“Toda a História repete-se sempre duas vezes: a primeira como tragédia, a segunda como farsa”
Esta frase, atribuída ao filósofo do século XIX Karl Marx, é o ponto de partida para uma análise aturada e exaustiva sobre o estado da nossa situação actual que alguns irão reputar de primária e redutora, mas que se derem uma oportunidade ao texto, no final verão quão real e trágica (no verdadeiro sentido da palavra) a comparação é, mais ainda, decalca na perfeição na nossa própria condição de eleitores e, de um modo geral e bem concreto, de cidadãos portugueses.
Dito de outro modo, já estivemos a assistir e fomos coniventes (ainda que uns mais conformados que outros), durante longos anos, a uma verdadeira tragédia que culminou na assistência financeira da “troika” e na nossa perda de capacidade de decidir os destinos do país e de nós próprios e, agora, de há mais de quatro anos para cá, estamos novamente imersos na mesma peça de teatro, desta vez não mais aquela tragédia vivida ao estilo grego na era Socrática, mas uma verdadeira farsa, réplica da anterior, ainda mais deprimente, sem surpresas já que o protagonista hoje deste segundo acto (de má gestão) era, então à época, um personagem secundário no primeiro, ainda que este tente fervorosamente esconder e demarcar-se dessa sua participação e conhecimento do guião socialista. Fala-se claro do actual primeiro-ministro de Portugal.
Depois de um interregno dramático que conduziu milhares para a pobreza, temos de volta um novo género teatral revisitado, tal como alertou Marx, na sua célebre frase que serviu de mote a este artigo, desta vez a história repetiu-se “ipsis verbis” em forma de farsa, uma farsa, que é na sua base uma réplica da primeira, contendo todos os anteriores “ingredientes” daquela, desde o drama, comicidade, cumplicidade, arrogância, vaidade, muita mentira e, claro, bastante previsibilidade quanto ao seu desfecho, pois igual ao original roteiro que nos conduziu até aqui.
Mas porquê falar em farsa em vez da anterior tragédia? Primeiramente porque só cai à segunda quem quer, como diz o ditado e o povo português imperdoável. Incompreensivelmente, no fatídico dia em que demos uma maioria absoluta, caímos uma vez mais no conto de um vigário e no engodo bem-falante, ainda que o referido guião que enformou a primeira tragédia seja exactamente o mesmo, o de distribuição constante com o dinheiro dos contribuintes e da falta de norte e estratégia, não fomos capazes de o entender e estamos a repetir os mesmos erros, logo já não é mais uma tragédia. Segundo, porque tudo é farsa neste governo, incluindo os crescimentos anómalos de mais de 5% do PIB actual, que não resistem a um exame de lógica simples.
Para perceber o cerne da questão, quanto à comparação estrita que faço entre estes dois momentos tão aparentemente diferentes e no entanto tão iguais, é necessário remontar na generalidade aos loucos anos de euforia e maioria absoluta, almejada por José Sócrates, e da “festança” que o PS fez com os seus ministros e dirigentes no esbanjar do erário público, mas, muito em particular, aos temas e assuntos que à época estavam em voga, assim como as reformas que tardaram e nunca chegaram, mas que foram vociferadas aos sete ventos por toda a comunicação social e os diversos gabinetes dos dirigentes que propaga(ndea)vam novos e brilhantes amanhãs para todos numa base diária.
Ao analisar este facto chegaremos a uma breve e, a meu ver, dramática conclusão: não só a sociedade portuguesa e o país no seu todo não evoluíram, decorridos todos estes anos, como cometemos a verdadeira proeza de andar para trás no tempo, algo que se julgava até agora impossível à luz dos preceitos científicos e do que conhecemos da física.
Para aqueles a que com este breve trecho já captei a atenção, leiam mais um pouco pois vamos aflorar mais estas palavras com exemplos práticos e concretos do que se passa, fazendo os devidos paralelos entre a já referida farsa que vivemos hoje e a tragédia que passámos e que, pelos vistos, já esquecemos, se assim não fosse, não iríamos pagar para ver, com o nosso voto, a mesma peça e as mesma fórmulas teatrais já gastas.
Um exercício de reavivamento de memória torna-se então necessário. Estávamos nos anos de 2008 e vislumbravam-se grávidas a terem partos ao km 3, 7 ou 19 da A1 e da A2 ou de qualquer IP. Era então ministro da Saúde António Correia de Campos; a ligação ferroviária e as grandes obras públicas sempre (re)queridas e caras por parte deste partido estavam em cima da mesa e Ana Paula Vitorino falava na televisão sobre a necessidade de um caminho de ferro que nos ligasse à Europa, afirmando que a Alta Velocidade iria dinamizar a nossa economia. Procuravam-se locais para um aeroporto para suprimir as nossas necessidades, derivado do fluxo de turistas que assolavam o nosso país, e Mário Lino, então ministro das Obras Públicas, hoje envolto em processos judiciais e polémicas, vociferava num francês aportuguesado em “Alcochete jamais”. Para além disto as dúvidas sobre a viabilidade ambiental eram uma constante. Ouviam-se especialistas em vários fóruns sobre a possibilidade e as implicações de uma solução X, Y, Z e falava-se de uma modernização administrativa messiânica por via do digital, energias renováveis também eram presença assídua no “palco” onde este teatro tinha lugar, para continuar com a metáfora do tema dramatúrgico.
Como podem ver, tínhamos de facto outros protagonistas nos diversos papéis – a andarem completamente aos papéis – nas suas diversas pastas. Hoje temos novos protagonistas, igualmente inaptos, deslocados e incompetentes, pois discípulos acríticos dos anteriores, com uma agravante, herdaram um país muito mais endividado, frágil, amorfo e refém de interesses externos, muito mais do que os doutos querem admitir nos diversos meios onde são questionados.
Embora, como se vê, o cenário, pouco animador, não tenha mudado e a história esteja efectivamente a repetir-se, mudou algo fundamental: a minha geração, que assistia à história original sem uma capacidade de reflexão crítica e suficientemente politizada, é hoje trabalhadora e contribuinte, tendo uma das mais altas taxas de impostos da UE e formou-se não a um domingo, nem com um papel timbrado da Assembleia da República, e muito menos por passagens administrativas ou equivalências integrais de acordo com a sua vasta experiência profissional. Formaram-se com esforço dedicação e, sobretudo, esperança e optimismo para contribuírem para um país mais desenvolvido, justo e próspero, e para impedir de uma vez por todas que esta história não acabe da mesma forma, se não pior, a tragédia já foi. Falta agora a farsa orquestrada atingir o seu apogeu para que o que Marx referiu na sua constatação assente que nem uma luva à realidade dos portugueses, infelizmente para todos nós. Esperemos e façamos algo para que o desfecho do segundo acto não seja igual ao primeiro. ■