processos judiciais de partilhas que se arrastam nos tribunais há décadas e em que as partes estão desavindas. Ao invés de encontrar mecanismos legais que conduzissem à celeridade processual, o Estado propõe o arrendamento coercivo desses imóveis, contribuindo para o agudizar de um dos grandes factores de violência e homicídios familiares. É uma ideia de génio, convenhamos…
Há, porém, muitas mais, a começar pelo fim dos alojamentos locais, como se estes tivessem qualquer relação directa com o mercado de arrendamento. À semelhança de muitos outros, estes são negócios que só serão rentáveis enquanto houver procura. Não havendo, os mesmos terão que encerrar enquanto tal e reinventar-se noutros moldes. Pretende o Governo encerrar, à força, tais negócios, numa lógica não demonstrada que aqueles reverterão para arrendamento acessível face à ausência de alternativa. Para além de ser uma intromissão abusiva no destino que cada pessoa pretende dar aos seus imóveis, é matar a galinha dos ovos de ouro deste país, já que é o sector do turismo que tem sustentado a economia portuguesa, representando mais de 10% do PIB. Ao reduzir o número de AL, o Estado apenas conseguirá aumentar o seu preço, já que está a diminuir a concorrência. Por outro lado, há todo um conjunto de factores económicos daqui decorrentes, em actividades conexas com o turismo, como seja a restauração, os transportes, o comércio de rua ou até as próprias limpezas. Olhe-se para o exemplo do Porto e veja-se o aumento de voos e rotas no Francisco Sá Carneiro, o investimento estrangeiro feito em áreas que não a imobiliária, a quantidade de empresas estrangeiras aqui sediadas e inerentes postos de trabalho criados, etc… E, se isto não for suficiente, que nos valha a memória e nos lembremos que em 2000 ninguém – absolutamente ninguém – queria morar na Baixa e que passear nos Aliados após as 21h era comprar um bilhete premiado para um assalto…
Também de génio é a decorrência que eram os vistos “gold” os responsáveis pelo aumento exponencial do preço das casas e, como tal, limitar o investimento imobiliário a empresas portuguesas. Primeiro, o número de habitações adquiridas através dos vistos “gold”, é residual face à oferta imobiliária. Segundo, o valor mínimo exigido para a obtenção de um visto “gold” – meio milhão de euros – em nada afecta a dita habitação acessível ou o mercado de arrendamento de baixo custo. Seria a mesma coisa que impedir a venda de “Ferraris” ou “Aston Martins”, sob o pretexto que estes encareceriam os “Fiat”, “Renaults”, as bicicletas e os transportes públicos. Terceiro, porque os grandes fundos imobiliários poderão continuar a fazer negócios, bastando que criem sociedades veículo em Portugal para o efeito, como, aliás, já maioritariamente o fazem. Ou seja, efeito zero no arrendamento e consequências nefastas a outros níveis, nomeadamente na despesa pública que se repercutirá nas próximas décadas…
Há todo um manancial de medidas, muito mais céleres, eficazes, menos controversas e, sobretudo, legais, que mereceriam especial atenção:
– A desafectação de áreas da REN e RAN para construção de habitação social ou a custos controlados;
– A isenção do pagamento de IMI e a criação de uma taxa liberatória residual dos rendimentos prediais para os senhorios que arrendassem os imóveis a preços pré-determinados, em função da tipologia, cidade e zona, ou do valor patrimonial tributário;
– O despejo coercivo e com recurso às autoridades de quem esteja em mora superior a três meses no pagamento das rendas, bastando uma notificação judicial avulsa com um pré-aviso de trinta dias;
– A majoração, em sede de índice de construção, mediante contrapartidas de obrigação de criação de habitação social ou de custos reduzidos. Por exemplo: se a área construtiva permitida for de 10.000 m2, a mesma poderá ser ampliada até 1/3, conquanto que o dobro desse acréscimo seja traduzido na referida construção social;
– Na intervenção estatal relativamente aos empréstimos para habitação e criação de linhas de crédito mais flexíveis;
– Na criação de um parque habitacional estatal, para arrendamento acessível a funcionários deslocados, à semelhança do que se faz com as residências universitárias: professores, médicos, juízes, polícias, militares e todos aqueles que, em virtude das suas funções, estejam obrigados a deslocações temporárias…
Para aqueles que votam de palas e a cruz segue sempre no punho cerrado, convirá esclarecer que Portugal é o país da Europa que menos investe em habitação social. Ou seja, se não há casas no mercado, isso deve-se, sobretudo, quer ao facto de o Estado ter abandonado a aposta na habitação para os mais desfavorecidos, quer aos custos e entraves nos processos de licenciamento urbanístico que, invariavelmente, hão-de recair no preço final… A acrescer, importa ainda referir que o dito Estado é o maior proprietário de imóveis devolutos (mais de 700 mil). Não consta, porém, de toda a diarreia normativa do diploma, que este seja o primeiro passo…
Que Costa se pretenda apoderar de património que não lhe pertence, não deveria surpreender ninguém, porquanto já o fez no passado, quando perdeu as eleições para a Associação Académica da Faculdade de Direito e se recusou a entregar as chaves à lista vencedora, obrigando a que a porta tivesse que ser arrombada com uma mesa de matraquilhos. Ao que parece, o povo português acha que estas são qualidades de carácter para se ser primeiro-ministro. Talvez o mesmo povo que entende que não é preciso ganhar eleições para governar. Talvez o mesmo povo que apenas apele à Constituição nas partes que lhe são favoráveis, fazendo letra morta e atropelando todas as normas das quais discordam, à semelhança do que, uma vez mais, fez o Governo…
Nesta “Re/Marx” imobiliária que Costa e Marina pretendem inaugurar, não será surpresa se sairmos sexta à noite para bebermos uns copos e sábado de manhã termos uma família a ocupar a nossa propriedade, ou que os solteiros que durmam em cama de casal sejam obrigados a partilhá-la com um desconhecido… Com efeito, num país em que Paulo Pedroso, acusado no caso Casa Pia, é chamado a comentar os abusos sexuais na Igreja, pouco ou nada nos deve surpreender… ■