Um ano e muitas burkas depois…

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No passado dia 15 de Agosto fez um ano que as forças ocidentais deixaram o Afeganistão.

Todos nos lembramos daquelas reportagens feitas a partir do aeroporto de Cabul e dos seus diferentes pontos de acesso, dando conta de milhares de pessoas a tentarem fugir daquilo que sabiam que iria ser o futuro. Bebés entregues às forças militares ocidentais que partiam, pistas invadidas por pessoas desesperadas e indivíduos pendurados nos aviões, numa última tentativa de fuga são imagens que ficaram desses dias.

Enquanto isso e pelos países ocidentais, Portugal incluído, uma certa esquerda regozijava-se com aquilo que apelidaram de “uma humilhante derrota dos Estados-Unidos e dos seus aliados da Nato”.

Volvido um ano, o que de mau se previa concretizou-se. O regresso ao poder dos talibãs trouxe de volta o extremismo e o fanatismo aos quase 40 milhões de afegãos entregues à sua sorte e condenados na sua maioria a viver na miséria. Regressaram as restrições à liberdade de expressão, nomeadamente contra o regime, com perseguições e prisões temporárias a tornarem-se habituais. Segundo a Amnistia Internacional só em 2022 já foram presos e torturados mais de 80 jornalistas. Assistiu-se a uma regressão total no que respeita aos direitos das mulheres que segundo as regras devem, por norma, ficar em casa e, quando tiverem de ir à rua (apenas para o estrito necessário claro) devem ir cobertas da cabeça aos pés usando uma burka e devidamente acompanhadas por um membro masculino da família. Arredadas do sistema educativo e da maior parte dos empregos no país, o futuro das mulheres no Afeganistão, salvo raras excepções, pura e simplesmente não existe!

As reportagens emitidas pelos diferentes órgãos de comunicação ao longo deste último ano não podem deixar ninguém indiferente ao que se passa. Famílias obrigadas a vender algumas das filhas para poder sustentar os restantes elementos, casamentos negociados quando as “noivas” são apenas adolescentes, filhos jovens a abandonar a escola para ir procurar trabalho ou para andarem a fazer biscates e a pedir na rua. Dados das diversas organizações não-governamentais revelam uma crise onde mais de metade da população vive na miséria e não tem acesso alimentação, à excepção do pão, e estima-se que cerca de 14.000 recém-nascidos tenham morrido este ano por falta de alimentos.

Todo este cenário de horror, para além de chocante, é o contexto ideal para fazer novamente do Afeganistão um barril de pólvora que mais tarde ou mais cedo irá explodir algures nos países ocidentais. O mundo, recentemente saído de uma pandemia que ninguém podia prever, entrou numa guerra que ninguém acreditou que fosse possível em pleno século XXI e as atenções concentram-se na Ucrânia e noutros pontos do globo remetendo a questão afegã para uma pequena nota de rodapé, e por vezes para o esquecimento. Mas o fundamentalismo islâmico está lá e continua com rédea solta a fazer o que bem entende, condenando um povo inteiro a uma vivência num quadro mental da idade da pedra. O recente atentado contra Salman Rushdie, nos Estados Unidos, serve para nos relembrar que não se pode ignorar o problema dos fanatismos religiosos, nomeadamente o islâmico.

Põe-se assim a questão do que fazer com este Afeganistão. O regime é aquilo que se sabe e todas as promessas e compromissos, em tempos anunciados, de respeitar os direitos humanos, nomeadamente das mulheres, não passaram de conversa fiada (não que isso surpreenda vindo de quem vem). Por outro lado existe uma esmagadora maioria da população, que vive na miséria, que está à beira do desastre humanitário e que não pode ficar sem ajuda! Este primeiro ano já o demonstrou… ■