Sousa Tavares contra emigrantes portugueses porque… eles votam à direita!

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Foi preciso esfregar os olhos para termos a certeza de que não estávamos a delirar: no dia a seguir ao último acto eleitoral, o comentarista televisivo Miguel Sousa Tavares alertou publicamente para “o perigo” de facilitar o voto dos emigrantes portugueses espalhados pelo mundo – porque eles, os malandros, votam à direita!

O melhor é citar o próprio nas suas extraordinárias declarações, mesmo que com todos os erros gramaticais do seu linguajar. Comentava-se na TVI, na rubrica “A meu ver” do Jornal das 8 de segunda-feira, o resultado da eleição presidencial e o voto dos emigrantes. “Eram 200 mil que estavam recenseados antes e agora passámos a ter outro milhão e meio”, referia Miguel Sousa Tavares. “Automaticamente, basta ter o cartão de cidadão e passaram a estar recenseados”, sendo que “98% abstiveram-se, que é o normal”. 

Perante este quadro, Sousa Tavares começou por cobrir-se com a pele do cordeiro democrático, afirmando: “O Presidente da República dizia, e com razão, que temos de facilitar o voto dos emigrantes, nomeadamente por correspondência. Terem de ir votar aos consulados, quando às vezes estão a centenas de quilómetros de um consulado, não é aceitável”. Mas logo mostrou a sua verdadeira face.

“Agora põe-se uma questão política”, alertou então Sousa Tavares. O que se seguiu é de tal forma grave que o melhor, mesmo, é transcrevermos na íntegra e ipsis verbis. Disse ele: “Os poucos que votam, votam sempre contra aquilo que é o sentido maioritário do voto dos portugueses que cá estão. Nomeadamente, votam muito mais à direita, e ontem [Domingo] votaram muito mais em André Ventura. E a questão política que se põe é o seguinte: se facilitarmos o voto todo dos emigrantes, nomeadamente por correspondência, há ou não há o perigo de um dia nós podermos eleger um Presidente da República que… Imagina que isto está taco a taco, mais ou menos, e a balança pender para quem os emigrantes votaram… A balança pode acontecer… cair para o lado que os portugueses que cá não vivem escolheram, e não os portugueses que cá vivem…”.

E logo o locutor de serviço, Pedro Mourinho, servil e obrigado: “É um assunto que merece reflexão, obrigado, Miguel Sousa Tavares”.

O que o comentarista televisivo, na sua atabalhoada língua de trapos, quis dizer não oferece a menor dúvida: o princípio de facilitar o voto dos emigrantes é muito bonito, mas cuidado que eles são todos uns perigosos fascistas e podem vir a ter um peso decisivo nos resultados das eleições!

Como se isto não bastasse para desqualificar Sousa Tavares como “democrata”, eis que ele acrescenta ainda um ponto: na sua opinião, quem deve decidir as eleições são “os portugueses que cá vivem”, e não “os portugueses que cá não vivem”, essa espécie de casta de segunda classe que tresanda a suor!

Há muito que Miguel Sousa Tavares, a par de outros comentaristas de televisão que se pensam “donos disto tudo”, vem expendendo comentários e opiniões indignos do espaço público. Fá-lo com a tranquilidade impune de quem não corre o risco de ser admoestado pelo que diz. Pelo contrário: tem a “entrevistá-lo”, muitas vezes (como neste caso sucedeu), acólitos sem preparação, que se apressam a agradecer-lhe, submissos, as monstruosidades que proclama. 

Uma vergonha!  ■