Médicos: os ‘bombos da festa’ do SNS

As remunerações dos médicos portugueses são muito inferiores às de outros países da Europa – e ainda por cima contratam-se clínicos sul- -americanos para baixar ainda mais a fasquia. Não há falta de médicos no país, há falta é no SNS devido a condições indignas. O investimento no SNS só existe no papel e para propaganda.

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As baixas remunerações pagas aos profissionais de saúde e, em particular, aos médicos no SNS associadas a uma perda continua de poder de compra, estão a determinar a fuga de médicos do SNS, a recusa crescente dos jovens médicos em trabalhar no SNS, preferindo ou hospitais privados ou empresas de serviços, que depois os prestam ao SNS a preços exorbitantes, ou então emigrar. Tudo isto está a destruir o SNS e a causar dificuldades crescentes no acesso a cuidados de saúde por parte da população, não só às com baixos rendimentos, mas também às classes médias. Para além disto, centenas milhões de euros previstos no orçamento do SNS para 2023 para investimento não passam do papel, e só servem de propaganda, apesar da falta de tudo no SNS (hospitais, camas, equipamentos, profissionais de saúde, etc.).
Pizarro fala e fala, mas só revela ignorância, é incapaz de resolver qualquer problema, e só cria conflitos com os profissionais de saúde devido à falta de seriedade. Um Governo que assiste e promove a destruição do SNS, apesar de fazer grandes declarações sobre o SNS com o objectivo de enganar a opinião pública, e que não se cansa de gabar, como fez o secretário de Estado das Finanças à “Antena 1”, de que, como aconteceu com “troika”, o Governo pretende reduzir a dívida para além do que se comprometeu com Bruxelas (107% do PIB em 2024 mas pretende reduzir para 100%) e que é incapaz de compreender que isso é só possível à custa da destruição do SNS, da escola pública e da estagnação económica, como já se verificou no 2º trimestre de 2023, e do aumento da pobreza. Este estudo, com dados de entidades oficiais, mostra a política de destruição e estagnação.
Para além das baixas remunerações pagas aos médicos pelo SNS, o Governo tenciona contratar médicos na América Latina para manter os baixos salários que paga e promover o sector privado, mas assim destrói o SNS.
Na Europa,
pior só na Grécia
Os valores sobre as remunerações dos médicos em vários países da Europa e na América do Sul são dados divulgados pela OCDE, assim como a sua conversão em dólares, para serem comparáveis, foram calculadas também pela OCDE e encontram-se disponíveis https://stats.oecd.org/index.aspx?DataSetCode=HEALTH_REAC
As remunerações dos médicos são repartidas pela OCDE em dois grandes grupos – médicos de clínica geral e médicos especialistas – e abrangem o período 2010/2022. E a conclusão que se tira é que as remunerações pagas aos médicos em Portugal são, na generalidade, muito inferiores às pagas em outros países da Europa, com excepção da Grécia por razões bem conhecidas (intervenção violenta da “troika” cujos efeitos ainda se fazem sentir). Por exemplo, a remuneração paga em Portugal era inferior à paga na Irlanda, em 2010, em -50,9% e, em 2022, em -63,8%. A diferença até aumentou. Os valores de Portugal são apenas superiores aos pagos em países da América Latina (México, Colômbia).
Fica assim também clara a razão por que Pizarro anunciou a intenção do Governo contratar médicos em países da América do Sul, que é a de continuar a pagar baixos salários aos médicos. Tal como acontece com os outros imigrantes, a maioria sujeita a uma sobreexploração, e servem de justificação para os baixos salários pagos no país, também nesta área muito importante para os portugueses o objectivo é o mesmo.
Mas é desta forma que o Governo reduz a dívida pública de que não se cansa de se gabar. É também desta forma que o Governo apoia os grandes grupos privados de saúde, disponibilizando trabalhadores altamente qualificados a baixo custo (devido às baixas remunerações que auferem no SNS, os médicos são obrigados, para completar o seu rendimento, a trabalhar em hospitais privados: mais de 80% dos médicos dos hospitais privados são do SNS). E é também desta forma que o Governo está a destruir o SNS, que diz querer defender.
Interessa referir que segundo a OCDE, entre 2010 e 2022, a remuneração média anual em Portugal dos médicos de clínica geral diminuiu de 67.463 dólares para apenas 43.641 dólares (de 61.413 euros = 4.387euros/mês ilíquido para 4.0916 euros = 2.923 euros/mês ilíquidos) e a dos médicos especialistas diminuiu também de 62.238 dólares para 45.225 dólares (de 57.021 euros = 4.072 euros/mês ilíquidos para 42.401 euros = 3.029 euros/mês ilíquidos); repetimos, segundo a OCDE. Se entramos com a inflação neste período (20,5% segundo o INE) fica-se com uma ideia mais clara da degradação das remunerações dos médicos no nosso país.
O regime de “dedicação plena” é uma burla pois não é plena, já que não impede que se trabalhe simultaneamente no SNS e no sector privado. Devido às baixas remunerações e às condições de trabalho desumanas que Pizarro quer impor, é de prever uma fuga maior de médicos do SNS.
Menos de dois médicos
por mil habitantes
Não há falta de médicos no país, há falta de médicos é no SNS devido às más condições de trabalho e a remunerações indignas e à ausência de uma carreira digna.
Em 2022, estavam inscritos na Ordem de Médicos 60.396 médicos. Estima-se que 30% não estejam a exercer a profissão. Em actividade deverão estar cerca de 42.277 médicos, o que dá 4 médicos por 1000 habitantes.
Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2023 estavam em actividade no SNS 21.010 médicos, repartidos pelos seguintes horários semanais: 2.845 com 42 horas; 12.139 com 40 horas; 3.668 com horário de 35 horas semanais e 2.358 médicos em regime de trabalho a tempo parcial. Se deduzirmos o número de médicos que estão a tempo parcial, restarão apenas 18.625 médicos e dividindo estes pela população do Continente, a abrangida pelo SNS – 9.974.165 habitantes – dá apenas 1,87 médicos por 1000 habitantes.
Portanto, passa-se de 4 médicos por 1000 habitantes para apenas a 1,87 médicos por 1000 habitantes a trabalhar no SNS. Mesmo se incluirmos os que estão a “tempo parcial” obtém-se 2,1 médicos por 1000 habitantes, praticamente metade dos que estão a exercer a actividade.
O argumento dos que dizem que o problema em Portugal é a falta de médicos para justificar a degradação do SNS, isso não é verdade. Este argumento é utilizado ou por ignorância, ou então com o propósito de enganar a opinião pública. O que falta são médicos no SNS devido: (1) às baixíssimas remunerações e ausência de uma carreira digna; (2) às más condições de trabalho onde falta tudo por falta de investimento (hospitais degradados ou insuficientes, falta de camas, equipamentos obsoletos ou inexistentes, etc.); (3) à sobrecarga de trabalho e desorganização por falta de meios e administrações, que não conhecem o sector, nomeadas pelo Governo.
Se o SNS garantisse aos médicos remunerações e carreiras dignas certamente não faltariam médicos no SNS, embora existam situações críticas em determinadas especialidades, como a de anestesiologista que podia não ser de imediata resolução.
O Governo e, nomeadamente Pizarro, revela uma total incapacidade para resolver a situação. Parece que estão até interessados em agravar a situação, como é visível no conflito que criaram com todos os sindicatos de médicos por falta de uma resposta do Governo adequada, o que vai agravar ainda mais as dificuldades de acesso dos portugueses a cuidados de saúde. Pizarro é cada vez mais um ministro palavroso, que fala muito e não resolve nada, cujas palavras estão cada vez mais distantes da realidade e da verdade, e que não hesita em mentir para dar a falsa ideia de que os problemas graves que enfrenta o SNS estão a ser resolvidos.
O subfinanciamento crónico do SNS está a destruí-lo, os milhões euros de investimento no SNS estão apenas no papel e só servem para a propaganda, apesar de no SNS faltar tudo.
Os dados do Ministério das Finanças (DGO) de Julho de 2023 confirmam o subfinanciamento do SMS, mais uma vez, em 2023.
A falta de seriedade
do Governo
A primeira conclusão imediata que se tira dos dados do Ministério das Finanças da execução do Orçamento do SNS no 1º semestre de 2023 é o elevado subfinanciamento das Despesas com Pessoal (inclui todos os profissionais, mas para os médicos é apenas 26,6%).
O orçamento aprovado pelo Governo previa que as “Despesas com pessoal”, entre 2022 e 2023, aumentassem 2,3%, mas no 1º semestre de 2023, quando comparado com igual período de 2022, aumentaram 11,2%, sendo a subida de 20,3% nos “Abonos variáveis ou eventuais”, certamente determinado pelo recurso a horas extraordinárias devido à falta de pessoal. E estas não incluem a contratação de médicos a empresas privadas, cuja despesa deve ser contabilizada em “aquisições de serviços”.
Este aumento de “Despesa com pessoal” também não inclui a dignificação das remunerações e das carreiras dos médicos, sem o qual o SNS caminhará rapidamente para uma maior degradação por falta dos seus principais profissionais.
O reduzido aumento aprovado nas “Despesas com pessoal” para 2023 (apenas +2,3% do que em 2022, ou seja, cerca de 1/3 da inflação prevista para 2023), por um lado, revela que era intenção do Governo continuar a política de baixos salários pagos aos profissionais de saúde e, nomeadamente aos médicos, e, por outro lado, confirma a falta de seriedade por parte do Governo na negociação com os sindicatos dos médicos até a esta data.
Outra conclusão importante prende-se com o investimento no SNS. No Orçamento do SNS para 2023, que foi elaborado e aprovado pelo Governo e pela Assembleia da República, prevê-se a realização de 753,4 milhões de euros de investimento no SNS. Mas nos primeiros seis meses de 2023 só se executaram financeiramente 101,8 milhões de euros, ou seja, 13,5% do total previsto. É evidente que a maior parte do investimento inscrito no Orçamento do SNS para 2023 não será realizado.
São apenas números no papel para enganar a opinião pública e para ser utilizada na propaganda do Governo. É o que Pizarro tem feito falando do enorme investimento que o Estado está a realizar no SNS, o que é mais uma grande mentira, como os dados do próprio Ministério das Finanças mostram.
O enorme aumento da dívida do SNS a fornecedores privados nos primeiros cinco meses de 2023 confirma a continuação do subfinanciamento crónico do SNS pelo Estado, que está a causar a sua destruição.
Remunerações entre
1.787 e 2.875 euros
A dívida do SNS, que já era enorme em Dezembro de 2022 (1.618 milhões de euros), entre Dezembro 2022 e Maio de 2023 aumentou de 1.618 para 1.949 milhões de euros, em 331 milhões de euros (+ 20,5%). Estes dados do próprio SNS confirmam um enorme subfinanciamento do SNS por parte do Governo em 2023, que obriga o SNS, para poder funcionar mesmo com as deficiências sentidas pelos portugueses, a endividar-se enormemente aos privados o que está a causar a sua destruição. Fica claro, com base nos dados oficiais, que o Governo e nomeadamente Pizarro mentem quando afirmam que o SNS dispõe dos meios financeiros suficientes para poder funcionar normalmente.
Segundo o projecto de decreto-lei, o “Regime de dedicação plena” está associado, na área hospitalar o “horário de trabalho que deve ter como base um período normal de trabalho semanal de 35 horas, às quais acrescem 5 horas complementares de actividade programada, num total de 40 horas semanais”; uma “ prestação de até 18 horas de trabalho semanal normal nos serviços de urgência;”; a “prestação de trabalho suplementar que não se encontra sujeita a limites máximos, quando seja necessária ao funcionamento de serviços de urgência”, “o período normal de trabalho diário tem um limite de 9 horas diárias”, não podendo o médico realizar mais de 48 horas por semana, incluindo trabalho suplementar, num período de referência de seis meses (se e a média nos 6 meses não for superior a 48 horas semanais é permitido, mesmo que em uma ou várias semanas tal média tenha sido largamente ultrapassada sendo compensada por menos de 48 horas em outras semanas), e trabalho suplementar pode ir até 300 horas por ano.
E “a prestação de trabalho nocturno confere direito a descanso diário entre jornadas, sem direito a descanso compensatório que reduza o período normal de trabalho semanal”. E o Governo continua a recusar incluir o internato médico na carreira médica. Em resumo, o médico deixaria de ter direito ao descanso e a uma vida familiar. A desumanidade do Governo é evidente em querer impor estas condições de trabalho no séc. XXI.
São as remunerações base que Pizarro quer garantir por um horário de “dedicação plena” – remunerações líquidas que variam entre 1.787 e 2.875 euros, 14 vezes por ano. Exceptuando os médicos que estão a tempo parcial (e são 2.358), os 18.652 médicos restantes repartem-se da seguinte forma pelas três categorias profissionais: 1.391 são assistentes graduados sénior; 7.209 são assistentes graduados, 10.052 são assistentes, portanto, a esmagadora maioria está nos níveis remuneratórios mais baixos, já que o sistema actual de avaliação funciona como travão às subidas de níveis remuneratórios.
Suplementos
“baratinhos”
Em relação aos médicos de carreira hospitalar (CRI) há ainda um suplemento associados à “prestação das 5 horas complementares de actividade programada, correspondente a 20 % da remuneração base mensal, mas este suplemento é apenas 12 meses por ano e não é incluído na remuneração mensal, por isso não conta para a reforma, mas desconta IRS com uma taxa que deve variar entre 38% e 40%.
Em relação à área de cuidados de saúde primários “a adesão ao regime da dedicação plena pressupõe que o médico preste cuidados a uma lista com uma dimensão mínima de 1.650 utentes, correspondendo, em média, a 2.040 unidades ponderadas” conferindo o “direito a um suplemento associado ao aumento das unidades ponderadas da lista de utentes”. O “horário de trabalho deve ter como base as 35 horas com incrementos ajustados ao suplemento associado ao aumento de unidades ponderadas da lista de utentes”.
“Se a dimensão mínima da lista de utentes do médico for superior ou igual a 1.550 utentes, é pago um valor de € 130,00, por cada aumento de 55 UP acima de 1.917 U”. Mas o suplemento previsto “só é devido a partir do 3.º aumento de 55 UP”. E há um limite, como consta do projecto do Governo, que é o seguinte: “Do conjunto dos pagamentos associados ao suplemento pelo aumento da lista de utentes e à compensação de desempenho resultante do alargamento do período de funcionamento não pode resultar, para o médico, pagamento em montante superior a € 3.224,00”. Portanto mais USF como apregoa Pizarro, mas “USF mais baratinhas”
Não há dinheiro para garantir remunerações dignas e uma carreira digna aos médicos, nem para garantir condições humanas dignas de trabalho, mas há 170 milhões euros para financiar a guerra na Ucrânia, como disse o ministro Cravinho, e 100 milhões de euros para a Jornada Mundial da Juventude. Assim vai o país com esta gente. ■