“Sentia-se uma espécie de proxeneta da Portela…”

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Havia tomado posse há dias, ainda estava a encontrar a melhor posição para centrar o rabiote na cadeira, moldando o acolchoado à forma das nádegas e contemplando os “pantones” para os cortinados que se propunha alterar, quando irrompeu a trupe de assessores, adjuntos, conselheiros, administrativos e tantos outros quanto o erário público pode pagar, brandindo documentos e “dossiers” e informando-o que era imperativo controlar as “slots” na Portela. O novel ministro ruborizou, não conseguindo esconder o incómodo. Vindo do Norte, apenas conhecia a capital dos tempos de faculdade e, à data, tanto quanto a vida académica lhe permitiu conhecer, as zonas dos vícios carnais andavam pelas bandas da Artilharia Um e dos Cais do Sodré. Em noites festivas e para as bolsas mais cheias, o quarteirão entre Duque de Loulé e Conde do Redondo. Não tinha, porém, memória da Portela. Mais a mais, a surpresa era tanto maior e inusitada porquanto não o haviam preparado para aquilo. Desconhecia, de todo, que fosse competência sua e não tinha sequer presente que constasse do programa de Governo. Por outro lado, a expressão “controlar”, embora muito do seu agrado, aqui tinha uma significância dúbia, lembrando um gangue de leste, nos filmes de Hollywood, a limitar as fronteiras do seu território e a impor a sua lei e “modus operandi”. E, nesse devaneio momentâneo, confortou-se ao perceber que, afinal, o ministério pouco divergia da juventude onde militara. Tossiu em seco, tentando preparar as cordas vocais, enquanto se ajeitava na cadeira, quando foi interrompido por um dos assessores:

– “Slots”, senhor ministro! Embora perceba a confusão. Os anglicanismos são muito traiçoeiros! – enquanto lhe oferecia um dossier com um carimbo vermelho onde ressaltava a palavra “confidencial”.

Quase respirou de alívio. Afinal era de máquinas de casino que se tratava. E isso conhecia ele bem! O frémito do puxão da alavanca; a dança das cores e dos frutos; o abrandar, quase poético, daquela roleta; a espera, babada, do alinhamento final; a explosão orgástica das sirenes e do tilintar das moedas que saiam em jorro da gaveta! E os cavalos? O verde dos panos das mesas – ora outra boa ideia para forrar a secretária! O “blackjack”… Ah! Que memórias tão boas, que lhe faziam lembrar a sua juventude irreverente em que estourava o dinheiro do pai como se não houvesse amanhã. Vício que manteria, adiante-se, mas não com o pecúlio da família, que esse tem fim!

(Re)Assomado nos deveres, lá tratou de folhear o dossier, arregalando os olhos aquando da leitura das palavras TAP e Aeroporto da Portela. Afinal, as tais de “sluts” ou “slots”, ou lá o que era, escondiam conceitos técnicos, nomenclaturas desconhecidas e um plano de acção. Num “briefing” à pressão, que mais parecia um clister sem anestesia, inteirou-se que afinal se tratavam de horas compradas num aeroporto. Um pouco à semelhança das meninas do Cais do Sodré, portanto… Nos aeroportos mais congestionados tem que existir uma autorização prévia e necessária para que um voo comercial se possa realizar, num determinado horário. A atribuição desse “slot” é fundamental, porque garante o acesso a esse “mercado”. Sendo a TAP uma companhia de bandeira, o dito “slot” é um direito quase adquirido, prévio à liberalização do mercado aéreo. Traços largos, sentia-se uma espécie de proxeneta da Portela, com o poder decisório quanto aos clientes a aceitar, em que horários e a que preço. 

Tratou a trupe de o informar que tal direito não está condicionado a ditames de eficiência ou maximização de recursos. Basta, para que o “slot” se mantenha, que seja aproveitado em 80% das ocasiões previstas, ainda que represente voos de Lisboa para a Bobadela em aviões sem passageiros. O rácio: número de passageiros, ocupação e capacidade da aeronave, destino, “qualidade” dos passageiros (isto é, se são turistas que despendem cá uns cobres, ou se apenas estão em trânsito para outro destino e apenas consomem o café no aeroporto, ainda que a preços pornográficos), não existe. Apenas é tido em conta o rácio de ocupação. 80% basta! É quase como visitar aquela tia que não gostamos com uma regularidade tal que nos assegure quinhão hereditário. Não interessa se estamos o dia todo com ela, se lhe ministramos refeições ou a levamos ao médico. Desde que o ponto seja picado com a regularidade imposta, o prémio é garantido.

Anos depois deste “briefing”, já com os cortinados a gosto e o tampo da mesa forrado num verde aveludado, o ministro recosta-se na cadeira e faz umas contas de cabeça. Foi buscar uma CEO ao estrangeiro, já que, se é para manter os prejuízos sucessivos, mais vale que seja com aparência séria, entre concursos internacionais e outras roupagens… Diminuiu a frota da TAP em mais de 20 aviões, pelo que esta jamais irá cumprir com grande parte dos “slots” atribuídos, excepto se levantar e aterrar no mesmo destino, apenas para rodagem e manutenção de aviões e pilotos… Aniquilou o Porto, concentrando mais tráfego na Portela, ainda assim insuficiente e altamente deficitário… Viu que os voos e passageiros dos aeroportos do Algarve e da região Norte cresceram exponencialmente, sendo marginal a contribuição da TAP… Andou em guerra com O´Leary por não libertar “slots” para as outras companhias… Viu a Comissão Europeia obrigá-lo a ceder, como contrapartida dos apoios estatais dados à TAP… Teve cerca de 40 voos cancelados nesta Páscoa, por insuficiência de pilotos… Por este e por outros motivos, não usa cerca de 100 janelas horárias todos os dias, mas que continuam para si reservadas sem gerar qualquer proveito… Para não perder esses “slots”, vai alugar aviões para operar rotas (que não se sabe sequer se são rentáveis), com custo estimado de mais de 8 milhões… Entre apoios directos, indirectos, aumentos de capital e outras manobras financeiras, a TAP já lhe custou para cima de três mil milhões… 

Riu-se! Custou-lhe? Nãh! A ele nada! Nenhum! Zero!

Mas a verdade é que não há relatos conhecidos de proxenetas que tenham aberto falência ou demitidos por manifesta incompetência. ■