40anoslogo

PAULO RODRIGUES

 

Passaram recentemente 131 anos da assinatura do Tratado de Simulambuco, nos termos do qual Cabinda passou a ser um protectorado português. Para assinalar a efeméride e saber mais sobre a situação que actualmente se vive naquela região, O DIABO esteve à conversa com Carlos Puna, membro do Governo de Cabinda no exílio e descendente de um dos príncipes que assinaram o Tratado com Portugal. 

Nascido na cidade de Cabinda em 1955, Carlos Puna veio para Lisboa com apenas três anos de idade, altura em que o pai, oficial da Marinha Mercante, foi transferido para a então chamada Metrópole. Parente distante de nomes famosos em Portugal, caso dos Duques de Bragança e do médico Fernando Nobre, cresceu e constituiu família em Alfama, onde ainda reside, regressando à sua Cabinda natal apenas nas férias escolares. Mais tarde ingressaria nos Comandos, com os quais serviu Portugal na Guerra do Ultramar, sob o comando de Jaime Neves. Regressado a Lisboa, viria a seguir carreira profissional na área da electromecânica, tornando-se ao mesmo tempo numa figura incontornável após a integração forçada de Cabinda no estado angolano.

“A situação em Cabinda é dramática. Prisões arbitrárias, execuções sumárias… E não é de estranhar a nossa revolta pela ocupação a que somos sujeitos: a situação é de tal maneira rocambolesca que a maioria da população tem de comprar petróleo para ter luz em casa, enquanto Angola retira nada menos de 400 mil barris diários desse mesmo petróleo da nossa terra”, refere.

Para compreendermos a origem desta situação, temos de viajar no tempo, mais concretamente até 1975 e ao chamado processo de descolonização, altura em que, em clara violação do Tratado de Simulambuco, Portugal permitiu que uma Angola agora independente anexasse Cabinda sem auscultar sequer a população deste território.

“Melo Antunes ainda teve um rebate de consciência em Alvor, onde estivemos presentes mas nem fomos chamados a intervir. Mas prontamente Mário Soares e, sobretudo, Rosa Coutinho cortaram célere qualquer hipótese que não fosse a integração sumária de Cabinda em Angola”, recorda Carlos Puna. “Como resultado, declarámos unilateralmente a independência e fomos prontamente invadidos pelas FAPLA, as forças armadas angolanas, e seus aliados cubanos”.

E é ao falar da guerra e das suas vítimas que o Carlos Puna activista político e Comando dá lugar ao Carlos Puna sensível e pai de família: “A guerra é uma coisa terrível… e nós não temos nada contra os angolanos, apenas queremos ser donos da nossa terra. Por isso, não sou insensível à morte dos jovens angolanos, muitos deles pouco mais do que crianças transformadas em soldados mal preparados, que mal sabem disparar uma arma, e que José Eduardo dos Santos manda para o mato contra nós. Como é possível ele fazer aquilo a jovens do seu próprio povo?” diz-nos, visivelmente emocionado.

Perguntamos-lhe então se está ressentido com Portugal. “Não com Portugal, nem com os portugueses. Mas, com os seus governantes, sim. Todos eles me trataram sempre com todo o respeito, mas nada fizeram para honrar o seu compromisso com o nosso povo. Uns porque os interesses económicos falam mais alto e não querem conflitos com o governo angolano, outros por manifesta ignorância sobre o Tratado celebrado pelo meu antepassado e os outros príncipes cabindas com Brito Capelo, representante da Coroa Portuguesa”.

E, ligeiramente exaltado, reforça: “Na realidade, se Portugal tivesse a hombridade de honrar o seu compromisso e fizesse um acordo directamente com uma Cabinda independente, só teria a ganhar, coisa que não acontece enquanto defender a posição de Angola. O nosso território é riquíssimo em petróleo, madeiras nobres, fosfatos, gás, temos também diamantes e ouro, para além de muitos outros minérios valiosos. Possivelmente, se nos ajudasse a sermos donos da nossa terra e formasse a nossa juventude, Portugal não teria de andar de mão estendida à Europa, pois teria acesso privilegiado aos nossos recursos em troca pelo seu apoio”.

O que nos leva a nova pergunta: quem são as personalidades e partidos que, em Portugal, têm apoiado a causa de Cabinda? “D. Duarte de Bragança sempre tentou que a questão de Cabinda fosse resolvida. Mota Amaral, enquanto Presidente da Assembleia da República, também abordou a questão com José Eduardo dos Santos, mas sem qualquer resultado que não fosse a irritação do presidente angolano. Mais recentemente, Manuel Monteiro, quer enquanto líder do CDS quer no partido que depois fundou e entretanto se extinguiu, a Nova Democracia, deu igualmente voz à nossa causa.

Será que, se a opinião pública portuguesa fosse esclarecida sobre o que se passa em Cabinda, os portugueses de um modo geral também se solidarizariam com os cabindas? Carlos Puna é peremptório: “Sem dúvida! Apoiar-nos-iam como apoiaram a causa de Timor-Leste. Só que as informações sobre o que se passa em Cabinda não saem cá para fora, e mesmo os cabindas que abordam o tema no exterior receiam pela vida e pela segurança dos seus familiares que ficaram lá.

O resultado é que um espaço lusófono como é Cabinda está cada vez mais a cair na esfera da francofonia, mas ainda há esperança, quer na nossa libertação quer na nossa permanência como espaço lusófono. Até porque as tentativas de Angola e da imprensa portuguesa controlada pelo governo angolano no sentido de colocarem a opinião pública portuguesa e mundial contra nós, não colam: desde já, porque os cabindas não tratam mal os portugueses. Mesmo o rapto de alguns trabalhadores portugueses ocorrido há alguns anos atrás – e que, da nossa parte, jamais se repetirá –, visou apenas chamar a atenção do governo português para a nossa causa e todos foram bem tratados durante o cativeiro. E também porque, no atentado alegadamente perpetrado por gente nossa contra a selecção de futebol do Togo, as armas utilizadas não foram as que equipam as nossas forças na região, mas sim as que as FAPLA utilizam.

A máquina de propaganda angolana tem a escola russa e é eficaz, mas a mentira tem perna curta. Nós estamos em guerra apenas com Angola e apenas para recuperarmos a posse da nossa terra. Acontece que por vezes os serviços secretos angolanos pagam a cabindas para criar dissidências e fazer actos que só dão jeito a Angola, mas isso não é um problema pelo qual sejamos responsáveis. Temos a Justiça e a razão do nosso lado, e cada vez mais apoiantes nos locais onde fazemos conhecer a nossa situação”.