Receita de milhões desaparece em fumo  

Com o aumento do preço dos cigarros, cresce igualmente a procura de tabaco de contrabando. O fenómeno, há muito conhecido na Europa, regressou a Portugal em força e tende a agravar-se. Em 2021 verificou-se um aumento de 7% no consumo de tabaco ilícito, o que significa que o Estado perdeu uma receita fiscal de 113 milhões de euros, que desapareceram assim, envoltos em fumo.

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No ano passado, o consumo total de cigarros diminuiu na União Europeia. Mas o peso do mercado ilícito continuar a crescer, revela o relatório anual da consultora internacional KPMG. Este crescimento deve-se, sobretudo à França, o país europeu em que um maço de cigarros é mais caro e onde o consumo ilegal aumentou 33%.

Este estudo foi pedido pela Philip Morris International (PMI) – de que a Tabaqueira é subsidiária – e apela aos sectores público e privado que combatam, em conjunto, o comércio de ilícito de cigarros, considerando os milhões de fumadores adultos que recorrem ao mercado ilegal em vez de mudarem para melhores alternativas. A Philip Morris International tem um interesse directo nas opções dos fumadores estando agora a querer que estes consumam o chamado tabaco aquecido, defendendo que este é muito melhor para a saúde.

Nos últimos anos muitos Estados, se não todos, estão a seguir uma política de aumento da carga fiscal para preços que são cada vez mais incomportáveis para os fumadores, seguindo uma política que não tem dado bons resultados.

O relatório da KPMG referente ao ano passado sobre o consumo de cigarros ilegais revela um aumento de 3,9%. Isto é, o equivalente a 1,3 mil milhões de cigarros que não cumprem as regras. Actualmente estima-se em 35,5 mil milhões de cigarros ilegais consumidos nos países da União Europeia. O estudo da KPMG estima que o consumo total de tabaco tenha aumentado no ano passado, mas de forma marginal.

Receitas fiscais perdidas

O estudo refere que em 2021 o Estado português tenha perdido 113 milhões de euros, em consequência directa do aumento do consumo ilícito em 7%. Acrescenta que, por via do comércio ilegal, o consumo de cigarros em Portugal tenha aumentado ligeiramente, contrariamente à tendência dos últimos anos.

O estudo adianta que, a nível interno, a Tabaqueira tem vindo a realizar um trabalho conjunto de cooperação com as forças policiais na luta contra o comércio ilícito de produtos de tabaco.

Neste âmbito, foi celebrado um Protocolo de Cooperação com a GNR. Refira-se que, frequentemente, a GNR tem desmantelado algumas redes de tráfico que conjugam diversos produtos ilegais, dos tabacos às drogas, passando pelas angulas (enguias juvenis), muito apreciadas em países como a vizinha Espanha.

O estudo adianta a posição de Marcelo Nico, Director-Geral da Tabaqueira, que frisa que “estes dados requerem especial atenção e cuidado, pois apesar do trabalho empenhado das autoridades europeias no combate ao comércio ilícito de produtos de tabaco, a perda de poder de compra combinada com o aumento da inflação em Portugal e nos outros Estados da UE está a agravar a situação”. Com a guerra na Ucrânia a crescer de intensidade e a desregular os mercados, frisa que considera que “pode aumentar o risco de emergência do seu consumo”

Acrescenta que “é urgente uma acção continuada do Estado e das empresas, para uma maior vigilância por parte de todos os operadores económicos, cadeias de distribuição e autoridades competentes, no sentido de unir esforços para trabalhar em cooperação, e de forma concertada, para uma maior consciencialização de que este é um problema de saúde pública”.

Marcelo Nico conclui: “estamos convictos que a ciência e a inovação tecnológica podem dar um contributo fundamental para o desenvolvimento de alternativas menos nocivas, em particular os produtos de tabaco aquecido que, por apresentarem um menor risco de nocividade, são uma oportunidade de melhorar a saúde pública por uma redução significativa da carga de doença associada ao consumo continuado de cigarros”.

Por outro lado, Gregoire Verdeaux, vice-presidente para as relações externas da PMI diz que “o relatório é preocupante. É alarmante que em países com impostos elevados sobre o consumo de cigarros, como em França, em vez de vermos diminuir o consumo, se assista a aumento dos cigarros contrafeitos. De facto, nos últimos cinco anos, em França, enquanto o preço médio do maço de cigarros aumentou mais de metade, o número de fumadores adultos diminuiu apenas marginalmente”.

E acrescenta, contudo, “ainda haver esperança. Outros países da União Europeia têm vindo a adoptar políticas fiscais diferenciadas sobre as alternativas aos cigarros que suportam a redução do seu consumo, ao mesmo tempo que reduzem o comércio ilícito, e que já estão a produzir resultados muito encorajadores. A Comissão Europeia, em Bruxelas, deve fazer disto a base do futuro”.

O estudo inclui os 27 Estados da União Europeia, o Reino Unido, a Noruega e a Suíça e revela que os fluxos de cigarros ilegais, representam um acréscimo de 10,4 mil milhões de receitas fiscais para o conjunto destes países.

Segundo Gregoire Verdeaux “as perdas de receita fiscal vão limitar a capacidade dos governos para investirem em áreas como a segurança pública ou nas infra-estruturas, num momento em que os cidadãos europeus estão a ser confrontados com um aumento de preços de vários bens de primeira necessidade. O risco de que um maior número de fumadores adultos – especialmente aqueles com baixos rendimentos – acabem por procurar alternativas disponíveis no comércio ilícito é agora significativo. Pelo que isto cria uma necessidade ainda mais urgente para assegurar que as alternativas sem fumo estejam disponíveis e acessíveis a todos os fumadores adultos, por forma a permitir que possam fazer uma melhor escolha, em vez de optarem pelos cigarros ilegais”.

O caso de França

De acordo com os dados do relatório da consultora, o aumento do consumo de cigarros ilícitos na União Europeia foi em grande parte impulsionado pelo aumento no ano passado em França de 33% do comércio ilegal. Este país mantém-se como o maior mercado de comércio ilegal de cigarros que equivale a 29 % do consumo total no país.

O caso francês contrasta com a tendência de metade de Estados analisados, ou seja, 16 dos 27 da União Europeia que apresentaram um percurso decrescente ou estável do consumo de cigarros ilícitos em 2021.

Caso de destaque para a Polónia, que teve uma das maiores quedas em termos de volume do comércio ilícito, com uma redução de consumo de compras nos mercados negros de 3,7 pontos percentuais.

“A diminuição do consumo de cigarros ilícitos em países como a Polónia é notável e reconfortante. Por um lado, evidencia o impacto do trabalho das autoridades locais que lucram com o comércio ilícito quando melhores alternativas para continuar a fumar estão disponíveis, e são mais acessíveis a fumadores adultos. Estes são os resultados que outros países deviam replicar” sublinha Alvise Giustiniani, vice-presidente da prevenção ao Comércio Ilícito da PMI.

“Nunca foi tão importante disponibilizar, em particular para os mais vulneráveis da sociedade, o acesso à informação, assim como o desenvolvimento e a implementação de políticas inovadoras que verdadeiramente incluam todos os fumadores adultos e facilitem o acesso a melhores alternativas”. De novo, o quadro da PMI aposta no tabaco aquecido, já presente no mercado e que é um produto que pretende expandir, numa altura em que a luta contra o tabaco é feita pelos Estados e pelos médicos de forma cada vez mais forte.

De acordo com dados recolhidos pela KPMG junto de autoridades policiais de sete países, a produção ilegal de cigarros falsificados está a mover-se para o Ocidente da Europa, aproximando-se dos mercados que praticam preços mais elevados, como França e Reino Unido.

O crescimento continuado do mercado negro, no qual os cigarros falsificados e não regulamentados são facilmente disponíveis, prejudica os esforços para a redução e eliminação do seu consumo.

Gregoire Verdeaux diz que “os consumidores precisam de ser incentivados para que não necessitem de recorrer a produtos ilícitos. Isso significa que nos devemos focar na Educação e na consciencialização e, ainda, garantir a disponibilização de melhores alternativas, como produtos sem fumo, comprovadas cientificamente”. Em suma, defende que “tornar estas alternativas como uma opção melhor para milhares de fumadores adultos na Europa que não deixam de fumar deve ser a nossa principal prioridade”. ■