Ainda António Costa estava a tentar recompor-se dos reparos públicos que selaram o fim da relação cordata do Presidente da República com o primeiro-ministro, quando Cavaco Silva desfez de alto abaixo a política do Governo para a Habitação.
Uma área que António Costa tinha acabado de eleger para servir de biombo ao pico de contestação social de vários grupos profissionais de forma tradicional ou de natureza mais inorgânica.
Depois das críticas feitas por todos líderes dos partidos de oposição ao executivo, Cavaco Silva endureceu a parada. Luís Montenegro colou-se de imediato às palavras do ex-PR.
A aula de Cavaco
O ex-Presidente da República Cavaco Silva considerou que a crise na habitação “é resultado do falhanço da política do Governo”, manifestando “muitas dúvidas” quanto ao sucesso do novo pacote do executivo, que tem um “problema de credibilidade”.
Cavaco Silva falava na conferência que assinalou os 30 anos do Programa Especial de Realojamento (PER), uma iniciativa da Câmara de Lisboa, e teve um discurso muito crítico em relação ao novo programa “Mais Habitação” e à actuação do Governo socialista liderado por António Costa.
“Como tem sido sublinhado, a actual crise é o resultado do falhanço da política do Governo no domínio da habitação nos últimos sete anos, com custos sociais muito elevados para milhares de famílias”, acusou, tendo na plateia Carlos Moedas e Luís Montenegro.
“Como o historial do Governo dos últimos sete anos não é positivo em matéria de cumprimento de promessas feitas, o novo programa de habitação sofre do problema de credibilidade próprio das políticas do actual executivo”, considerou.
Cavaco Silva deixou um conjunto de conselhos ao Governo, entre os quais que “se encoste à credibilidade das câmaras municipais” nesta matéria, mas manifestou “muitas dúvidas de que o novo programa tenha sucesso”.
“Para além da falta de credibilidade, há um outro factor inerente ao actual Governo que põe em causa a eficácia prática do programa. Trata-se do factor confiança. Ao longo dos sete anos no poder, o Governo tem feito o possível para corroer a confiança dos investidores”, criticou.
“Os livros ensinam que os instrumentos fundamentais da política de redistribuição do rendimento são os impostos e as transferências políticas e não as rendas dos senhorios” referiu.
Foi ainda deixado um terceiro conselho ao executivo de António Costa, neste caso para que “deixe de lado preconceitos ideológicos e perceba que não é possível aumentar significativamente a oferta de casas sem a participação activa dos investidores privados”.
Por seu turno, o actual PR, Marcelo Rebelo de Sousa, renovou as críticas que já antes tinha formulado e considerou que o pacote de Habitação apresentado pelo Governo é inoperacional e comparou-o a uma “Lei cartaz”.
Sondagens desanimadoras
Luís Montenegro perante sondagens muito desanimadoras resolveu colar-se a Cavaco Silva para atacar António Costa.
Estes ataques ao coração do executivo PS por parte de Marcelo e de Cavaco foram rapidamente aproveitados por Luís Montenegro, enquanto o PSD continua empatado com o PS nas sondagens, ao mesmo tempo que o Chega de André Ventura consegue subir para 13,5 %, tornando-se possível que sonhem com os 15 % de votos que condicionariam a direita.
Depois da prestação de Cavaco Silva, o presidente do PSD lamentou que o PS “conviva mal” com o “espírito crítico” de Cavaco Silva e que autarcas do PS, concretamente Luísa Salgueiro, não tenham tido “a humildade” de ouvir as críticas do ex-Presidente da República.
“Lamentamos profundamente que o PS conviva mal com o espírito crítico de alguém que tem no seu percurso a responsabilidade de ter governado o país 10 anos e depois ter sido Presidente da República outros 10. É o político português mais escrutinado, no sentido de ser escolhido pela população portuguesa, desde o 25 de Abril”, afirmou Luís Montenegro, que falava em Vila Real, à margem das jornadas “Construir a Alternativa”.”
Durante o discurso de Cavaco Silva, autarcas do PS, designadamente a presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), Luísa Salgueiro, saíram da sala.
“E é muito sintomático que o PS reaja mal e que, mesmo na própria sessão onde tive a ocasião de estar presente, os autarcas do PS e, em particular a presidente da ANMP, não tenham tido a humildade de ouvir as críticas ao Governo”.
“Para o presidente do PSD, esta atitude “demonstra, aliás, uma forma de estar que, infelizmente, o PS vem incutindo no país, que é demasiado tribal no que diz respeito à convivência democrática entre forças políticas”.
Cauda da Europa
O presidente do PSD acusou o Governo de “fazer a festa” à volta das contas públicas e de “negar a realidade” de que o país “está na cauda” da Europa e num “processo de empobrecimento”.
“O Governo nega, o Governo faz a festa à volta das contas públicas, faz a festa à volta do crescimento da economia e nega uma realidade: nós estamos na cauda da Europa, nós estamos num processo de empobrecimento”, afirmou o líder social-democrata,
Luís Montenegro reforçou a ideia de que o Governo e o primeiro-ministro, António Costa, estão “em negação” e considerou, “naturalmente, que as pessoas começam a ficar cada vez mais cansadas de verem o poder político e governativo a dar uma ideia de país, a dar uma ideia de realidade, que não é aquela que eles sentem no dia-a-dia”.
O líder do PSD salientou ainda que, “infelizmente, Portugal é um país onde cada vez mais há portugueses a ganhar o salário mínimo nacional e cada vez mais o salário mínimo está perto do salário médio”.
António Costa, acrescentou, “anda a correr o país a vender obras por tudo e, por todo lado, anda a dizer que há dinheiro para tudo e para mais alguma coisa à conta do volume de financiamento que vem do Programa de Recuperação e Resiliência”. É esse, sublinhou, “o programa político dele”.
“E as pessoas interrogam-se, mas tanto dinheiro, afinal, nos cofres do Estado e a nossa vida está cada vez pior? Como é que é possível nós metermos 3,2 mil milhões de euros na companhia aérea TAP, que era privada, e que este Governo quis nacionalizar, quando nós temos dificuldades no dia-a-dia?”, apontou.
Isso, continuou Luís Montenegro, “vai originar processos de contestação e processos de frustração”. “E eu só posso compreendê-los e construir soluções políticas para que, no futuro, a situação se possa alterar”, sustentou.
Luís Montenegro insistiu que há um ano que alerta para a “disparidade entre a taxa de inflação e o crescimento dos preços em bens”, nomeadamente produtos alimentares, da energia, ou das rendas e prestações da casa para quem tem crédito à habitação.
“Sempre disse que tinha de haver uma resposta para isso e disse mais. Disse, já no ano passado, que o Estado estava a retirar da sociedade a maior parte dos recursos que a sociedade é capaz de gerar, em impostos”, afirmou.
E, acrescentou, “há aqui uma imoralidade”.
“O Estado está a tirar aos cidadãos, às famílias, às instituições e às empresas mais do que aquilo que até inicialmente previa no Orçamento do Estado e, em contrapartida, oferece piores serviços e não consegue conter o aumento do preço dos bens essenciais”, sublinhou.
“Dossier” professores
O presidente do PSD, Luís Montenegro, exortou ainda o primeiro-ministro a tomar em mãos o processo dos professores, considerando que o ministro da Educação mostra que “não tem argumentos” para superar esta instabilidade.
“Faço, aliás, um apelo a que o primeiro-ministro tome em mãos este assunto dos professores a bem da Educação, a bem da carreira dos professores, mas também a bem do interesse dos alunos e das suas famílias. O que nós não podemos continuar a assistir é a este impasse e a esta inflexibilidade do Governo e já vimos que o ministro da Educação não tem argumentos, até ver, para poder superar esta instabilidade”, afirmou o líder social-democrata.
Luís Montenegro considerou, ainda, que se está a “menosprezar uma situação de injustiça que está a ficar cada vez mais premente” e está relacionada com “a recuperação das aprendizagens”.
“Há muitos alunos que ainda não recuperaram as aprendizagens perdidas no tempo da pandemia. Se acumularmos a isso aquelas que decorrem agora destes períodos de greve, verdadeiramente nós estamos a prejudicar uma geração de forma absolutamente injusta e isso é intolerável”, frisou.■