Mais de 3,6 milhões de euros foi quanto ganharam 19 ex-governantes, em 2013. Eduardo Catroga e Luís Amado fazem parte da lista de antigos ministros e secretários de Estado que hoje integram administrações de empresas privadas.

Portugal está centrado em Sócrates, mas a verdade é que o antigo primeiro-ministro é só um entre dezenas de casos que nunca chegaram a ser investigados. Para que o leitor saiba, 19 antigos ministros e secretários de Estado de Governos PSD, CDS e PS fazem parte das administrações de nove empresas privadas cotadas na Bolsa. Juntos ganharam mais de 3,6 milhões de euros em 2013, segundo a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

No topo desta lista de 19 ex-governantes figurava António Mexia, com uma remuneração de cerca de um milhão de euros. O ex-ministro das Obras Públicas de Pedro Santana Lopes era o gestor mais bem pago, ocupando o cargo de presidente executivo da EDP.

Mas há outros nomes ligados ao PSD. Eduardo Catroga – o homem de Passos Coelho que negociou com a troika – saiu da lista de possíveis ministros do actual Governo depois de algumas infelizes declarações que o obrigaram a tirar umas férias compulsivas no Brasil.

O representante do PSD nas negociações com a ‘troika’ acusou os jornalistas de não discutirem “quais são as medidas do sistema de justiça, como é que vão reforçar o poder dos directores das escolas, como vão reforçar o ensino técnico-profissional que vai ser uma revolução”. “Em vez de andarem a discutir as grandes questões que podem mudar Portugal andam a discutir, passo a expressão, pentelhos”, acrescentou.

A “expressão” foi a gota de água. Catroga afastou-se da política e ganhou um lugar na EDP de António Mexia. O ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva recebeu 490 mil euros como presidente do conselho geral e supervisão da eléctrica nacional.

Luís Palha da Silva pode não ser um nome tão conhecido dos portugueses. O ex-secretário de Estado da Distribuição e Concorrência no último Governo de Cavaco Silva (1992-1995) recebeu da Galp, no ano passado, mais de 550 mil euros.

Curiosamente, em 2010, Luís Palha da Silva foi anunciado como o novo director de campanha de Cavaco Silva para as eleições presidenciais, sucedendo a Alexandre Relvas.

PS também tem esqueletos

Outro ex-secretário de Estado, Carlos Costa Pina, ganhou mais de 500 mil euros como membro do Conselho de Administração e da Comissão Executiva da Galp Energia, cargo que ocupa desde 2002.

Este ex-governante (num dos Executivos de José Sócrates) esteve envolvido no caso dos “swaps”. Carlos Costa Pina considerou, à época, que as conclusões preliminares do inquérito parlamentar aos “swaps” assentavam, “de uma forma leviana, num ataque pessoal”.

O ex-secretário de Estado do Tesouro acrescentou que o projecto de relatório final “não é sério” e “insiste em manobras de diversão para branquear a actuação do actual Governo”.

Já Luís Amado, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros – também durante a governação de José Sócrates – ganhou mais de 150 mil euros enquanto presidente do Banif.

Em Abril do ano passado, o antigo secretário de Estado das Obras Públicas, Luís Parreirão, defendeu que, se existem dúvidas sobre a passagem de responsáveis em cargos públicos para o sector privado, essa matéria deve ser esclarecida, publicando-se novas regras legais.

Isto porque, na comissão parlamentar de inquérito às Parcerias Público-Privadas (PPP), o ex-adjunto de Jorge Coelho rejeitou a existência de qualquer “incompatibilidade” no facto de, um ano depois de ter saído do Governo, ter integrado a Mota-Engil como administrador.

Luís Parreirão, que foi ouvido enquanto presidente do conselho de administração da Aenor Douro, empresa a que foi adjudicada a concessão Douro Interior em 2008, disse sentir-se “perfeitamente tranquilo” com a passagem do público para o privado.

A concessão Douro Interior, situada no nordeste de Portugal, foi adjudicada em Novembro de 2008 à AENOR-Douro Interior, actual Ascendi Douro-Estradas do Douro Interior, detida maioritariamente pela Mota-Engil, sendo uma das PPP lançadas pelo Governo de José Sócrates.

Ainda na Mota-Engil houve o estranho caso de Jorge Coelho. O socialista ‘deu’ à Mota-Engil os maiores negócios das SCUT e posteriormente tornou-se presidente executivo da empresa. Não há ilegalidade, mas há, no mínimo, muita promiscuidade. A construtora passou a ter dois ex-ministros e um ex-secretário de Estado das Obras Públicas na direcção.

Da Esquerda à Direita

Celeste Cardona, ex-ministra da Justiça, ganhou mais de 70 mil euros à conta da EDP. O DIABO entrevistou recentemente Gustavo Sampaio, autor de “Os Privilegiados”. No seu livro, Gustavo Sampaio refere-se ao fluxo de antigos políticos para as grandes empresas com cotação na Bolsa de Lisboa.

E por isso mesmo não se livrou de ver Celeste Cardona a avançar com um processo que pretendia retirar os livros de circulação. “Limito-me a apresentar factos – factos conhecidos e públicos: as nomeações de Celeste Cardona, primeiro para a Caixa Geral de Depósitos (CGD) e depois para o conselho geral e de supervisão da EDP”, adiantou o escritor. O tribunal deu-lhe razão.

Mas há muitos outros casos, de que os portugueses falaram mas que não caem sob a alçada da lei, por mais que seja discutível a sua moralidade. António Sérgio Azenha aborda o assunto em “Como os políticos Enriquecem em Portugal”.

Joaquim Ferreira do Amaral, por exemplo, assumiu a presidência da Lusoponte depois de ter sido, anos antes, ministro das Obras Públicas de Cavaco Silva; Joaquim Pina Moura trocou o cargo de deputado pelo de presidente da Iberdrola e da Media Capital, quando antes fora ministro da Economia de António Guterres.

Já em 2010 ocorreram mais dois casos polémicos: em Abril, António Castro Guerra, secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação até Outubro de 2009, foi designado presidente da Cimpor; em Outubro, Agostinho Branquinho, então deputado do PSD, abandonou a Assembleia da República para ir trabalhar numa empresa da Ongoing no Brasil.

O ingresso de Agostinho Branquinho na Ongoing agitou os meios políticos e chocou o País. Como sempre, o balão da polémica esvaziou com a passagem do tempo, e nada aconteceu. E tudo indica que assim continuará a suceder enquanto o regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos não sofrer alterações no prazo temporal e nos termos legais em que deve vigorar o ‘período de nojo’. A realidade da vida política portuguesa provou, nos últimos 20 anos, que o ‘período de nojo’ não passa de uma mera limitação jurídica com escassa utilidade prática.

Privados recheados de governantes

Em 2008, o “Diário Económico” deitou-se a fazer contas e chegou à conclusão de que metade das empresas privadas tinha gestores que já foram políticos. O número de políticos em altos cargos no sector privado faz recordar aquela observação que antes se ia dizendo por graça mas que, pelos vistos, é verdadeira: mais importante do que ser ministro… é já ter sido.

Os resultados estão aí. Chamam-se “Caso BES”, “Caso BPN”, entre outros. Aliás, o banco fundado e afundado por ex-governantes serviu de plataforma para branquear capitais e distribuir dinheiro pelo círculo próximo. A factura está a ser paga pelos contribuintes e pode chegar aos 8 mil milhões. As investigações e processos arrastam-se na justiça e o BPN acabou entregue ao capital angolano a preço de saldo.

Em 1998, Oliveira e Costa fez-se rodear na administração da Sociedade Lusa de Negócios (SLN) por figuras ligadas ao antigo poder cavaquista. O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais conhecia bem a máquina do fisco e as suas fraquezas.

Chamou para cargos de responsabilidade figuras como o conselheiro de Estado e ex-ministro Dias Loureiro, que chegou a aconselhar o Governo de Passos Coelho, e o seu secretário de Estado Daniel Sanches. Também Rui Machete e Fernando Aguiar Branco, pai do actual ministro da Defesa, figuraram em cargos no BPN. Já na fase final do mandato de Oliveira e Costa, foi chamado à gestão da SLN Franquelim Alves, que tinha passado pelo governo Barroso/Portas e regressou – ainda que por breves instantes – a este Governo de coligação na remodelação dos secretários de Estado.

O problema não é só português, aliás. Lá fora sucede o mesmo. E não se pode condenar ninguém por querer ganhar o bom dinheiro a mais que os privados pagam em relação ao sector público. A questão é que as empresas privadas, quando “pescam” ex-políticos, procuram sobretudo a excelente carteira de contactos e influências constituída durante a sua passagem pelos órgãos do poder.

Por vezes, nem sequer importa que dominem o sector económico que os contrata: basta que existam e peguem no telefone…