Nova Ordem Mundial

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Estamos no começo de um ano que promete vir a ser muito interessante, quer para os estudiosos do Sistema Internacional, quer para os cidadãos em geral, sobretudo para os residentes nos países do denominado Ocidente.

Vários temas têm dominado o espaço público de discussão, embora nem todos tenham suscitado o interesse da esmagadora maioria das pessoas. Mas, por outro lado, tenho visto com crescente curiosidade a aproximação de pessoas que até agora viam a política como uma maçada, ou se tinham distanciado da discussão dos temas principais, com o argumento de que “isso é com os políticos”, a aproximarem-se dos temas políticos e a tomarem posição sobre os mesmos.

Já dizia Platão que “o castigo dos bons, que não fazem política, é serem governados pelos maus”.

Felizmente que vários milhões de cidadãos, em vários países (EUA, França, Itália, Alemanha, Espanha e outros) estão a abandonar a atitude abstencionista e estão, com isso, a abanar um sistema que está corrupto, caduco e podre, de forma a tentar mudá-lo. Sobretudo na esfera da Direita política, que há longos anos estava quase sem iniciativa e mesmo singularmente manietada por um sentimento de impotência, de desistência, de alheamento, que só prejudicou a política internacional, em geral, e o grau civilizacional do Ocidente, em particular.

Isto nomeadamente porque, entretanto, se assistiu a uma subalternização da Ética, e da Moral Cristã, o que deu origem ao reaparecimento de vários comportamentos que se julgavam já extintos, e que eram próprios de civilizações contemporâneas do ser humano no seu estado primordial ou selvagem.

Como exemplo, direi que esta “evolução” negativa  provocou um recuo civilizacional nos costumes, tal como na defesa da vida, ou seja, na não eliminação de nascituros (na Antiguidade) ou embriões de vida (na actualidade), e no reaparecimento da lei do mais forte, pela mão de um liberalismo sem regras, que propicia essa lei nociva a uma paz desejável no seio da sociedade humana.

Mas não só. Assistiu-se também à progressiva destruição da Família e à instituição de pretensos sucedâneos que mais não fizeram que devolver a sociedade ocidental a práticas dos tempos relatados nos episódios bíblicos de “Sodoma e Gomorra”, agora “vestidos” com a aparência de uma pretensa modernidade, que só o é para os ignorantes e iliteratos.

Mas regressemos então ao plano puramente do Poder, das relações entre os diversos actores internacionais e suas mudanças em perspectiva.

Vejamos apenas dois dos casos em que mudanças houve e as prováveis consequências dessa nova atitude pró-activa, por parte daquela a que eu chamo “maioria silenciosa e abstencionista”.

Brexit e a posição de Theresa May

Na passada semana, a Primeira-Ministra do Reino Unido colocou a sua fasquia negocial de forma muito clara, contrariando as previsões dos políticos defensores do “status quo” que até chegaram a ameaçar aquele país com desgraças incontáveis, esperando com isso que o Reino Unido voltasse atrás na decisão que, recorde-se, foi tomada pela maioria da sua população.

Até o Partido Trabalhista Escocês, no poder na Escócia, ameaçou abandonar o Reino Unido. Agora, e numa evidente mudança de posição política dos socialistas escoceses face ao Brexit, em entrevista concedida à BBC, a actual líder do Partido Trabalhista da Escócia, Kezia Dugdale, disse que “é mais importante manter a coesão no Reino Unido do que ficar mais perto da União Europeia”. E acrescentou mesmo que, para fazer face à pobreza e às desigualdades existentes no Reino Unido, será mais eficaz a actuação dos serviços deste país, do que o recurso aos apoios oriundos da União Europeia.

Recorde-se que o Labour escocês foi um dos campeões da campanha pela permanência do Reino Unido na UE.

Na semana passada, Theresa May, ao anunciar que vai finalmente invocar o Art.º 50 do Tratado de Lisboa, anunciou também a base negocial com que parte para as negociações de saída, que em breve se iniciarão com a Comissão Europeia.

E a fasquia é muito alta. Nada mais, nada menos: a saída do Reino Unido far-se-á sem qualquer pretensão deste país de ficar no Mercado Único; não aceitará mais a jurisprudência ou as decisões do Tribunal da União Europeia; e irá restaurar os controlos de entradas das pessoas no país, pois “O Reino Unido não quer ficar com um pé dentro e outro fora”, segundo declarou em conferência de Imprensa.

Theresa May deixou ainda um aviso suplementar muito claro à UE: “não nos tratem como inimigos, pois quem ficará a perder são vocês”.

Na verdade, e como já o escrevi noutra ocasião, antes de se saber o resultado do referendo que conduziu ao Brexit, o Reino Unido é demasiado importante para poder ser descartado pelo resto da Europa, e é demasiado poderoso para que esta se tente “vingar” da sua atitude.

E as razões que então apontei, em Maio de 2016, e que se mantêm verdadeiras, são as seguintes:

  • O Reino Unido continuará a ser um actor fundamental da economia mundial;
  • Continuará a ser o líder da Commonwealth;
  • Continuará a ser a maior potência militar da Europa Ocidental;
  • Continuará a ser o principal aliado dos Estados Unidos no Atlântico Norte;
  • Londres, a “City”, continuará a ser uma das maiores praças financeiras do Mundo;
  • A Libra sofrerá uma desvalorização temporária (o que aconteceu), o que contribuirá para uma maior competitividade da indústria britânica no mercado mundial e para ganhos adicionais, embora temporários;
  • Politicamente o Reino Unido sofrerá, no curto prazo, alguma hostilidade dos principais países (Alemanha e França) da União (o que está a acontecer), mas no médio e longo prazo tudo voltará à normalidade;
  • Também no curto prazo, o Reino Unido poderá conhecer um abrandamento do investimento, dada essa animosidade e pouca racionalidade; esta prevalecerá no médio e longo prazo (neste ponto, e ao contrário do que eu então previa, tal não se verificou: antes pelo contrário, o investimento tende a aumentar);
  • O Reino Unido continuará a ser uma das potências do armamento nuclear do mundo;
  • Continuará a ser um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, com direito a veto;
  • Em termos geopolíticos, não perderá a sua vital importância;
  • Em termos da economia, é demasiado importante para muitos Estados e milhões de empresas para ser posta de lado;
  • E, finalmente, o seu mercado interno é demasiado grande para ser ignorado, quer pelas empresas europeias, quer pelas instituições.

Estas são as realidades com que é preciso contar e será bom para Portugal que os seus Governos, sejam eles de que Partido forem, as tomem na devida atenção.

Em recentes declarações ao ‘Telegraph’, Mark Boleat, uma figura sénior da City londrina, afirmou que “Londres continuará a ser o Centro Financeiro mais importante, a nível mundial, apesar do Brexit e do nervosismo inicial que o resultado do referendo de 2016 provocou”. Igualmente Matt Brittin, o Presidente europeu do grupo Google, veio reafirmar que “a empresa continuará a investir na Grã-Bretanha, dada a dimensão do seu mercado interno”.

E muitas mais notícias têm confirmado este quadro, como é o facto de o comércio inglês ter registado ‘records’ de vendas, no final do ano passado, quer ainda com o facto de a Bolsa de Londres registar ‘records’ absolutos na valorização dos seus índices.

Será um dossiê a seguir com muita atenção, pois as duas posições negociais de início (RU e UE) estão bastante extremadas, mas, como em qualquer negociação, elas tenderão a aproximar-se, com o desenrolar das negociações, para encontrar um acordo satisfatório entre as partes.

Uma coisa é certa, e já o era antes das declarações da Primeira-Ministra: o Reino Unido, com ou sem acordo, abandona a União Europeia.

Portugal deverá ter em atenção que este país é o seu mais antigo aliado, e que a importância das relações comerciais entre os dois países deverá ser desenvolvida, e não prejudicada, por atitudes irrealistas ou de pura demagogia.

Uma coisa é certa: o referendo que decidiu a saída do Reino Unido, de uma união que espartilha a capacidade de decisão dos povos, foi o acto mais participado pelos cidadãos, nas últimas décadas, no Reino Unido.

Trump e a nova política económica

Igualmente se registou um recorde de votantes nos EUA. Na verdade, estas foram as eleições em que mais cidadãos foram aos locais de voto, cerca de 130 milhões de americanos, desde que há registos.

Na sua sequência, tomou posse o 45º Presidente da história dos Estados Unidos, país nosso aliado na NATO e com quem sempre tivemos relações comerciais mais ou menos importantes.

Embora nem sempre nos tenham tratado bem, sobretudo quando Governos do Partido Democrata estiveram em funções, o que é um facto é que a nossa relação bilateral é antiga e deve ser preservada.

É do nosso interesse manter e, se possível, aprofundar as nossas relações com a potência dominante do Sistema Internacional, por razões óbvias. Isto independentemente de quem esteja no poder.

Uma questão parece ter sido esquecida por muitos. São os americanos que votam, são os cidadãos desse grande país que decidem quem querem a governá-los, com o sistema que adoptaram desde a fundação dos Estados Unidos. Da mesma forma que não gostaríamos de ver americanos a dizerem-nos quem nos deve governar, da mesma forma devemos ser prudentes nas atitudes e declarações sobre este resultado, pelo menos por parte dos nossos dirigentes políticos, com especial incidência nos que estão no Poder.

E assim sendo, e nesta linha de pensamento estratégico, foi com prazer que observei e tive conhecimento da atitude inteligente e realista do Presidente da República, Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, que, compreendendo bem o enunciado da questão, manteve uma conversa telefónica com o novo Presidente dos EUA, antes mesmo de ele ter tomado posse, felicitando-o e relembrando-lhe a aliança e as relações diplomáticas que Portugal e os Estados Unidos mantêm, desde a sua fundação.

Mais a mais porque, apesar de estar no início do seu mandato, os sinais económicos e financeiros que têm vindo a público indiciam que o novo Presidente poderá vir a ter êxito na aplicação do seu programa económico.

Veja-se, como exemplo dessa possibilidade, o enunciado do mais recente relatório do insuspeito Deutsche Bank sobre os efeitos potenciais da Política anunciada por Donald Trump.

Segundo este recente relatório, a política anunciada pelo novo Presidente dos EUA “tem o potencial de criar uma nova era de crescimento da economia americana e pode mesmo vir a servir de padrão para a economia mundial”.

Segundo afirmou David Folkerts-Landau, o Economista-Chefe do Deutsche Bank, “esta política tem o potencial de aumentar significativamente o crescimento da produtividade americana”, acrescentando que “ao mesmo tempo que Trump introduz a incerteza, isso é melhor do que a certeza da continuação de um cenário medíocre”.

No relatório prevê-se ainda para os EUA um crescimento do PIB de 2,4% em 2017 e de 3,6% em 2018, contra o crescimento médio do governo Obama, que foi de apenas de 1,6% ao ano, crescimento que o Deutsche Bank classifica como “the worst recovery since the Great Depression”. Significativo, sobretudo se tivermos em conta a nacionalidade do banco em questão e alguma animosidade do Poder político alemão face ao novo inquilino da Casa Branca.

Trump, ainda antes de tomar posse, já tinha dado vários sinais que levam os analistas a olhar de modo diferente para este novo ciclo que agora se inicia. Como exemplo mais visível, e emblemático, está a atitude de Trump face ao anúncio da Ford americana de construir uma nova fábrica no México, no valor de 1,6 biliões de dólares. Face a esta possibilidade, anunciada pelo executivo da Ford, o Presidente Trump ameaçou cobrar impostos de importação para os carros que aí fossem produzidos, o que levou este gigante da indústria automóvel a cancelar o investimento no México e a anunciar que criaria essa nova unidade nos EUA.

Igualmente, e face a anúncio similar por parte da Toyota,  Trump escreveu o seguinte no Twitter: “A Toyota Motor disse que construirá uma nova fábrica no México, para fabricar carros Corolla para os EUA. Nem pensem! Construam uma fábrica nos EUA ou paguem uma tarifa de importação”.

Ora ambos, a Toyota e a Ford, dependem, e muito, deste mercado, pelo que a nova política de Trump vem contrariar várias das suas práticas, seguidas desde a desregulação do comércio internacional, verificada, sobretudo, a partir dos anos da década de 1980.

E é um facto que em política internacional joga-se em realidades e não em desejos. É bom que os nossos dirigentes políticos tenham isto em mente, pois se este cenário de sucesso se verificar, Portugal poderá beneficiar enormemente do mesmo, sobretudo os empresários e o emprego.

E a pergunta que já se coloca abertamente no seio dos Think-tanks internacionais mais importantes é:

– Está em marcha uma Nova Ordem Mundial?

E a resposta mais ouvida é:

– Tudo parece indicar que sim!

O futuro o dirá, sendo certo que as mudanças são normalmente lentas, sobretudo na constatação dos seus efeitos.

Um quadro emerge já, no entanto, como mais que provável de vir a verificar-se: o reforço do Eixo Londres-Washington, que a aprofundar-se influenciará de forma decisiva o quadro do sistema internacional, dada a potência dos seus parceiros.

Como irão reagir a União Europeia, a China, o Japão, a Rússia, a este novo quadro internacional nascente, é uma questão importante e que deverá ser objecto de atenção redobrada.

Termino relebrando um velho, mas muito avisado, por realista, princípio das Relações Internacionais: “As Nações não têm amigos, defendem interesses próprios”.

Seria bom que os nossos quadros políticos soubessem o que esta verdade insofismável e verificada quer dizer, em toda a sua profundidade, e tirassem daí as ilações devidas, para bem dos Portugueses e de Portugal.