MIGUEL MATTOS CHAVES

No processo europeu, tudo foi feito nas costas dos Povos e das Nações, por dirigentes políticos que, ao contrário da geração fundadora, eram (e são) menos capazes e de menor qualidade e que, à viva força, queriam ser “originais” e entrar para os anais da “história” por qualquer coisa e a qualquer preço. A crise na União Europeia é de tal amplitude que, seja qual for o resultado final, nada ficará na mesma.

Já há alguns anos que escrevi sobre esta possibilidade, sobretudo a partir do alargamento da então Comunidade Europeia de 15 para 27 membros, alertando para a possível e mais que provável ingovernabilidade de um Bloco de Países Independentes com Estados Soberanos.

E esta dificuldade previsível, que aliás já estava patente mesmo a 15 membros, derivava e continua a resultar da natural divergência de opiniões e de diferentes visões do Mundo, dos seus Estados-membros e respectivos Governos, e mesmo do posicionamento, cultura, história e costumes dos diversos Povos integrantes desses mesmos.

Na verdade, o Continente Europeu é constituído por diversas Nações-Povos, com línguas diversas, com matizes religiosos (embora tenham uma base comum) distintos, com uma história da sua evolução, características e ambições próprias, dos quais a sua maioria atravessou uma história de mais de 1.000 anos de guerras entre uns e outros pela conquista de uma capacidade de auto-determinação e de auto-governo de forma a livrarem-se do jugo dos outros.

Dito isto, seria de esperar das figuras principais que representam os diversos Povos e Estados uma atitude de prudência e de realismo que tivessem em conta as diferenças em presença e os interesses próprios das diversas Nações e dos seus respectivos Estados, unindo-se no essencial mas mantendo uma autonomia que respeitasse cada um dos seus passados, história e ambições.

Ou seja, unirem-se pelos seus mínimos denominadores comuns:

  • A liberdade de circulação de pessoas;
  • A liberdade de estabelecimento;
  • A liberdade de circulação dos capitais;
  • A liberdade de prestação de serviços;
  • A constituição de uma União Aduaneira;

Que levassem ao estabelecimento do Mercado Comum.

Sobre estes princípios existia uma quase unanimidade de vontades entre dirigentes e povos europeus, expressa desde o Congresso de Haia de 1948, que reuniu cerca de 800 das mais ilustres personalidades de diversos países.

Ora nessa altura a corrente minoritária, constituída pelos que queriam ver implantada uma Confederação ou Federação de Estados na Europa Ocidental (dado que os países de Leste estavam na prática ocupados pela então URSS), quis avançar nessa direcção provocando uma primeira divisão política no seu seio.

E por causa deste tema (o Modelo de Organização) a Europa Ocidental dividiu-se em três Blocos:

1- Os que avançaram para a constituição de uma Comunidade Federal: a CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em que as matérias-primas, carvão e aço, passavam a ser governadas a partir de um Poder Central Supranacional, e anunciaram querer avançar para uma Comunidade caracterizada por uma Pauta Aduaneira Comum, isto é que coarctava de alguma maneira os direitos de cada País-membro de aplicar os direitos de importação que entendessem nas suas relações comerciais com o resto do Mundo; estiveram neste caso a França, que sonhava conduzir a Europa, mantendo a Alemanha num bloco que a inibisse de “novas aventuras”, os países do Benelux – Bélgica, Holanda e Luxemburgo – e a Itália.

2- Os que, rejeitando este modelo, avançaram para uma Comunidade Intergovernamental, a EFTA-AECL – Associação Europeia de Comércio Livre, que pretendia criar um espaço voluntário de comércio livre entre si, baixando as barreiras fiscais ou de trânsito de mercadorias industriais entre si, deixando a cada Estado a liberdade restante de decisão sobre todos os outros campos; estiveram nesse caso a Inglaterra, Portugal (cabeças de vastos Impérios de projecção mundial), a Dinamarca, a Suécia, a Áustria, a neutral Suíça e a Noruega (estes dois últimos países ainda hoje continuam a rejeitar pertencer à U.E., por decisão em Referendo dos seus Povos), que rejeitavam a possibilidade de integrar um Bloco em que as suas respectivas Soberanias de Estado e Independência como Nações fossem postas em causa.

3- Os que, sendo rejeitados, ou que rejeitaram integrar qualquer destes blocos, decidiram permanecer apenas na O.C.D.E. (bloco donde partiram os dois movimentos acima descritos).

Verificou-se, na sequência dos acontecimentos, que afinal a então prevista CEE – Comunidade Económica Europeia, plasmada no Tratado de Roma (que se juntaria, em termos de iniciativa, à primeira comunidade – a CECA), ao contrário das suspeitas iniciais dos países (dos 2º e 3º Blocos acima descritos), era afinal uma organização que respeitaria a Soberania dos Estados-membros e as Independências das suas respectivas Nações-Povos. Isto é, que pretendia ser uma Organização de Cooperação Económica e um Espaço de Liberdade (no que respeita às Liberdades acima enunciadas) e não uma Organização de Integração/Federal. Ou seja, que as Políticas Orçamental, Cambial e Fiscal se manteriam na esfera dos Estados-membros, que as Políticas Principais que caracterizam um Estado Soberano (Política Externa, de Defesa, de Segurança, de Justiça e Assuntos Internos) não seriam objecto de Integração/Federalização.

Isto provocou, com excepção da Noruega e da Suíça, um movimento de opinião que ia no sentido de se constituir (nos moldes do Tratado de Roma – cooperação inter-Governos/inter-Estados) uma única Organização Europeia, de forma a fortalecer a Europa Ocidental da ameaça oriunda do inimigo comum de então: a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), dominada pela Rússia Comunista.

E tudo correu bem até ao Tratado de Maastricht de 1992.

Aí aprofundaram-se divisões, ainda que com a assinatura dos representantes dos diversos Povos/Nações.

E o quadro que se gerou a partir daí, com a colação dos temas do Coração das Soberanias (Política Externa, de Defesa, de Assuntos Internos) e com a chamada à Integração das Políticas Monetárias, Cambial e, embora disfarçada, parte da Política Fiscal, foi um quadro de futuro incerto e de divisão, que persiste até hoje e que foi agravado com a crise grega e agora com a saída do Reino Unido.

Isto porque, maioritariamente, tudo foi feito nas costas dos Povos/Nações, por dirigentes/representantes que, ao contrário da geração fundadora, eram (e são) menos capazes e de menor qualidade e que, à viva força, queriam ser “originais” e entrar para os anais da “história” por qualquer coisa e a qualquer preço, mesmo passando por cima e ignorando tudo o acima exposto.

Por outro lado, com o progressivo alargamento do número de Estados-membros, verificou-se que a organização entrava num ciclo que favoreceria os Estados mais fortes, do ponto de vista económico, financeiro e de defesa. Porquê? Porque num bloco mais pequeno é mais fácil conciliar interesses, dada a menor dispersão dos mesmos, dada a menor dispersão geográfica e de interesses geopolíticos e geoestratégicos. É também mais fácil, dados os menores custos financeiros envolvidos, resolver questões financeiras e económicas.

E logo começaram as lutas de Poder entre mesmo as Instituições criadas: o Conselho Europeu, onde se reúnem os Chefes de Estado e de Governos Eleitos nos Estados-membros; a Comissão Europeia, escolhida pelos Governos dos Estados-membros; o Parlamento Europeu, onde deputados eleitos por cada Povo de cada Estado-membro, integram partidos transnacionais que se querem independentes dos Povos que os elegeram. E estas lutas e incongruências têm levado a mais discussões internas sobre assuntos menores do que à solução de assuntos relevantes, como é o caso da actual crise.

E agora, com esta crise, fica a nu a terceira causa da confusão instalada e a falta de qualidade da Organização que adoptou mais recentemente o nome de União Europeia: a sua construção feita nas costas dos Povos/Nações, que nela estão representadas pelos ocupantes do Poder dos Estados Soberanos.

E logo os representantes acima citados se apressam a condenar que um dos Governos, com assento no Conselho Europeu, que representam bem ou mal (a decisão é de outro Povo que não o nosso), quis ouvir o seu Povo/Nação sobre qual o caminho a tomar no futuro, dado que qualquer que seja o caminho escolhido este irá afectar todo e qualquer cidadão do seu país.

Um pequeno parêntesis: sendo eu de Direita Conservador, só tenho pena de que o Governo de Portugal, em 1992, não tenha colocado o Tratado de Maastricht a Referendo; e de que, em 1998, não tenha feito um Referendo à entrada ou não de Portugal na Moeda Única.

Agora, para fúria de muitos “democratas”, há um Governo que pôs a Referendo uma matéria que tem iguais ou mais graves implicações para a vida das pessoas que os elegeram e para a vida dos que neles não votaram.

Pelo meio deste quadro, cujo desfecho aguardarei com toda a calma, tenho duas constatações a fazer:

O quadro actual, por incapacidade e falta de qualidade da maioria dos dirigentes europeus, é grave

– Tanto para a União Europeia, porque foi longe de mais na Integração/Federação e na pretensão de “mandar” em cada país por de cima das vontades dos Povos de cada país e dos seus Parlamentos democraticamente eleitos;

– Como para os britânicos, embora creia que será menos grave para estes, porque nem os EUA, nem a Rússia, nem a China deixarão de tentar aproveitar a sua eventual saída, celebrando com eles as Alianças que mais lhes convierem.

De qualquer das formas, estes factores agora visíveis na União Europeia são de tal monta que, seja qual for o resultado final desta crise, nada ficará na mesma. E, neste caso, o mérito vai para os gregos e para os britânicos, pois a actual deriva federalista da União não prefigura nada de bom para o seu futuro e para o futuro da Europa. Veremos!

Como tenho dito em anteriores artigos: ou começa a haver bom-senso e sentido de Estado, para além da necessária visão estratégica, que não existe; ou começa a haver um recuo nas competências e poderes da União Europeia, em direcção ao estabelecido no Tratado Fundador – o Tratado de Roma – em favor dos Estados-membros; ou a União Europeia dissolver-se-á, dando origem a novos Blocos ou Organizações, com as seguintes possibilidades:

CENÁRIO 1 – Formação de dois eixos político-económicos:

– Paris-Bona-Varsóvia, com eventual inclusão de Moscovo;

– Londres-Washington-Madrid, com eventual inclusão de Lisboa.

CENÁRIO 2 – Relação entre EFTA e U.E.

Uma outra possibilidade para manter a paz e a harmonia entre os vários Povos que habitam o continente europeu consiste na formação do seguinte quadro político-económico:

O renascimento/fortalecimento da E.F.T.A, que ainda funciona e de que são membros a Noruega, a Suíça, o Liechtenstein e a Islândia, com o retorno do Reino Unido e de vários outros países que não se identificam com uma Europa sob a “ditadura” alemã;

A permanência na U.E. dos países que aceitarem o domínio alemão, o caminho da federalização e da diminuição da respectiva Soberania;

E a manutenção em vigor do Espaço Económico Europeu que consiste num acordos de livre comércio e de circulação de pessoas entre a U.E. e a E.F.TA., acomodando assim as relações entre as várias Nações/Povos/Estados, acomodando igualmente as diferenças entre os que estão geograficamente situados no Continente Europeu.

CENÁRIO 3 – Muito improvável

A possibilidade remota (e menos provável) de se assistir à restauração do Tratado de Roma, com o regresso à ideia original dos principais Pais Fundadores da C.E.E – A Europa das Nações Livres e Soberanas.

Este cenário implicaria a eliminação pura e simples dos Tratados de Maastricht, Amesterdão, Nice e Lisboa, o que, repito, não creio que venha acontecer.

Qualquer dos cenários nº 2 ou nº 3 possibilitariam uma saída airosa e credível para os problemas que atravessamos e permitiria manter a paz no continente por acomodar as vontades e os interesses dos vários países.

No campo meramente das probabilidades para a resolução da presente crise, vejo como mais credível e possível de acontecer o quadro constante do cenário 2.

Vamos ver, depois de assentar a poeira da excitação pouco racional a que agora se assiste, o que sucederá.

Por mim, vou observar, como sempre o faço, com muito interesse a evolução dos acontecimentos, sem me excitar demasiado com o dia-a-dia de um processo de negociação política em que, como é típico de qualquer processo, qualquer das partes dramatiza demasiado as suas posições. Essa dramatização (e aqui não há inocentes) torna o desfecho difícil de prever, pois só os próprios intervenientes conhecem em detalhe o que está em causa.

Aguardemos, pois, com calma e sem as declarações lamentáveis, que apenas retratam desejos, com que alguns políticos e jornalistas nos têm brindado.