Cabrita, sempre um passageiro, nunca um comandante

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1784

Um, seis, três.

Está encontrado o número da besta deste governo. No anterior foi nove, quatro, dois, embora a taluda estivesse isenta de prémio, numa espécie de quermesse paroquial em que o rodar da tômbola apenas tinha efeitos caritativos. Agora o prémio era de totobola, jogado com tripla, sabendo-se de antemão o resultado final. A dúvida era apenas o quantum numérico do resultado no fim da partida. E quantos mais minutos esta teria de desconto…

Os factos a estranhar, são, por isso, outros. Os contornos por explicar e as coincidências convenientes. Como uma estória contada por um miúdo de oito anos, manca de sentido e isenta de considerações ou sentido crítico. Ou como um filho adolescente nos tenta convencer a ir a um jantar de turma a meio da semana seguido de saída nocturna à discoteca da moda “acompanhado dos professores”. Aquilo que nos parece estranho à partida, adensa-se quando questionamos o propósito, um papel da escola a confirmar o evento e pedir autorização parental, o insistente esquecimento do contacto do professor, etc.… Não sendo o nosso filho completamente destituído de inteligência – e sobrando-lhe a esperteza jovial que possa garantir os seus intentos – vem a comandita de amigos em bloco, garantir a veracidade do evento. Alguns, mais solícitos, até oferecem dormida e garantem que os pais autorizam e até têm muito gosto em recebê-lo. Aqui chegados, temos duas hipóteses: fechamos os olhos e damos a abébia ao puto; ou, exercemos a responsabilidade parental e conformamo-nos com o amuo que perdurará longos dias.

O caso de Cabrita não foge muito a esta estória. Há tanto, mas tanto, que não bate certo, a começar por um despacho de acusação que não faz qualquer referência à pessoa do ministro.

Um, seis, três.

Seria esta a velocidade aproximada do veículo quando atropelou mortalmente Nuno Santos. Não ia em marcha de urgência, nem invocou qualquer circunstância, em especial, que justificasse tal velocidade excessiva. O que não se percebe é, como é que um condutor experimentado, pertencente às forças de segurança, conhecedor dos limites legais de velocidade e até do dever especial de dar o exemplo face à pasta do ministro, teve a veleidade de, por sua iniciativa, violar a lei em várias dezenas de quilómetros horários. Sem que ninguém se tenha apercebido ou chamado à atenção. E podemos – e devemos – estranhar, que um processo que esteve em segredo de justiça (sem que tal o justificasse, que não apenas por protecção pessoal de Cabrita e do Governo, sublinhe-se), tenha demorado quase meio ano a produzir acusação e que esta apenas tenha visto a luz do dia quando é público que o Governo está a prazo. Uma coincidência muito conveniente para o próprio e para Costa, diga-se!

Um, seis, três.

Apesar disso, Cabrita não saiu por causa do despacho de acusação. Saiu pelas declarações que proferiu no seu seguimento. Afinal, era “apenas” um passageiro, como foi em seis anos do Ministério que liderou. Sempre um passageiro, nunca um comandante. Mas, até a amizade e a lealdade conhecem limites. Ainda assim, Costa permitiu-lhe sair com aparente dignidade, aceitando uma renúncia que mais não é que uma demissão tardia.

Ana Paula Vitorino não tardou em sair em defesa do amado. Fê-lo, trazendo uma versão do homem, do ser humano que habita para lá das estupidezes que nos deu a conhecer. Do Eduardo, a quem nós sempre nos referimos pelo apelido. Discorreu, de coração cheio, epítetos como íntegro, honesto e responsável, apodando-o do “último dos impolutos”. Cabrita terá, portanto, méritos de alcova, desconhecidos dos portugueses. Ficámos, através da esposa, a conhecer o homem que dá o peito às balas, em prejuízo de si próprio, mesmo não tendo culpa nenhuma. Permita-me então, que lhe apresente o político, que a Ana Paula parece desconhecer.

O Eduardo foi o ministro que se viu envolvido num negócio de compadrio e favores por causa de golas inflamáveis para a Protecção Civil. À sua custa viu o Ministério “buscado” pelas autoridades, sendo a primeira vez que tal aconteceu em Portugal. Foi o ministro do escândalo do SIRESP. Foi o ministro que permitiu os festejos do Sporting em época de pandemia e contrariando os pareceres das autoridades. Foi o ministro que extinguiu todo um serviço, porque se eximiu de assumir responsabilidades aquando da morte de um cidadão ucraniano às mãos de um serviço que tutelava. Foi o ministro que mentiu nesse processo, quando há muito sabia do sucedido e que manteve em funções a Directora nacional do SEF por vários meses, até lhe arranjar colocação condigna. Foi o ministro que procedeu à tomada administrativa, segundo a lei do “far-west”, de propriedade privada, e que tentou, pela calada da madrugada e com substantiva escolta policial, deslocar imigrantes para o “ZMar”. Foi o ministro que abandonou um homem numa auto-estrada sem lhe prestar qualquer auxílio. Foi o ministro que mentiu, sucessiva e descaradamente, quanto à existência de sinalização na via e indicação dos trabalhos. Foi o ministro que tentou imputar a responsabilidade do acidente para a vítima. Foi o ministro que não compareceu às cerimónias fúnebres. Foi o ministro que nunca agilizou qualquer procedimento reparatório ou sequer se dignou a assegurar os meios de subsistência à viúva e órfãs do falecido. Foi um ministro que nunca assumiu ter dado instruções ao seu motorista para circular a determinada velocidade, abandonando-o à sua sorte judicial. Foi um ministro que, ao invés de assumir qualquer responsabilidade, se qualificou como um mero passageiro. 

Costa só o manteve não porque alguma vez tenha sido Ministro, mas porque sempre foi seu amigo. Neste Governo, foi quanto bastou…

Assim, Dra. Ana Paula Vitorino, apresento-lhe o seu marido, o Ministro. O Eduardo. Faço votos para que ele não seja apenas um passageiro no vosso casamento. Mas deixo-lhe uma garantia: ainda que o seja, jamais se demitirá!

Um, seis, três! Ou, Nuno Santos, se preferir… Para memória futura! ■