Casas não faltam, o que falta é o dinheiro para as comprar

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Depois de sete anos em que António Costa e o PS acumularam erros óbvios no tratamento do mercado da habitação, eis que o Governo acordou para a tragédia das famílias portuguesas, nomeadamente jovens, que não conseguem uma casa decente para viverem. Não que não haja casas disponíveis, mas porque os preços estão muito acima das posses da generalidade dos portugueses, seja para comprar, seja para arrendar. De facto, todos os dias recebo no meu “mail” centenas de ofertas das casas mais variadas, nomeadamente em belíssimos novos prédios em Lisboa e no Porto. Os preços variam muito com a localização, mas vão desde 300.000 euros para um T0 ou um T1, até quatro milhões para autênticos palácios a que chamam “Penthouses”.

Ou seja, casas não faltam, o que falta é o dinheiro para as comprar, seja porque com uma economia em estagnação há mais de vinte anos os ordenados são ridiculamente baixos, a pobreza cresce e a inflação, a meias com a subida dos juros, faz o resto. Mas não exactamente, porque temos ainda o Estado, com os impostos mais variados na aquisição dos terrenos, nos materiais de construção, na compra e venda das casas, nos arrendamentos e sobre a detenção da propriedade. O célebre imposto Mortágua foi a cereja no topo do bolo deste Governo que se queixa agora do preço das casas, mas não prescinde de quase todos os impostos para continuar a engordar. Finalmente, a corrupção nas autarquias, seja na compra e legalização dos terrenos e na aprovação dos projectos, seja nas autorizações para obras de recuperação, representam um martírio para quem pretenda investir. A regra é criar dificuldades para vender facilidades, mas não para todos. Por exemplo, junto à minha casa, em Miraflores, existe um belíssimo jardim com uma linda ribeira com a atractividade suficiente para um novo crime urbanístico, cinco novos prédios a construir ao longo da ribeira, de dez ou doze andares cada. Um dos prédios já está nos acabamentos e o segundo nas fundações, o primeiro com um letreiro a informar que já está tudo praticamente vendido. Falta de casas?

Quem se der ao trabalho de viajar desde a Expo até Oeiras, pela marginal, verá que há novos prédios para todos os gostos, novos e remodelados. Até encontram um prédio degradado em frente ao rio, na zona do Dafundo, que está há anos com um grande letreiro a dizer que se destina a arredamento para jovens, os quais, com o PS no poder, bem podem esperar. O mesmo acontece por toda a cidade e suponho que haverá suficientes estrangeiros e portugueses endinheirados, porque de contrário será um grande desastre económico e financeiro para muita gente. Entretanto, a ideia de forçar o arrendamento de casas vazias é demencial e talvez que António Costa possa dar uma volta pelo Algarve, de preferência no Inverno, para ver as milhares de casas vazias, pertencentes a estrangeiros e a portugueses. António Costa tem aqui, como um pouco por todo o país, casas suficientes para oferecer ou alugar aos portugueses pobres. É fácil, basta que copie a União Soviética e se esqueça de que vive na União Europeia.

Perante este cenário, o Governo entrou em regime de testar a imaginação do povo socialista num concurso de ideias, com o resultado já anunciado e destinado a fazer um outro plano para a habitação ao gosto de António Costa. Os socialistas não se fizeram rogados e juntaram todas as ideias possíveis, algumas já testadas no papel da lei, mas não em casas para as famílias viverem. Por exemplo, António Costa constatou na televisão que a lei destinada a obrigar os proprietários a fazerem obras já existe há muito, só que, aparentemente, não se deu conta do insucesso da experiência e por uma razão mais ou menos óbvia: falta de dinheiro. Porque na cabeça de António Costa e da esquerda caviar os proprietários vivem todos na Quinta da Marinha e têm muito dinheiro disponível para construírem casas com rendas baixas para os pobres.

A outra ideia de obrigar os proprietários a alugar as suas casas ao Estado, para este subalugar às famílias, devia ganhar o prémio Nobel da estupidez. Aparentemente, não passou pela cabeça destes socialistas bem casados, quero dizer com boas casas, que não se pode na União Europeia obrigar os proprietários a fazerem o que eles não possam ou não queiram fazer. Há outras ideias como esta no dito plano, destinadas a esbanjar o dinheiro dos contribuintes, ideias que merecem vinte valores em ideologia e zero em inteligência e bom senso. Trata-se apenas do desejo secreto de António Costa de usar a maioria absoluta para mandar em tudo e em todos, mas não mais do que isso. Os proprietários pobres podem certamente ficar mais pobres, mas os que tenham muitas casas para alugar podem sempre vender o que têm e investir num qualquer país onde os governantes usem a cabeça para pensar e onde as regras não mudem constantemente. Posso recomendar a Irlanda, onde para isso não há praticamente impostos.

Como é evidente, a única solução para o problema da habitação nas presentes condições seria o Estado colocar em bom uso os muitos milhares de construções e de terrenos que tem na sua posse, mas isso leva tempo e este Governo nem sabe quantas são essas casas e onde estão, ou a que sector do Estado pertencem. Além de que organizar a coisa em tempo útil é areia demais para estes governantes. Outra solução mais realista seria o Governo e as autarquias construírem habitação a preços controlados em grande quantidade e depressa, para arrendar as casas a preços reduzidos. Mas há problemas: o primeiro é encontrar terrenos a preços que não continuem a levar as pessoas para as periferias das cidades; segue-se a incapacidade do Governo e de muitas autarquias de fazerem alguma coisa com prazos limitados; finalmente, o pagamento das rendas a tempo e horas, ou vigiar a manutenção das casas, requer um Estado disciplinado e disciplinador que não existe em Portugal há muito. Há tempo dei-me conta que há em Lisboa um bairro de boa arquitectura, construído no tempo do doutor Salazar, mas agora em grande parte deixado em ruinas e com poucas famílias sobreviventes. Aparentemente, o problema é que os arrendatários, chegada a democracia, consideraram que sendo o Estado o proprietário não se justificava pagar renda e que quanto à manutenção, o Estado que cuide. Conheço outro exemplo semelhante na Marinha Grande, com três prédios em ruinas.

Esta diarreia governativa no campo das ideias para resolver o problema da habitação não é muito diferente das medidas magicadas por António Costa ao longo dos últimos sete anos para resolver os conhecidos problemas do ensino, da saúde, da economia, da Justiça e da corrupção e com os mesmos resultados. Ou seja, este plano do Governo para a habitação não vale a tinta que faz correr nos meios de comunicação. Porque, mesmo que o plano fosse exequível, tal como em todos os outros planos anteriores, criam uma tal carga de trabalho administrativo e de gestão que nada de bom se pode esperar da reconhecida incompetência do Governo. Como se sabe, o PRR está em pânico e apesar de sabermos que a simplicidade nas ideias e a competência na organização e na execução podem fazer maravilhas, também sabemos que isso é coisa que não existe entre a gente que habita no Largo do Rato.