Sem se conhecer o OE para 2023, o apagado ministro da Economia, António Costa Silva, defende publicamente que uma redução do IRC transversal a todas as empresas seria “um sinal extremamente importante para toda a indústria” e “extremamente benéfico” face à actual crise.
“Hoje, face à crise que temos, penso que seria extremamente benéfico termos essa redução transversal e, a partir daí, ver qual é o impacto que pode ter no futuro”, afirmou o governante em declarações aos jornalistas.
“Espero que na negociação do acordo de rendimentos e de competitividade e, depois, no Orçamento do Estado, possamos ter esse desígnio da redução do IRC”, acrescentou,
Embora no programa de Governo o que esteja previsto seja uma redução selectiva do IRC, dirigida a empresas que reinvestem parte dos seus lucros na actividade económica, apostam na inovação tecnológica ou contratam jovens qualificados, Costa Silva garante que sempre teve “muito claro que o país, algures, tinha que fazer essa redução transversal do IRC”.
Redução selectiva
“Eu não mudei de ideias”, assegurou, explicando que o que aconteceu foi que “depois da discussão, e no âmbito do programa de Governo”, o que ficou inscrito foi “a figura da redução selectiva”.
“Mas eu penso que vamos a caminho de uma redução transversal, que vai ser um sinal extremamente importante para toda a indústria”, enfatizou, acrescentando: “Penso que, se tivermos as empresas associadas a isso, e também os sindicatos, no âmbito da concertação social, podemos ter a capacidade da acção colectiva para superar todas estas crises”.
Relativamente à discussão do acordo de rendimentos, o ministro da Economia nada avançou: “Eu não queria antecipar o que é que se vai passar. Mas nós vamos levar propostas que, eu penso, são muito interessantes também para as empresas”, disse.
Actualmente a taxa de IRC é de 21% sobre o lucro das empresas até 1,5 milhões de euros. A esta taxa acresce uma derrama estadual para as empresas com maior lucro e, ainda, uma derrama municipal.
O ministro da Economia destacou ainda a importância “fulcral” dos 30 milhões de euros para reforço da internacionalização anunciados no âmbito do pacote de ajuda às empresas exportadoras.
Indústria do calçado
“No pacote de medidas que anunciámos para apoio às empresas, há uma medida que penso que é fulcral para a indústria do calçado e para as outras que vivem muito das exportações, que é o anúncio para a internacionalização”, afirmou o ministro.
Garantindo que “o anúncio vai sair brevemente”, Costa Silva disse estarem em causa “30 milhões de euros para fazer a promoção externa das indústrias portuguesas”, nomeadamente “para a indústria do calçado é importante a participação nas feiras internacionais, a programação de todos estes eventos e a integração nas redes, quer logísticas, quer de distribuição internacionais”.
Relativamente às críticas de que as medidas anunciadas pecam pela falta de apoios directos às empresas, o ministro da Economia sustentou que há “vários exemplos de pacotes que são subvenções”.
“Se for ver o pacote, tem o apoio 235 milhões de euros que são subvenções directas às empresas que são altamente intensivas no consumo de gás. Acresce a isto um pacote de 290 milhões de euros para apoiar a descarbonização e acelerar a transição energética. Esses pacotes são subvenções que estão lá”, referiu.
“Para além disso” – acrescentou – “anunciámos um grande pacote de 100 milhões de euros na parte da formação, para as empresas não pararem, manterem a sua actividade económica e fazerem formação no contexto do processo de produção e, portanto, é também uma subvenção directa também anunciada”. Apontada por alguns como mais um factor de endividamento das empresas, Costa Silva argumentou que estas, “às vezes, têm dificuldades de tesouraria e precisam destas linhas de crédito”.
Adicionalmente, o ministro garantiu que “as medidas não são estáticas” e que o Governo está “a dialogar com todos os sectores” para “ver exactamente quais vão ser as soluções, em função do que se está a passar no terreno”.
Lucros extraordinários
Questionado também sobre se o executivo vai ou não avançar com a taxação dos lucros extraordinários, António Costa Silva afirmou que é uma possibilidade que continua “em cima da mesa”.
“Não se esqueçam que o sector da energia já tem uma contribuição extraordinária. Não se esqueçam que o nosso sistema fiscal para as empresas é muito progressivo, portanto, quem tem lucros já tem uma taxação maior. Já temos, também, a derrama estadual para os grupos que são grandes e a questão é preservar o equilíbrio entre o interesse público e a capacidade de as empresas operarem e desenvolverem as suas actividades”, enfatizou, reiterando: “É uma opção que tem que se analisar, tem que se continuar a discutir”.
Costa Silva garantiu ainda que, nesta matéria, o Governo está em contacto directo com a União Europeia, para ver o que estão a desenhar. “A União Europeia está a trabalhar e vamos ver o que é que propõem e o que é que temos no país. Se aquilo que propuserem é melhor, é evidente que vamos discutir e adoptar. Se for mais ou menos similar àquilo que temos hoje, vamos manter as nossas políticas e ver qual é o caminho para o futuro”, explicou.
Curtumes em pânico
Uma comitiva recorde de 35 empresas portuguesas participou, em Milão, na mais importante feira internacional de couro, acessórios e componentes para calçado, animada com o negócio acrescido pós-pandemia, mas receando agora o impacto da crise inflacionária.
“A guerra e a pressão inflacionista que trouxe estão a gerar um aumento da factura da alimentação e da habitação e, sendo estas as prioridades na gestão do rendimento familiar, o que sobra para o consumo dos artigos que nós comercializamos é o que resta do orçamento familiar”, explicou o secretário-geral da Associação Portuguesa dos Industriais de Curtumes (APIC).
Notando que, “ao contrário do que se passou na pandemia, em que as pessoas conseguiram manter sensivelmente os rendimentos com as medidas de ‘lay-off’, agora o rendimento está a ser corroído pela inflação”, Gonçalo Santos diz que a “principal preocupação” da indústria é “uma crise de procura, porque as pessoas não terão rendimento suficiente” para canalizar para bens não essenciais, como o calçado ou a marroquinaria, que são os principais clientes do sector.
“E se os nossos clientes não tiverem forma de escoar o seu produto, naturalmente terão uma procura inferior pelos materiais”, referiu.
A visão de Duarte Cordeiro
Como cada ministro diz a sua coisa, o ministro do Ambiente reiterou que o Governo está a intervir no mercado de energia, apesar de não dar o nome de taxa sobre lucros extraordinários à medida, através de uma actuação na formação dos preços.
“Nós não precisamos de esperar que se forme lucro numa empresa para intervir, nós fazemo-lo no preço. Nós intervimos já no mercado, não lhe chamamos é taxa sobre lucros extraordinários”, afirmou Duarte Cordeiro, durante a participação numa conferência promovida pela “CNN”, sobre a transição energética. “Se é um fetiche em Portugal, chamemos-lhe taxa”, acrescentou.
O governante referia-se ao mecanismo ibérico que limita o preço do gás utilizado para a produção de electricidade, adoptado para fazer face à escalada de preços, agravada pela guerra na Ucrânia.
Na actual configuração do mercado europeu, o gás determina o preço global da electricidade quando é utilizado, uma vez que todos os produtores recebem o mesmo preço pelo mesmo produto — a electricidade — quando este entra na rede.
Tecto temporário
A Comissão Europeia vai propor um tecto temporário de 180 euros por Megawatt-hora (MWh) para electricidade produzida sem recorrer ao gás, mas a partir de fontes como renováveis e nuclear, prevendo cobrança das receitas acima deste limite.
Em concreto, Bruxelas quer “um limite temporário de receitas para os produtores de electricidade inframarginal, nomeadamente tecnologias com custos mais baixos, tais como as energias renováveis, nucleares e lenhite, que fornecem electricidade à rede a um custo inferior ao nível de preços fixado pelos produtores marginais mais caros”, que estão de momento a “obter receitas excepcionais, com custos operacionais relativamente estáveis”.
Questionado sobre a posição do Governo relativamente à proposta europeia, Duarte Cordeiro disse que Portugal, “em princípio”, vai votar a favor, apesar de insistir que já está a actuar sobre os preços excessivos, antes de eles se formarem.
Já sobre a construção de um gasoduto que ligue a Península Ibérica ao resto da Europa, através dos Pirenéus (França é contra), o ministro do Ambiente defendeu que se trata de um investimento que deve ser discutido a nível europeu e que seria penalizador para Portugal assumir o financiamento.
Em relação ao debate sobre a utilização de energia nuclear como forma de fazer face à escassez de gás, Duarte Cordeiro disse que o Governo não vê “vantagem nenhuma” naquela tecnologia e garantiu que Portugal está concentrado em aproveitar as suas características geográficas, como o sol e o mar, para a produção de energia. ■