Tribunal de Contas arrasa o Governo

O ex-presidente da CCDR-Norte, Freire de Sousa, denuncia a existência de um “desesperante atraso” por parte do Estado na atribuição de recursos financeiros para os programas de apoio à habitação na sequência dos incêndios de 2017. O Tribunal de Contas dá-lhe razão.

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“É um facto que a região Norte foi constrangida na celeridade da resposta da atribuição de recursos financeiros e isso deve-se ao modo de funcionamento do Estado português, às tutelas e, em última instância, ao Ministério das Finanças”, afirmou o ex-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-Norte), Freire de Sousa.

Coincidindo com as conclusões da segunda fase de uma auditoria do Tribunal de Contas (TdC) que analisou os programas de apoio à habitação em vigor na sequência dos incêndios de Outubro de 2017 e Agosto de 2018, Freire de Sousa afirmou que “a partir de certa altura houve um desesperante atraso por parte do Ministério das Finanças”.

O relatório do TdC sustenta que a “região Norte se viu constrangida na celeridade da resposta por demoras na atribuição de recursos financeiros”. Ao contrário do Norte, na região Centro o processo de reconstrução e reabilitação das habitações foi “especialmente célere”, menciona o documento.

Freire de Sousa salientou a realidade das duas regiões “não tinha comparação possível” e que, à data, a região Centro “merecia um tratamento mais urgente”. “A região Norte teve um número de incêndios muitíssimo menor do que a região Centro”, observou.

Fragilidades na aplicação, diferentes graus de realização e falta de publicitação foram falhas apontadas pelo TdC aos programas de apoio à habitação em vigor na sequência dos incêndios de Outubro de 2017 e Agosto de 2018.

Estas são algumas das conclusões retiradas da segunda fase de uma auditoria do TdC que analisou os apoios concedidos pelo Programa de Apoio à Recuperação de Habitação Permanente (PARHP) e pelo Programa de Apoio ao Alojamento Urgente (Porta de Entrada) aos danos causados nas habitações por aqueles incêndios, que foram sobretudo financiados por verbas do Orçamento do Estado.

Quanto a esta matéria, o ex-presidente da CCDR-Norte disse que a partir do momento em que os recursos financeiros foram disponibilizados, o trabalho feito pela comissão foi “positivo e muito meritório por parte dos seus quadros”.

“Como todos os trabalhos, poderá ter tido aqui e ali alguma fragilidade e alguma realização menos bem conseguida. Erros todos cometem, mas não me parece que tenha havido erros significativos, pelo contrário, acho que se entregou tudo a tempo e cumprindo prazos”, acrescentou.

No Norte foram atingidos sete municípios, nomeadamente Arouca, Braga, Boticas, Castelo de Paiva, Monção, Vale de Cambra e Vila Nova de Gaia, nos distritos do Porto, Braga, Aveiro, Vila Real e Viana do Castelo. Nestas localidades registaram-se 109 habitações danificadas pelos fogos, das quais 25 com danos muito elevados ou a precisarem de reconstrução total, sublinha. Os danos ascenderam a cerca de 3,3 milhões de euros, refere.

Das 109 casas, 82 foram em Castelo de Paiva, 10 em Monção, sete em Arouca, cinco em Vale de Cambra, três em Vila Nova de Gaia e uma em Braga e Boticas.

Vítimas satisfeitas com TC

O Movimento Associativo de Apoio às Vítimas dos incêndios de Midões (MAAVIM) afirmou que o relatório do Tribunal de Contas sobre o apoio a habitações afectadas pelos incêndios de Outubro de 2017 confirma as denúncias que vinha fazendo.

A exclusão de 78 casas da região Centro do Programa de Apoio à Recuperação de Habitação Permanente (PARHP), já na fase de execução das empreitadas, implicou custos superiores a 1,8 milhões de euros (ME), revela o Tribunal de Contas (TdC).

Num relatório da auditoria à utilização de fundos na reparação de danos causados nas habitações pelos incêndios de Outubro de 2017 e Agosto de 2018, agora divulgado, o TdC refere que a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) “não garantiu os procedimentos adequados ao aceitar candidaturas que não preenchiam todos os critérios, vindo-se a confirmar a sua inelegibilidade”.

Questionado sobre o relatório do TdC, o porta-voz do MAAVIM, Nuno Pereira, salientou que as conclusões do documento vêm “confirmar” o que a associação andava a “denunciar há três ou quatro anos” de habitações que deveriam ter sido reconstruídas e não foram e outras que foram reconstruídas quando não deveriam ter sido.

“Alertámos para essa situação, para os ministérios, inclusive para a Assembleia da República, a mostrar que as coisas não correram bem. É apenas lamentável que esta reacção demore tanto tempo”, disse Nuno Pereira.

O porta-voz do MAAVIM salienta que, para além de haver casas que não deveriam ter sido apoiadas, há várias que ficaram de fora dos programas de apoio, referindo que a associação está a apoiar a formalização de três processos judiciais nesse sentido.

Responsabilidade
criminal

Para Nuno Pereira, é fundamental agora que haja “responsabilização criminal” pela má utilização de fundos públicos no apoio à reconstrução de casas, face às conclusões do TdC.

“É mais do que justo que haja acusações contra quem gastou indevidamente o dinheiro e contra quem foi responsável por dar apoios indevidos”, frisou, salientando que a dimensão dos prejuízos em casas nos incêndios de Outubro é muito superior à de Pedrógão Grande.

Já a presidente da Associação de Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande (AVIPG), Dina Duarte, afirmou que faz votos para que, “de futuro, em casos de tragédia, haja mais rigor de todos os intervenientes”.

“Deve haver um acompanhamento de entidades competentes, com auditorias que evitem estes tristes e embaraçosos resultados. Justiça sempre e, acima de tudo, para o bem e para o mal, custe a quem custar”, referiu, realçando que “prevenir é a melhor solução”.

Caso de Monchique

O Tribunal de Contas (TdC) apontou atrasos na execução do Porta de Entrada, programa de apoio ao alojamento urgente ao qual se candidataram os lesados do incêndio de Monchique ocorrido em 2018.

Esta é uma das principais conclusões da segunda fase de uma auditoria do TdC que analisou os apoios concedidos pelos programas de Apoio à Recuperação de Habitação Permanente (PARHP) e ao Alojamento Urgente (Porta de Entrada) aos danos causados em habitações pelos grandes incêndios de Outubro de 2017 e Agosto de 2018.

No relatório da auditoria, agora divulgado, o TdC aponta maior celeridade nos apoios no âmbito do PARHP, ao contrário do Porta de Entrada, a que se candidataram os lesados do incêndio em Monchique, programa que instituiu condições mais restritivas, em função da situação patrimonial e social dos potenciais beneficiários.

Neste programa, notou o Tribunal de Contas “houve a necessidade de clarificar os critérios base para a concessão de empréstimos para que alguns apoios pudessem ser concretizados”.

Segundo o relatório do TdC, o programa Porta de Entrada “está longe de ter colmatado as necessidades”, sendo que, “em 31 de Março de 2021, o valor contratado representava apenas 26,5% da comparticipação prevista”.

De acordo com o documento, dos 33 pedidos de apoio previstos, foram aprovadas 19 de 29 candidaturas apresentadas, o que representa uma taxa de aprovação de 65,9%.

O valor contratado de 619.982,08 euros representava, àquela data, 26,5% da comparticipação do total prevista de 2,3 milhões de euros e, do valor contratado para reabilitação, apenas tinha sido pago cerca de 15%.

Do total de candidaturas apresentadas, 12 respeitam a reabilitação, sete a arrendamento, três a aquisição e sete a arrendamento temporário.

Os 19 apoios aprovados estavam contratualizados e, das restantes 10 candidaturas, nove aguardavam o envio de elementos e uma encontrava-se em fase de análise.

Dos sete apoios concedidos ao arrendamento temporário, seis agregados familiares não beneficiaram do apoio por aguardarem apoio à reabilitação da sua habitação e o outro tinha como solução definitiva de alojamento a aquisição de habitação.

Em 31 de Março de 2021 estava concluída a reabilitação de uma habitação, duas não tinham execução financeira e as restantes continuavam a aguardar elementos, entre os quais orçamentos.

Aos casos de reabilitação e de aquisição só foram disponibilizadas comparticipações financeiras não reembolsáveis. ■