A Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, foi esta semana confrontada no Parlamento Europeu com uma barragem de perguntas e admoestações a propósito da sua polémica nomeação do magistrado José Guerra como procurador representante de Portugal na Procuradoria Europeia de Justiça.
Face às irregularidades detectadas em todo o processo de nomeação, vários eurodeputados exigiram explicações à titular da pasta da Justiça e requereram a exibição pública de toda a documentação pertinente, sob pena de o caso ser remetido para os tribunais. Recorde-se que em causa está a nomeação de um magistrado da simpatia do Governo português, em detrimento de uma outra magistrada, indicada como favorita pela União Europeia. Na sua obstinação em nomear Guerra, a Ministra da Justiça incorreu em várias irregularidades, nomeadamente a indicação de falsos elementos curriculares que justificariam a sua escolha. Descoberta a marosca, o caso tornou-se um escândalo nas instituições europeias, para embaraço do Governo de Costa, precisamente quando Portugal iniciou um semestre como presidente titular do Conselho da União Europeia.
Em Estrasburgo, três das cinco maiores bancadas do Parlamento Europeu contestaram a nomeação de José Guerra. Depois de o Partido Popular Europeu (PPE) e do Renovar Europa (Liberal) terem expressado a sua oposição à escolha do Governo português, Os Verdes também intimaram o Conselho da União Europeia a prestar esclarecimentos sobre um caso que aparenta ser uma descarada escolha política de um magistrado dócil para o Executivo socialista.
Falando em nome do PPE, o eurodeputado espanhol Esteban González Pons declarou no hemiciclo comunitário que “os factos são irrefutáveis” e que “o Governo português mentiu ao Conselho sobre as qualificações de um dos candidatos. E o resultado dessa mentira levou a uma decisão que nunca deveria ter sido tomada”. E concluiu: “Sinceramente, não sei o que é pior, a desculpa [esfarrapada de que se teria tratado] de um erro administrativo ou a teoria de uma conspiração internacional anti-portuguesa que propôs o primeiro-ministro António Costa” – numa referência à acusação feita por Costa de que tudo não passaria de um ‘complot’ organizado pelos social-democratas Paulo Rangel, Miguel Poiares Maduro e Ricardo Baptista Leite para denegrirem a imagem externa do país no decorrer da presidência portuguesa. Para Esteban González Pons, “este tipo de disparates é próprio de outras latitudes e não engradece a Presidência Portuguesa”. E concluiu desafiando o Governo de Costa a “assumir as suas responsabilidades”, pois “as mentiras devem ter consequências, e corromper o Estado de Direito não pode passar impune. Primeiro-Ministro António Costa: os portugueses merecem uma desculpa, e não nos faça passar por idiotas”.
As explicações de Francisca Van Dunem perante o Parlamento Europeu foram consideradas insatisfatórias: a Ministra da Justiça limitou-se a repetir a versão oficial de que as informações falsas fornecidas à Procuradoria Europeia se teriam devido a “erro administrativo” mas que em tudo o mais tinha sido seguido o regulamento de nomeações. Como toda a gente já percebeu em Bruxelas e Estrasburgo, a obstinação do Governo de Costa revela apenas que os socialistas não estão dispostos a abdicar de um procurador “alinhado” o Executivo, numa altura em que a Procuradoria Europeia se prepara para fiscalizar de perto a gestão dos dinheiros da ‘bazuca’. Van Dunem mostrou-se disposta a libertar alguma da documentação do processo de nomeação, mas o Parlamento exige agora a divulgação de “todos os documentos” e a reavaliação de todo o processo.
Ao longo da semana, vários outros eurodeputados ocuparam-se do tema, que está a constituir motivo de embaraço e humilhação para os portugueses. A reacção mais dura, no entanto, veio da presidente da Comissão de Controlo Orçamental do Parlamento Europeu, a alemã Monika Hohlmeier, que declarou: “A Procuradoria Europeia e os seus procuradores têm de ser independentes e credíveis. O Governo português apresentou informação falsa do seu candidato e desrespeitou a escolha do painel europeu de selecção. Portugal tem de retirar o seu procurador. É necessária transparência”. ■