Após o Brexit, algumas vozes começaram a exigir em Portugal um referendo igual ao do Reino Unido. Mas a possibilidade de Portugal deixar a UE num futuro próximo é extremamente limitada. Sem consultar o povo, a classe política portuguesa amarrou-nos aos destinos desta falsa União.
Catarina Martins, a líder do Bloco de Esquerda, pensou ter descoberto mais uma “causa fracturante” após o referendo no qual o povo britânico declarou a sua vontade de sair da União Europeia, ao propor a realização de uma consulta semelhante em Portugal. O súbito patriotismo de Catarina Martins é deveras interessante, mas também suspeito.
À primeira vista, parece haver coincidência entre a sugestão do Bloco e uma proposta semelhante do Partido Popular Monárquico, feita publicamente nos últimos dias. Mas só à primeira vista: o PPM é genuinamente eurocéptico, e há muito tempo. Teve, até, o seu melhor resultado eleitoral de sempre (o das eleições europeias de 1987) com uma plataforma abertamente contra a participação de Portugal na UE, tendo como figura de proa o escritor Miguel Esteves Cardoso.
Catarina Martins, por sua vez, lidera um partido que tenta conciliar uma mixórdia de ideologias e tendências, mas onde quase todos perfilham o internacionalismo proletário. Se a União Europeia se chamasse União das Repúblicas Socialistas Europeias, dificilmente Catarina Martins aceitaria um referendo com vista à saída de Portugal.
Mas a União Europeia não precisa de tanques soviéticos para nos manter submissos como um dos países escravizados do Pacto de Varsóvia: os nossos políticos conseguiram amarrar-nos ao “projecto europeu” de tal forma que não estamos em posição de abandonar o barco.
Europatetas
A ideia de nos juntarmos à UE, então ainda denominada Comunidade Económica Europeia (CEE), ganhou corpo no tempo em que Mário Soares foi primeiro-ministro. Feito o pedido de adesão em 1977, os nossos “amigos” europeus levaram nove anos a decidir se nos queriam no clube. Ao longo de todos esses anos, nunca um dirigente político português se “lembrou” de consultar o povo português sobre a questão.
Esse padrão anti-democrático veio a manter-se: não houve referendo quando a CEE se transformou na federalista UE, não houve referendo sobre a adesão ao Euro. Em termos de União Europeia, os portugueses comem e calam.
Países como a Noruega, por exemplo, tiveram mais senso comum: os Governos colocaram a questão ao povo que, considerando que a adesão à UE não correspondia ao interesse nacional, nunca votaram a favor.
No entanto, a cada pedaço de papel que os nossos líderes assinaram sem consulta popular, mais nos enterrámos. O Reino Unido tem condições para sair por manter a Libra, logo a dívida será sempre emitida e paga na sua própria moeda. Outros países que tiveram bom senso incluem a Dinamarca, que manteve a Coroa Dinamarquesa, e a Suécia, que manteve a Coroa Sueca. Todos estes países têm tido taxas de crescimento económico bastante superiores à média da Zona Euro.
Caso Portugal decidisse abandonar a União Europeia, teria forçosamente de abandonar o Euro, mas teria de pagar em Euros as dívidas contraídas – algo desastroso, considerando que teríamos voltado a ter moeda própria. É difícil determinar que valor poderia ter um novo Escudo, mas a realidade é que a moeda, caso não esteja dentro do padrão ouro, vale tanto como a confiança na pujança económica de um país. Infelizmente, desde que entrámos no Euro, Portugal tem visto a sua economia estagnar. Entre 2000 e 2011, o nosso País apenas cresceu 6 pontos percentuais, muito aquém dos 29% da Irlanda ou os 22% da Espanha.
O despesismo desenfreado dos sucessivos Governos desde 1974 ajudou a cimentar a nossa submissão e os políticos insistem em enganar o povo com a ideia de que gastar à tripa-forra é um sinal de soberania. O actual Governo, por exemplo, fez um grande espectáculo com a “derrota” da austeridade de Bruxelas, mas o seu “milagroso” orçamento foi feito à custa de um significativo atraso no pagamento de dívidas, o que nos deixa amarrados por ainda mais tempo à UE. Alguns dos pagamentos foram mesmo atrasados para daqui a 20 anos. A dívida, que chega aos 130 por cento do PIB, apenas pode mantida porque o Banco Central Europeu assegura juros de dívida baixos.
Prenda envenenada
Entretanto, em troca de desmantelarmos a nossa máquina produtiva (e, por arrasto, a nossa independência e liberdade), a União Europeia injectou quase 200 mil milhões de euros em Portugal em fundos de coesão, projectos co-financiados e fundos estruturais. Muitos deste dinheiro acabou por ir para auto-estradas que hoje estão às moscas, enquanto a agricultura, a pesca e a indústria definharam debaixo do Euro.
A dependência de Portugal é hoje avassaladora. Quase 79 por cento das nossas exportações vão para a União Europeia, e a CPLP simplesmente não existe enquanto bloco económico. Em comparação, somente 55 por cento das exportações do Reino Unido vão para União Europeia, e a Commonwealth tem sido vigorosamente promovida pelo Governo de Sua Majestade (a tal ponto que Moçambique se juntou a esta organização). A ela pertencem antigos Domínios que já manifestaram interesse em voltar a abraçar a velha Metrópole, como o Canadá e a Austrália, cujas economias são extremamente prósperas. Como escreveu o histórico e influente estadista Henry Kissinger no ‘Wall Street Journal’, os Estados Unidos vão certamente acabar por fazer o mesmo por uma questão de necessidade. Mesmo fora da União Europeia, o Reino Unido não deixa de ser o seu principal aliado na Europa.
O regime abrilista, hipnotizado pelas fábulas europeias, perdeu pouco tempo a desenvolver relações comerciais fora da União Europeia, nomeadamente com os Estados Unidos. Como noticiado na imprensa comercial, a máquina diplomática do Reino Unido terá de fazer um trabalho intenso nos próximos anos, mas leva uma considerável vantagem em relação a países como Portugal, que delegaram essa função na União Europeia.
Sair ou não?
Sair da União Europeia iria custar-nos, para usar as palavras de Winston Churchill, “sangue, suor e lágrimas”. Portugal teria de recuperar tudo o que se perdeu nas últimas duas décadas de estagnação só para poder sonhar com um referendo à permanência na UE. À medida que nos “integrámos” mais nas estruturas europeias, mais difícil tornámos a nossa saída. A classe política criou essa situação, a mesma classe política que nunca convocou os portugueses a pronunciar-se sobre se queriam este projecto ou esta moeda.
O Reino Unido está em posição de poder sair porque sempre lutou para não ser absorvido pelo continente. Nós, pelo contrário, deixámo-nos ir tranquilamente. Se hoje a possibilidade de Portugal reconquistar a sua independência é remota, podemos encontrar a causa nos erros cometidos durante décadas pela nossa classe política.