EVA CABRAL

O Presidente da República começou a dar sinais claros de que está preocupado com a situação económica do País.

Marcelo Rebelo de Sousa decidiu ouvir os partidos e os parceiros sociais para tomar o pulso à temperatura política que sempre considerou que sobe de tom em Julho. E com o mês de Julho a terminar, Marcelo veio dizer aos portugueses: “Basta terem ouvido aquilo que disseram os partidos e os parceiros sociais à saída das audiências para terem percebido que não há crise política, e não vai haver crise política”.

Mas o PR está vivamente preocupado com o que se está a passar a nível do crescimento económico. E se começou a semana passada a vetar um diploma do governo sobre os estatutos da Sociedade de Transportes Públicos do Porto (STCP) e da Metro do Porto, aproveitou para fazer uma declaração ao País em que, a propósito da não aplicação de sanções por parte da Comissão Europeia, foi muito duro – deixando um pesado caderno de encargos ao Executivo de Costa.

Para Marcelo, existem quatro desafios que o Governo tem pela frente, depois da vitória em matéria de sanções: “a necessidade de mais investimento”, a importância do reforço do sistema financeiro, a urgência de que os fundos europeus sejam aplicados “depressa e bem” e o compromisso de que as novas metas estabelecidas por Bruxelas “continuem em condições de ser cumpridas, em 2016 como em 2017”.

Marcelo quis afastar o risco de uma crise política aquando do Orçamento para 2017 e demonstrou querer fazer tudo o que lhe é possível para a evitar.

Mas do lado da economia os equilíbrios da ‘geringonça’ para se manter no poder levam a que Costa tenha de fazer cedências gigantescas aos seus parceiros mais à esquerda. Cedências que deterioram o clima propício à economia e à boa governação.

Ao falar da necessidade de mais investimento, o Presidente da República está a referir-se ao ambiente para a concretização de negócios, que veio a degradar-se com o Executivo de Costa. Desde logo, pelo facto de este não honrar os compromissos tomados por Executivos anteriores.

O caso dos STCP

O caso dos STCP vale pelo simbolismo que tem. Com o veto, Marcelo explica que o diploma socialista era “politicamente excessivo e contraditório com os objectivos assumidos no quadro da governação em funções”. Mais: “O regime em apreço, ao vedar, taxativamente, qualquer participação de entidades privadas, representa uma politicamente excessiva intervenção da Assembleia da República num espaço de decisão concreta da Administração Pública – em particular do Poder Local -, condicionando, de forma drástica, a futura opção do Governo, em termos não condizentes com o propósito por ele enunciado, e, sobretudo, a escolha das autarquias locais, que o Governo se comprometeu a respeitar no domínio em questão”, justifica.

Recorde-se que o Executivo PSD/CDS-PP tinha organizado um concurso tendo em vista a concessão dos STCP a privados, considerando ser esta a única solução para a empresa. Os vencedores dos concursos, naturalmente, sentem-se lesados com a reversão feita pelo actual Governo. Criou-se um clima de insegurança em matéria de investimentos, e várias embaixadas fizeram protestos.

A análise da Moody’s

O segundo aviso deixado por Marcelo – a importância do reforço do sistema financeiro – é dos mais preocupantes. Basta ver as dificuldades com a venda do Novo Banco e com a situação em torno da recapitalização da CGD.

Na última semana, a Moody’s fez uma análise assustadora ao considerar que “a fragilidade bancos portugueses, com elevados níveis de activos problemáticos nos seus balanços, é uma das principais causas do fraco crescimento económico Portugal”. “Colectivamente, os bancos portugueses estão entre os menos capitalizados da Zona Euro e não vemos espaço para grandes melhorias nos próximos 12 a 18 meses”, diz a agência de notação financeira, num relatório sobre o sector bancário em que refere que, apesar da ligeira melhoria na rentabilidade das instituições em Portugal, essa ainda permanece um desafio, agravada pelo contexto de menores receitas devido à queda das taxas de juro e dos ganhos em operações financeiras.

Mas a Moody´s chama ainda a atenção para os riscos com os activos problemáticos – nomeadamente o crédito malparado – que são ainda “muito elevados” nos bancos portugueses. Para a agência de notação, “os problemas estruturais no sector bancário são um dos principais factores para as moderadas perspectivas de crescimento” em Portugal, já que com tantos activos problemáticos no balanço os bancos são “empurrados para uma desalavancagem agressiva do sector corporativo”, pelo que as empresas não conseguem financiamento para investir, penalizando fortemente a economia.

O Presidente da República tem sérias razões de preocupação, e o atraso com que o dossier da CGD tem sido gerido tem agravado a situação.

Novo Banco e CGD

A venda do Novo Banco e a capitalização do banco público CGD que está a ser negociada entre as autoridades portuguesas e europeias são dois dossiers que preocupam muito Marcelo Rebelo de Sousa, que já chegou a afirmar que a nova administração da Caixa estaria na iminência de entrar em funções quando agora o Governo está a pedir a José de Matos que mantenha a sua equipa ainda durante o mês de Agosto.

Na avaliação da Moody’s, “a incapacidade para recapitalizar suficientemente a CGD não só coloca a solvabilidade do banco em risco, como pode afectar a estabilidade de todo o sistema bancário português, dada a sua posição proeminente no mercado” (a quota de mercado da Caixa era de 29% nos depósitos e 22% nos empréstimos no final de Março).

Se a recapitalização da CGD é uma inevitabilidade, o Estado português terá sempre que se endividar nos mercados para obter a quantia que vier a ser necessária, sendo certo que Bruxelas já adiantou que estes montantes não serão contabilizados a nível do défice, antes vão passar em directo para a Dívida Pública. A Dívida está a aumentar, com a agravante de as taxas de juro pagas por Portugal estarem em rota de crescimento quando comparadas, por exemplo, com as da vizinha Espanha.

Num último alerta, a Moody’s diz que “há a forte possibilidade de uma erosão do capital da CGD nos próximos meses” se o banco continuar a apresentar prejuízos.

Fundos europeus

O terceiro repto de Marcelo ao Executivo de Costa é que os fundos europeus sejam aplicados “depressa e bem”. Este desafio tem como pano de fundo o facto de o Governo, para assegurar resultados das Finanças Públicas no primeiro semestre compatíveis com as exigências de Bruxelas, estar a reduzir o investimento público, o que prejudica a aplicação dos fundos que exigem sempre uma comparticipação nacional. Daí o apelo do Presidente de que os fundos cheguem rapidamente à economia para reactivar o crescimento.

Para ter bons números para apresentar em Bruxelas referentes ao primeiro semestre, o Executivo optou igualmente por atrasar pagamento a fornecedores, designadamente em relação aos gastos dos hospitais. Este tipo de mecanismos acaba por criar uma bola de neve que prejudica o crescimento da economia, pois quem não recebe o que já forneceu terá dificuldade em encomendar mais.

Por fim, o PR refere o compromisso de que as novas metas estabelecidas por Bruxelas “continuem em condições de ser cumpridas, em 2016 como em 2017”. E Marcelo tem toda a razão em pôr este como o último ponto do seu caderno de encargos ao Executivo de Costa.

A agência de ‘rating’ DBRS está preocupada com o risco de desvios na execução orçamental neste ano – a que chama “possíveis pressões orçamentais”. Recorde-se que esta agência tem o único ‘rating’ acima de lixo para Portugal, e garante que irá “analisar cuidadosamente a resposta do Governo na correcção do défice excessivo deste ano”. Acrescenta, contudo, que o cenário mais negativo de todos seria “um conflito com a Comissão Europeia“, o que foi para já ultrapassado.

Apesar disso, a DBRS avisa que “uma suspensão parcial dos fundos comunitários continua a ser uma possibilidade para 2017, especialmente se não houver cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento”.