Em debate: a entrevista de António Costa

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s cheias registadas em Lisboa na semana passada foram definitivamente a gota que fez transbordar o copo de António Costa.

Nem só os lisboetas foram afectados “pelo rio climático”, as alterações meteorológicas acabaram também por enevoar o raciocínio do nosso primeiro-ministro. A semana foi farta em incidências, mas os mais atentos ao comportamento de António Costa ao longo dos anos não ficaram surpreendidos.

O pior nem foi a pose de Luís XIV na capa da revista “Visão”, o pior foi mesmo o ar de puto mimado com que respondeu a uma pergunta feita por uma jornalista sobre o facto de não ter contactado com Carlos Moedas e nem ter dirigido uma palavra aos lisboetas.

Costa rematou a questão para canto. Chateado, certamente, por o seu motorista ter molhado os sapatos para retirar a viatura da sua casa, queixou-se de que Carlos Moedas também não lhe tinha ligado por causa da sua garagem inundada.

Ora Costa não comunicou com o presidente da CML na qualidade de chefe de Governo, não comunicou com os lisboetas na qualidade de primeiro-ministro e, na minha singela opinião, deveria ter tido cuidados acrescidos, pois foi presidente da CML durante vários anos e deveria ter mostrado mais empatia com os seus conterrâneos.

Costa é isto, sempre que as coisas não lhe correm bem é acintoso (ver resposta a Assunção Cristas no caso Jamaica), é violento (quase que agredia um reformado por causa de Pedrógão) e é muitas vezes deselegante, como o foi agora.

Não pode António Costa vir dizer que estava cansado e pedir desculpas pelas afirmações com essa justificação. Costa anda nisto há anos demais para saber bem o que faz e o que diz.

O problema é mesmo esse, Costa anda nisto há tantos anos, que com esta maioria absoluta e com o controlo total das instituições já se julga inimputável. Ele e o PS.

O que assusta mais na afirmação “habituem-se” é que já a encaramos como uma inevitabilidade e com um sentimento de impotência enorme.

Na mesma semana em que a “Sonae” presenteou os seus colaboradores com um cartão presente no valor de 500 euros e António Costa os mais desfavorecidos com 240 euros, as reacções, como já seriam de esperar, foram de grande ataque ao privado, que do seu bolso deu esta ajuda aos funcionários, por parte de uma esquerda mesquinha e assistencialista e de grandes loas a António Costa por ter dado uma migalha do que já lucrou com a inflação este ano. A esquerda precisa que as pessoas dependam do Estado.

António Costa consegue passar por cima de todos os escândalos com membros do seu Governo. Com o PS a fazer leis à medida para safar os seus compadres de pagarem multas aplicadas pelos tribunais, naquele que é um dos maiores escândalos da política portuguesa de que ninguém fala, onde andas PSD???

Este “habituem-se” de Costa era o sonho húmido de Sócrates, nunca um primeiro-ministro teve tanto poder em Portugal. Controlo total sobre as instituições, com um estilo caceteiro que agrada ao partido e aos caciques é só ver os risos de escárnio no Parlamento quando Costa destrata a oposição. O PS está na sua mão, oposição interna nem existe.

Meteu no bolso o PCP e o BE, tem Rui Tavares quietinho à espera de ver qual é o osso que Costa lhe vai atirar, enquanto o PAN espera que o osso não seja de origem animal.

Da oposição só a IL e o Chega lhe fazem frente, Montenegro não tem pedal para Costa e nem na questão da eutanásia consegue ser claro. O PSD nesta altura é uma inexistência. E Marcelo, bem, Marcelo é Marcelo, não sabemos o que esperar quando não há futebol.

Sei que nasci em democracia, mas já começa a cheirar ao tempo da outra senhora.


O copo extravasou por José Guilherme Oliveira

Portugal é um país cheio de formalismos e de formalidades e por isso um país bem comportadinho. Talvez por isso compatível com algum autoritarismo e lideranças que falem grosso.

O Costa terá ido longe de mais.

O problema é que foi longe de mais, por vezes de mais e desta vez o copo extravasou.

O António Costa é dos políticos que consideram, que a política deve ser uma profissão. Faz-lhe jus, pois raramente esteve desempregado durante os últimos quarenta anos, grande parte deles em cargos de poder. Foi deputado, secretário de Estado, ministro, Presidente de Câmara e primeiro-ministro.

O verdadeiro profissional da política.

Tanto poder, durante tanto tempo e aparentemente perdeu o controle.

Não é de agora o seu desagrado aos queques (não aos doces, aos outros…), pois lembro-me de num programa televisivo onde era parte, e em “off”, ter sido apanhado a dizer que o Nuno Melo era um “queque malcriado”.

Agora, além do desagrado pelos queques, acha agora que os da IL guincham.

A cereja no topo do bolo foi a boca ao presidente da Câmara de Lisboa, dr. Carlos Moedas, na sequência de uma recente conferência de imprensa.

A irritabilidade é cronica, com tantos capítulos.

O tom agreste nunca lhe foi estranho e a arrogância sempre patente é uma característica reconhecida, mas desta vez a reacção foi de espanto geral, quer da oposição, até a personalidades do próprio partido e relevantes, que vão desde o Sérgio Sousa Pinto até à Alexandra Leitão, passando pelo Pedro Sisa Vieira.

Alguns bondosos vieram falar de cansaço, o próprio de noites mal dormidas, outros de longos períodos a gerir crises. Analistas falam em sintomas de fim de ciclo, sintomas de desgaste, de desgosto por eventuais falhanços em carreiras na Europa. Há explicações para todos os gostos, mas “bolas”! A um “profissional” não se perdoa.

Ter-se-á equivocado na avaliação, pois mesmo ele que tem uma comunicação social bastante amigável, estou a pecar por defeito, foi longe de mais.

Imaginem se a imprensa fosse com ele tão severa como foi e é com o Pedro Santana Lopes, que ainda hoje sofre (não só, mas também) pelo facto de gostar dos prazeres da vida e de se fazer fotografar de lenço colorido à cabeça, estava liquidado há muito.

Ainda não é desta. Habituem-se.