Bruno Garschagen é formado em Direito e Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, professor de Teoria Política e ‘podcaster’ do Instituto Ludwig von Mises Brasil. Tradutor de várias obras e colunista em vários jornais, publicou recentemente o livro “Pare de acreditar no Governo. Por que os brasileiros não confiam nos políticos e amam o Estado”, que está a ser um sucesso de vendas e a mudar a percepção política dos brasileiros. O DIABO entrevistou-o.
- O DIABO – O seu livro “Pare de acreditar no Governo” tem sido um sucesso, mas o título é provocador…
Bruno Garschagen – Quero começar com uma frase politicamente incorrecta, que é agradecer a Deus pelo sucesso do livro. Agora, que há tantos ateus e tantas pessoas que não gostam de falar de Deus, eu dou graças a Deus pelo sucesso do livro que foi lançado há poucos meses. O lançamento oficial foi no dia 25 de Maio, no Rio de Janeiro e dois dias depois em São Paulo. A arrancada comercial tem sido excelente, já que o livro chegou à lista dos mais vendidos no Brasil.
- Ainda para mais, um livro sobre política…
Um livro sobre política e com o título “Pare de acreditar no Governo”. Acho que muito do sucesso do livro se deve a essa provocação. Como muita gente no Brasil não está especialmente contente com o Governo e com os resultados de políticas económicas desastrosas, entrar numa livraria e ver um livro com capa preta com este título e com o subtítulo “Por que os brasileiros não confiam nos políticos e amam o Estado” tem um apelo sedutor.
- Mas o livro não fala apenas do actual Governo. Qual é a “história” do livro?
O livro é uma narrativa da História política do Brasil. Começa com a chegada de Pedro Álvares Cabral, a chegada dos portugueses, e termina com a reeleição de Dilma Rousseff.
- É um livro ambicioso…
É ambicioso, mas eu queria entender a nossa História intervencionista. É claro que o livro não pode tratar de tudo e por isso concentrei-me no poder central, primeiro nos imperadores e depois nos presidentes da República, com pequenas biografias dos presidentes e uma pequena exposição das respectivas políticas intervencionistas. Começo com o patrimonialismo que Portugal leva e de que forma é utilizado pela política pombalina, com uma influência do iluminismo francês, no exercício da prática política e da concepção de como se deve comportar o Estado em Portugal e a forma como nós, brasileiros, potencializamos essa herança e a tornamos mais eficaz. O Estado assume uma dimensão tamanha e, a partir da República, esse Estado torna-se muito mais eficiente para atrapalhar o país.
- Houve algum período diferente?
O único período da nossa História em que se tentou superar essa natureza do patrimonialismo, de burocracia e tributação, foi durante a nossa monarquia. E quando me refiro à “nossa monarquia”, entendo o período compreendido entre a ida da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, até à queda da monarquia, de D. Pedro II, com o golpe militar de 1889, que inaugura uma República radical e jacobina.
- Há um fio condutor de intervencionismo ao longo da História do Brasil?
Há um fio condutor. O que é muito interessante é que as ideologias sucessivas que foram vitoriosas do ponto de vista político, que assumiram o poder, e aquelas que não foram, como o marxismo por exemplo, todas se aproveitaram da nossa tradição autoritária. E eu incluo nessa tradição autoritária o exercício da prática do patrimonialismo. Tivemos o patrimonialismo, o pombalismo, depois o positivismo francês, que chegou ao Brasil levado por estudantes. Aliás, podemos falar num positivismo cultural, já que os positivistas no Brasil foram os primeiros a usar o ensino para doutrinar e formar uma juventude comprometida com esses ideais.
- E o golpe militar?
Tivemos vários golpes militares. A nossa República é inaugurada por um golpe militar, tem dois governos autoritários com Deodoro da Fonseca e com Floriano Peixoto, duas ditaduras.
- Esses militares querem apenas a conquista do poder? Para eles a ideologia é acessória?
No golpe de 1889, não. Houve todo um trabalho prévio ideológico por parte dos positivistas que se aliaram aos republicanos radicais. Os republicanos radicais eram chamados nessa época jacobinos. O golpe seguinte, em 1930, com Getúlio Vargas, também tinha uma concepção ideológica, mas Getúlio Vargas já é de uma geração de um positivismo abrasileirado.
- Há uma grande mudança no intervencionismo quando termina a ditadura militar, em 1985?
O intervencionismo não muda assim tanto, assume uma nova face que é um tanto mais perversa, porque não é uma face aparente. Como você não vê o Diabo, é mais difícil combatê-lo. Durante a Ditadura Militar havia o inimigo, que eram os militares, havia as grandes empresas estatais. A partir da mudança, os governos continuam com a mesma mentalidade intervencionista, mas não intervêm como os militares o faziam, na imprensa, etc. Mas o intervencionismo continua, torna-se é mais “malandro”, não é aparente e por isso mais difícil de combater.
- Qual foi a mudança desse período de democratização para o governo do Partido dos Trabalhadores (PT)?
Constrói-se aquilo que o Professor Sergio Lazzarini, chama “capitalismo de laços”. Ou seja, o governo brasileiro deixa de ter as grandes estatais, privatiza uma parte, mas não sai da economia, torna-se sócio. O governo tem uma capilaridade muito maior na economia do que tinha no passado, mas o governo não aparece. Só que tem um poder na economia muito maior do que tinha antes. Mas o intervencionismo continua, de uma forma muito mais eficiente do ponto de vista económico e do ponto de vista da pressão política.
- Voltando ao título do livro, quem entra numa livraria pensa que se refere ao actual governo, de Dilma Rousseff…
Pode ser, mas a minha crítica é em relação a todos os governos. É parar de acreditar nessa ideia de que o governo deve ser o grande agente provedor e o motor da vida social, política e económica.
- Esse modelo é possível no Brasil?
Algum trabalho já está sendo feito. Durante toda a nossa História, como eu mostro no livro, sempre foi uma construção do caminho da servidão. Várias ideologias construíam um mesmo caminho, centralização, intervencionismo, etc. No fundo, temos um fio narrativo, a não ser nesse período do século XIX em que há essa monarquia brasileira, de ideologias autoritárias que se aproveitam do mesmo capital de experiência e mantêm esse mesmo caminho. O que temos agora, nos últimos anos, são grupos de pessoas e instituições que estão sendo criadas que tentam construir um caminho para as liberdades. A grande mudança que temos hoje no Brasil, estamos a passar por um período de transição extremamente rico, é que uma grande parte da sociedade brasileira começa a descobrir que há uma armadilha montada a que nós estamos todos presos e querem superar ou sair dessa armadilha.
- Como por exemplo?
As manifestações de 2013, onde houve até episódios de violências, começam com grupos de esquerda que protestam inicialmente contra o aumento dos bilhetes do comboio. Mas a sociedade brasileira estava tão cansada do governo que as pessoas vão para a rua pedir tudo. É como uma botija de gás que explode. Saíram milhares de pessoas mas cada uma pedia uma coisa diferente, seja a habitação, os transportes, a saúde, ou o ensino. Mas, naquele momento, todos estavam a pedir mais governo. O que é uma coisa maluca, pedir ao governo para resolver os problemas, quando o excesso de governo é o problema.
O nosso trabalho, das instituições liberais e conservadoras é apresentar ideias diferentes daquilo que é a moeda corrente nos ‘media’ já estava a ser feito. Nas manifestações deste ano havia uma natureza diferente. Os grandes assuntos eram o combate à corrupção e o ‘impeachment’ da Dilma Rousseff e já se pedia menos Estado e menos intervenção do governo. A pauta já era diferente da de 2013. Isso já é um resultado desse trabalho. Muitas das pessoas que lideravam essas manifestações em várias cidades do Brasil são pessoas que lêem o Instituto Mises Brasil, que lêem os meus textos no jornal e de outros autores.
- Como é que isso é visto pela ‘intelligentsia’ brasileira? Como uma reacção da direita?
Da direita, claro. Tudo o que não é de esquerda, é de direita. Até o PSDB, que é o partido social-democrata clássico, que não é direita nem esquerda, sempre foi acusado de ser da extrema-direita, porque fizeram privatizações. Depois, o PT foi obrigado a fazer também… Mas o pior insulto é sermos acusados de “neoliberais”, tal como acontece hoje na Europa.
- Como se define politicamente?
Eu identifico-me com o conservadorismo britânico