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O Partido dos Trabalhadores controla há 13 anos os destinos do maior país da América do Sul, mas o seu tempo no poder pode estar a acabar. A “Presidenta” prometeu auroras douradas, mas o país está a braços com uma crise económica profunda. Cada vez mais impopular e isolada por uma vaga constante de escândalos de corrupção, Dilma Rousseff está em apuros.

Há um ditado bem português que se aplica que nem uma luva à actual situação política do Brasil: “Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. De facto, cada vez há menos “pão” em terras brasileiras: o PIB contraiu  3,8 por cento em 2015. Os brasileiros, especialmente aqueles com algumas poupanças, os pensionistas e os assalariados, bem têm razão para temer o futuro: a taxa de inflação está a disparar.

E nem mesmo o tremendamente caro Mundial de Futebol serviu para dinamizar a economia, mostrando novamente que as teorias de investimento público só servem quando integradas num plano com pés e cabeça. Plano que já se revelou que o governo de Dilma não tem.

O receio, agora, é que o Brasil esteja a caminho de uma das piores armadilhas da teoria económica: a “estaflação”, mistura de estagnação económica e inflação elevada.

Excesso de regulação

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Com o camarada Hugo Chávez, no tempo da “revolução”

Esta “armadilha” atingiu duramente os países ocidentais durante os anos 70, aquando das sucessivas crises do petróleo, e só com enorme dificuldade e muitos sacrifícios foi possível superar a crise (que afectou, em Portugal, o último período do governo de Marcello Caetano). Os efeitos da “estaflação” podem ser tão profundos que, nos anos 70, até a potência económica que é o Reino Unido teve de pedir ajuda económica ao FMI.

No Brasil, assim que o “boom” dos recursos parou, nomeadamente com a queda do preço do petróleo associada a um decréscimo geral do valor da maioria das matérias-primas, a economia desacelerou, visto que o sector industrial mal tem capacidade para produzir para as necessidades do próprio país (quanto mais exportar) e o sector dos serviços está pouco internacionalizado. Para além de alpergatas “havaianas” de plástico, o Brasil pouco mais consegue exportar.

Infelizmente para Dilma, vencer a “estaflação” é difícil para governos populistas de esquerda. Exige profundas reformas monetárias, que implicam parar de imprimir e desvalorizar moeda, o que, por sua parte, exige que o país tenha as suas contas em ordem.

A “estaflação” não pode ser vencida com investimento: pelo contrário, segundo a maioria dos economistas, incluindo várias figuras de esquerda, a principal causa da “estaflação” é o Estado, nomeadamente um excesso de regulação da economia.

Remédio amargo

Austeridade e desregulação: são duas as soluções para o Brasil controlar a “estaflação”. Mas essas medidas podem arruinar o Partido dos Trabalhadores (PT) no poder, que construiu a sua fugaz “popularidade” com base no despesismo e no populismo.

Dilma mantém uma rede de pesadas taxas alfandegárias sobre todos os produtos importados, chegando a abranger artigos que o Brasil não produz, como iPhones ou vinho do Porto. A maioria dos produtos importados paga 12% de taxas de importação mais 5% de imposto de consumo, o que adiciona 17% ao preço final de qualquer artigo estrangeiro.

Mas em alguns produtos específicos o preço pode ser agravado em 50%, ou mais, pelas taxas de importação. Muitos brasileiros mais ricos preferem voar até Miami e fazer compras lá: mesmo contabilizando a viagem, fica mais barato do que comprar no Brasil.

Os mais pobres, simplesmente, não compram alguns dos produtos que nós na Europa consideramos comuns.

O objectivo destas políticas “trabalhistas” é evitar que o desemprego aumente, protegendo do mercado internacional indústrias com maquinaria arcaica e mão-de-obra pouco ou nada qualificada (embora muito sindicalizada).

Mas logo aí começa o problema: apesar da fachada, apenas 28% do crescimento económico do Brasil entre 2005 e 2011 se deveram a aumentos na produtividade (em países com crescimento sustentável, como a Polónia, a produtividade representa 84% do crescimento). O Brasil de Lula e Dilma andou a fazer a “festa” graças aos elevados preços do petróleo, mas agora, com os preços mais baixos, chegou a “ressaca”.

Esbanjamento

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Dilma com José Sócrates, no tempo das “vacas gordas”

Acabar com estas políticas poderia restaurar o crescimento brasileiro, mas à custa de um aumento drástico do desemprego. Dilma também teria de parar de gastar as somas astronómicas de dinheiro que tem investido em elefantes brancos. As grandes obras, como as que foram realizadas para o Mundial de Futebol e as Olímpiadas, são a expressão máxima de uma enorme estratégia de “pão e circo”, com efeitos macroeconómicos muito duvidosos.

Os portugueses aprenderam essa lição de forma dura, visto que José Sócrates, actual residente na cela numero 44 da Prisão de Évora, tentou resolver a grave crise económica portuguesa gastando inutilmente quantidades cada vez maiores de dinheiro. E não esqueçamos que, antes de falir de forma estrondosa, também a Grécia organizou umas Olímpiadas…

Simplesmente, goste ou não, Dilma vai ter de parar o esbanjamento. O ministro brasileiro das Finanças, Joaquim Levy tentou adoptar medidas de contenção de despesa, mas nem durou um ano no cargo. O eleitorado do PT é conhecido por beneficiar de uma vasta e tentacular rede de clientelismo e subsídio-dependência e nunca iria aceitar estas medidas.

PMDB à espreita

Apesar de ser Presidente, Dilma não controla unilateralmente qualquer das duas câmaras legislativas do Brasil: o Senado Federal (com poderes fiscalizadores, onde 81 senadores representam os 26 Estados) e a Câmara dos Deputados (legislativa, com 513 eleitos por voto universal e directo).

Longe disso, na verdade. O Partido dos Trabalhadores pode ser o partido com maior número de assentos na Câmara dos Deputados, mas o sistema eleitoral brasileiro é tão permissivo, e o sistema partidário tão fragmentado, que o PT apenas ocupa 65 assentos em 513. É apenas mais um entre 28 outros partidos.

E a primeira derrota surgiu quando Eduardo Cunha, do Partido do Movimento Democrático do Brasil, o segundo maior partido do país, se tornou o presidente da Câmara dos Deputados. Com este resultado, o PT perdeu o poder de iniciativa legislativa na Câmara Baixa. O Senado Federal também é liderado por um elemento do PMDB.

Apesar de pertencer a um dos partidos que apoia o actual Executivo, Cunha tem um historial de conflito com a “Presidenta”, com quem já entrou em conflito por questões orçamentais.

Ainda para mais, Eduardo Cunha está acossado pelo seu próprio alegado envolvimento no caso “Petrolão”, no qual sente que não recebeu apoio suficiente de Dilma. Isto poderá vir a tornar-se um problema sério para a “Presidenta”, visto que o dirigente do PMDB é, como presidente do parlamento, a pessoa com poder para decidir se põe ou não em movimento um processo de destituição do cargo presidencial – o célebre “impeachment”.

“Petrolão”

A empresa pública petrolífera “Petrobras”, uma das maiores empresas do mundo, não só tem sido pessimamente gerida pelo PT, como pelos vistos andou a servir de “porquinho mealheiro” para alguns dos governantes da esquerda no Brasil. Os factos sobre este escândalo começaram a vir à superfície no âmbito do “caso lava jacto”, um imenso esquema de lavagem de dinheiro que envolveu 3 mil milhões de euros.

Uma das acusações mais prejudiciais para Dilma é a de que este mesmo esquema de corrupção financiou a sua campanha de reeleição com 500 milhões de euros.

Falta ainda apurar se a “Presidenta” esteve directamente envolvida na corrupção, e os indícios não são bons. Seja como for, Dilma Rousseff liderou o Conselho de Administração da “Petrobras” entre 2006 e 2010, precisamente a fase em que enormes doações teriam saído da empresa pública para o Partido dos Trabalhadores de Dilma. Pior: a actual Presidente também serviu como secretária de Estado e ministra da Energia, pastas onde tinha a seu cargo a regulação do sector petrolífero, ou seja, da “Petrobras”.

A mais impopular

Dilma não seria a primeira Presidente do Brasil a ter o seu mandato cassado por decisão legislativa. O impopular Fernando Collor de Mello foi “julgado” durante sete meses por uma comissão parlamentar de inquérito devido a alegações de corrupção. Foi impedido de continuar a exercer as funções de Presidente pela Câmara dos Deputados, e demitiu-se antes de o Senado o expulsar formalmente do cargo.

Dilma é agora a figura política mais impopular dos últimos 15 anos: apenas 1 em 10 brasileiros a quer no cargo. No famoso caso do “mensalão”, o antecessor de Dilma, Lula da Silva, invocou desconhecimento para alegar a sua inocência. Para Dilma, escapar alegando que de nada sabia pode ser mais complicado: afinal, é inegável a sua íntima relação com as decisões da petrolífera, quer como gestora quer como governante.

Caso se viesse a provar que Dilma tinha estado directamente ligada ao escândalo da “Petrobras”, um processo de “impeachment” pode ser instaurado na Câmara dos Deputados. Em declarações à revista “Exame”, o professor e jurista brasileiro Ives Martins afirmou existirem condições para um impedimento e remoção do mandato de Dilma, pois omissão, negligência ou imprudência são crimes passíveis de “impeachment”.

O processo pode ser iniciado por qualquer cidadão, mas tem de ser avaliado e apresentado à Câmara dos Deputados pelo seu presidente. Se a Câmara decidir avançar com o processo, uma decisão final terá de ter a aprovação de dois terços dos membros da Câmara, bem como do Senado Federal.

O Partido dos Trabalhadores não tem deputados nem senadores suficientes para evitar um “impeahment”, e o grande rival dos “trabalhistas”, o Partido Social Democrático do Brasil, terceiro maior partido, votaria certamente a favor da destituição de Dilma. Caso a “Presidenta” fosse destituída, Michel Temer, actual vice-Presidente e dirigente do PMDB, assumiria o cargo.

No momento em que muitos dirigentes do próprio PT começam a questionar a sua liderança, Dilma Russeff está entre a espada e a parede.

O Palácio do Planalto já treme. Resta saber se a inquilina sai.