Economia trancada: inflação põe Europa a resvalar para a recessão 

A pandemia, a crise da energia e a guerra fizeram disparar a inflação em todo o mundo e, naturalmente, também no espaço da União Europeia. Portugal tem uma economia débil e quando a Europa se constipa o país pode ficar com uma pneumonia.

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Em tempos de crise as populações viram-se para os economistas, que tecem uma série de considerações teóricas vagas, só para admitirem que estão tão perdidos como o cidadão comum.

“A zona euro corre o risco de uma recessão em 2023 no caso de um corte total nas entregas de gás russo, alertou a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde.

Em conferência de imprensa após a reunião do Conselho de Governadores do BCE, Lagarde explicou que o “cenário pessimista” de previsões elaboradas pela instituição monetária, “incluindo um corte total das entregas de gás russas”, antecipa “uma recessão para 2023”.

No cenário central o BCE prevê um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) da zona euro de 3,1% este ano, de 0,9% em 2023 e de 1,9% em 2024, quando em Junho projectava uma expansão de 2,8% em 2022 e de 2,1% em 2023 e 2024.

No entanto, num cenário adverso, a equipa do Banco Central Europeu prevê um crescimento do PIB de 2,8% este ano e uma recessão de 0,9% em 2023, seguido de uma recuperação de 1,9% em 2024.

Quanto à inflação, o cenário adverso prevê um aumento para 8,4% este ano (que compara com os 8,1% do cenário base), descendo para 6,9% em 2023 (5,5% no cenário base) e 2,7% em 2024 (2,3% no cenário base).

O BCE subiu em 0,75 a taxa de juros de referência e sabe-se que até ao fim do ano vai prosseguir nesta política.

Medina e a história do défice

Já o ministro das Finanças, Fernando Medina, garante que “o maior contributo do Estado” face à subida de juros anunciada pelo Banco Central Europeu é a de ter “um défice que não derrapa”, garantindo acompanhar a evolução.

“Vamos acompanhar a situação, ver como ela se desenvolve. Tenho afirmado muitas vezes – já desde a apresentação do Orçamento do Estado em Março passado e várias vezes ao longo deste ano – a importância da estratégia portuguesa de redução da dívida pública e de termos as contas certas, isto é, de termos um défice que não derrapa porque é precisamente isso que permite ao país melhorar o seu ‘rating’, como já aconteceu no passado”, declarou Fernando Medina.

Falando na chegada à reunião informal dos ministros das Finanças da zona euro, na cidade checa de Praga, um dia depois de o BCE ter anunciado uma subida das taxas de juro em 75 pontos base, o ministro das Finanças indicou que o Governo tem “perspectivas de continuar esse caminho”.

“É a partir da contenção dos juros da República Portuguesa que depois decorre os juros que os bancos portugueses financiam, que as empresas portuguesas financiam, que as famílias se financiam e, por isso, é da maior importância e o maior contributo que o Estado português pode dar relativamente à situação dos juros no nosso país”, vincou Fernando Medina. Questionado sobre eventuais medidas adicionais para aliviar esta subida das taxas de juro, o governante apontou que, “em momentos em que houve necessidade de haver intervenções dessa natureza, elas não revistaram a natureza orçamental”.

“Recordo, por exemplo, durante o período da pandemia, todo o processo de moratórias que existiu foi um acordo ao nível europeu e isso não envolveu um esforço orçamental, na medida em que a dimensão do problema não é compatível com uma acção isolada de um país”, apontou.

Posição europeia

“A colocar-se, a questão não é compatível com essa acção isolada, nem com a acção isolada das finanças públicas dos Estados”, reforçou Fernando Medina, adiantando que as medidas europeias adoptadas relativas à crise energética têm também “o potencial de poder conter as subidas de preços com eficácia”.

Recorde-se que o BCE anunciou que decidiu aumentar em 75 pontos base as suas três taxas de juro directoras, o segundo aumento consecutivo deste ano.

A taxa de juro das principais operações de refinanciamento passa de 0,50% para 1,25%, a taxa aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez de 0,75% para 1,50% e a taxa aplicada à facilidade permanente de depósito de 0% para 0,75%. Esta subida tem efeitos a partir de 14 de Setembro.

Esta é a maior subida dos juros do banco central e o maior movimento desta dimensão, desde que, em Dezembro de 2008, o BCE decidiu em sentido inverso descer as taxas de juro em 75 pontos base.

A instituição presidida por Christine Lagarde justificou que “este passo importante antecipa a transição do nível extremamente acomodatício prevalente das taxas de juro directoras para níveis que assegurarão um regresso atempado da inflação ao objectivo de 2% a médio prazo estabelecido pelo BCE”.

Desta forma, o BCE indica que nas próximas reuniões espera voltar a aumentar as taxas de juro.

Capitalização das Empresas

Já esta semana o ministro das Finanças, Fernando Medina, afirmou que o próximo Orçamento do Estado (OE) terá medidas no âmbito do reforço da capitalização as empresas, considerando ser esta uma “resposta adequada” num momento de subida das taxas de juro.

Intervindo na sessão de abertura do lançamento no novo “website” do “Guia do Emitente”, em Lisboa, Fernando Medina aproveitou para destacar “o que será um pilar no próximo Orçamento do Estado na dimensão associada ao reforço estrutural da economia que é a centralidade que” será dada “aos instrumentos de reforço de capitalização as empresas”.

Este reforço dos capitais próprios, disse o governante, “vem num momento particularmente oportuno” sendo a “resposta adequada” num momento em que, como o actual, as taxas de juro estão a subir.

“A resposta adequada, ou a oportunidade que se abre num momento de subida das taxas de juro, é sabermos transmitir uma mensagem muito clara a todo o sector económico e produtivo que é essencial o reforço da base de capitais próprios” não só para a estabilidade das empresas, como no desenvolvimento de projectos futuros e solidez do sistema financeiro, destacou Fernando Medina.

Sem entrar em detalhes nem responder, já à margem da sessão, às questões dos jornalistas sobre o conteúdo destas medidas, Medina disse apenas que esta é uma área onde o Governo tem vindo a trabalhar” e na qual apresentará “medidas concretas, efectivas”.

O “Guia do Emitente”, uma nova ferramenta digital, visa, segundo a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), “acompanhar e ajudar as empresas a tomarem decisões informadas de financiamento, com base no conhecimento das alternativas”, para que possam “considerar aquelas que melhor se adaptam à sua visão e ambição”.

O “Guia do Emitente” disponibiliza, assim, informação sobre “as etapas da jornada de acesso ao mercado de capitais” – desde o planeamento até à admissão à negociação, passando pela preparação e pela oferta – dando a conhecer “as características, vantagens e desvantagens das diferentes opções disponíveis às empresas”.

Dor Social

A ex-presidente da IGCP (Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública), Cristina Casalinho, avisou os socialistas que evitar o “entrincheiramento” da inflação terá custos ao nível do produto e provocará dor social. 

“Para controlar a inflação vamos ter custos ao nível do PIB, ou seja, vamos ter alguma dor”, declarou Cristina Casalinho, actual administradora da Fundação Calouste Gulbenkian, perante a Academia Socialista, iniciativa do PS que decorreu na Batalha, distrito de Leiria.

De acordo com Cristina Casalinho, a prioridade máxima, na actual conjuntura, passa por “evitar – é isso que os bancos centrais estão a fazer – que a inflação fique entrincheirada e se enraíze”.

“Temos de evitar a espiral de preços e de salários”, apontou, a título de exemplo, tendo pela sua frente uma plateia de jovens socialistas, num debate moderado pelo dirigente do PS Porfírio Silva e que também teve como orador o eurodeputado e ex-ministro Pedro Marques.

Para a ex-presidente da IGCP, a partir dos aumentos registados na energia e no sector alimentar, “os preços começam a ter efeitos secundários relevantes e as pessoas começam a ter comportamentos que reforçam a ideia de indexação para reposição do seu poder de compra, o que se deve evitar”.

“Estamos num ponto de inflexão, em risco de uma mudança de paradigma”, advertiu, antes de apontar uma via em termos de resposta pública: “A prioridade deve ser a contenção da inflação e isso deve ser feito através de políticas que protejam o impacto nos cidadãos mais vulneráveis”.

Durante a sua intervenção, Cristina Casalinho apontou que “o aumento dos juros por via do aumento das taxas de juro é menor do que as componentes da inflação, do crescimento do Produto Interno Bruto e do agravamento da despesa pública”.

“As taxas de juro estão a subir, é verdade, mas em Portugal estamos ainda longe de alguns máximos, por exemplo se pensarmos na taxa a 10 anos”, observou, antes de aludir ao factor mercado de trabalho para manifestar aqui alguma apreensão.

Mercado de Trabalho

“O mercado de trabalho, hoje, sobretudo nos Estados Unidos, encerra algumas incertezas porque está muito apertado, o que significa que o crescimento dos salários nominais está a acontecer e então provoca uma espiral inflacionista”, disse.

No caso de Portugal, a economista assinalou a previsão de um nível de dívida pública no final do ano menor do que 120% do PIB.

“Quando comparamos a factura dos juros com o efeito do crescimento do PIB nominal, verificamos que o PIB nominal cresce mais do que o efeito dos juros. Por outro lado, como havia previsões de um saldo primário positivo, isso dá folga orçamental para medidas de aumento da despesa para facilitar que a reposição de rendimentos seja alcançada”, afirmou.

Numa primeira fase, segundo Cristina Casalinho, o facto de a inflação aumentar é favorável à receita pública, dando flexibilidade orçamental.

Cristina Casalinho apresentou igualmente alguns dados sobre a evolução das principais economias mundiais quando confrontadas com os choques petrolíferos de 1973 e de 1979.

De acordo com esses dados, a subida de preços agora é menor do que em 1973 e em 1979, embora se tenha partido de uma base mais baixa.

“Mas o ritmo de aceleração tem sido agora mais elevado. As taxas de juro reais são actualmente bem mais baixas do que na década de 70”, completou.

Lucros excessivos

O PS não tem cura. Sempre que se vive uma crise temos agressivos socialistas a quererem abocanhar mais impostos de quem produz.

Nessa linha o eurodeputado do PS Pedro Marques – falando na mesma iniciativa – considerou que Portugal tem margem para aprofundar a tributação às empresas de energia com lucros excessivos, apesar de entender que o Governo já deu uma “primeira machadada” nesse sentido.

Esta posição foi transmitida pelo ex-ministro das Infra-estruturas e cabeça de lista do PS nas últimas eleições europeias na iniciativa Academia Socialista, na Batalha.

“Temos defendido a tributação de lucros excessivos na nossa família política de forma muito significativa desde há meses. No nosso caso, em Portugal, já conseguimos conter particularmente esses lucros excessivos, mas temos margem para ir mais longe e implementarmos uma contribuição extraordinária desta natureza”, sustentou Pedro Marques perante a plateia de jovens socialistas.

“Estamos a defender na Europa e é claro que também defenderia aqui em Portugal”, frisou.

Depois, procurou desdramatizar as consequências económicas e jurídicas se essa medida avançar no país e respondeu a alguns argumentos que têm sido invocados em sentido contrário.

“É verdade que temos menor margem para tributar lucros excessivos, porque já tomámos duas medidas para os diminuir. Mas devemos aprovar a contribuição. Se não houver nada para cobrar, é porque não houve lucro excessivo; se houver lucro excessivo, então deve ser carreado para o financiamento de apoio às famílias”, justificou o eurodeputado.

Na sua intervenção, Pedro Marques manifestou total apoio ao recente pacote de medidas sociais apresentado pelo primeiro-ministro, António Costa, particularmente em matéria de “antecipação para Outubro do aumento das pensões” previsto para 2023.

Preço dos combustíveis

Com o peso de ter sido secretário de Estado de Vieira da Silva na área da Segurança Social, Pedro Marques salientou a decisão do executivo de António Costa de desligar o preço da electricidade do preço do gás, bem como, “com grande importância, o regresso ao mercado regulado” no gás.

“São duas medidas tomadas pelo Governo português que limitam significativamente os ganhos das empresas do sector da energia, devolvendo esses ganhos extraordinários às famílias. Essas empresas têm ainda contratos de longa duração comprando o gás a preço muito baixo, mas como têm vendido no mercado livre, onde se estão a praticar preços mais altos, os consumidores estavam a pagar essa diferença”, observou.

Pedro Marques reconheceu que esses ganhos financeiros se poderão esbater no tempo com a progressiva cessação desses contratos mais antigos com preços mais baixos, mas destacou os ganhos já alcançados.

“A Agência de Energia Europeia estimou que este ano, no sector da energia em geral, se gerem 200 mil milhões de euros de lucros extraordinários em toda a Europa. Essa é a dimensão do que está a acontecer”, frisou.

No caso da Península Ibérica, de acordo com o eurodeputado do PS, com a medida de excepção tomada com o desligamento do preço da electricidade e do gás, já se deu “uma primeira machadada nesses lucros extraordinários”.

“Houve uma diferença na ordem dos 16% no caso da electricidade, o que ainda não está a acontecer no resto da Europa, e temos ainda a medida referente ao mercado regulado do gás”, acrescentou. 

Rating’ sobe

Mas nem tudo são más notícias para Lisboa. A agência de notação financeira Standard and Poor’s (S&P) subiu o “rating” da dívida soberana portuguesa de “BBB” para “BBB+”, com perspectiva estável.

No relatório, a S&P justifica a decisão de melhorar o “rating” de Portugal para “BBB+” com o facto de, apesar dos custos de energia mais elevados e das taxas de juro crescentes, o país ter continuado “a registar um forte crescimento, mercado de trabalho e resultados orçamentais, com o investimento a aumentar devido aos 61,2 mil milhões de euros (26% do Produto Interno Bruto) previstos em financiamento da União Europeia entre 2022 e 2027”.

A agência assinala que a perspectiva estável reflecte a visão de que as perspectivas de crescimento de Portugal são resilientes, apesar dos riscos decorrentes das consequências do conflito Rússia-Ucrânia, e que a dívida do Estado irá continuar numa forte trajectória de queda.

Entre os destaques macroeconómicos, a S&P acredita que o défice orçamental irá fixar-se abaixo da meta de 1,9% do PIB este ano, devido a uma forte receita fiscal, impulsionada pelo maior crescimento e inflação, e atinja o equilíbrio em 2025. ■