João Bargão dos Santos

Major-General

O debate sobre tão importante questão deve ser feito sem receios e sem tabus, para nos possibilitar encontrar a melhor e mais adequada solução visando a defesa e a segurança, que pode ter um SMO com mais ou menos ajustes e variantes, mas fundamentalmente com umas Forças Armadas com capacidade efectiva de defesa das nossas vidas e património.

Se vier a ser possível debater um dia e abertamente, no nosso País, o SMO (Serviço Militar Obrigatório), com os jovens a voltar às fileiras, ainda que numa modalidade e tempo diferentes, tal realidade não deixará ninguém indiferente.

E isto porque, se há quem considere que o fim do SMO foi um erro, uma perda inestimável e dele tenha saudade e lhe reconheça as maiores virtudes, sobremaneira hoje, perante a necessidade de umas FFAA (Forças Armadas) disponíveis para o combate à actual barbárie terrorista, outros há, e não são poucos, para quem o mesmo não faz já qualquer sentido e nem dele querem ouvir falar, afirmando simplesmente “nunca mais”.

De facto, a decisão política que pôs fim ao SMO data de 1999, com os votos favoráveis no Parlamento do PS e do CDS, a abstenção do PSD, contra a votação do PCP, a que não foi nunca alheio o contributo das juventudes partidárias da altura, para o seu desaparecimento, que só viria a efectivar-se mais tarde, em 2004, com a sua correspondente desconstitucionalização.

Sem considerar relevante analisar agora razões, argumentos e sensibilidades da época, importa no entanto referir que o SMO constitui-se e será sempre, para quaisquer FFAA, uma questão da maior importância, essencial, em si mesma estruturante.

Na realidade, para o cumprimento das diferentes missões, as FFAA requerem sempre, e o Exército com prioridade, efectivos em maior ou menor número e esses são e serão sempre os cidadãos do País e não outros, com a sua cultura, consciência dos seus deveres e direitos, aspirações e contrariedades, num contexto de cidadania que se constrói, resgata e alarga em cada dia, na escola, na família, pela religião e nas próprias FFAA.

Sem o Serviço Militar Obrigatório, e perante a anterior redefinição dos efectivos após a guerra em África e as sucessivas reduções orçamentais, meticulosamente executadas para diminuir encargos e operacionalidade, evidenciando um claro e progressivo desinvestimento nas FFAA, diminuíram-se de forma acentuada os meios e os recursos humanos e, por inerência, a representatividade dos cidadãos e dos vários estratos da população na defesa do País, com natural influência na definição do sistema de forças e do próprio conceito estratégico de defesa.

Por outro lado, removeu-se a missão cometida desde sempre à Instituição Militar, velha de séculos, para se consolidar como um referencial de formação de cidadania, onde indiferentemente se registam os valores da honestidade, do dever e da responsabilidade, da disciplina, da ética, da lealdade, da honra, da dignidade e da coragem moral e física.

De facto, as FFAA, para além da defesa militar do território e da população, prestam ainda missões internacionais de apoio à paz, auxílio humanitário e interesse público. A par destas missões, as nossas actuais FFAA, não obstante as dificuldades que começam a sentir na renovação dos efectivos, têm ainda de estar preparadas para, de forma integrada e complementar com as diferentes e diferenciadas forças de segurança e sistemas cruzados de informação, fazer face à barbárie terrorista, como a maior ameaça alguma vez conhecida na História, materializada pelos ataques mais dilacerantes e cruéis, a que se adiciona um quadro generalizado de ameaças e riscos, que são hoje cenários novos, efémeros, complexos e imprevisíveis, do ciberterrorismo às rotas do narcotráfico e do tráfico humano.

Tal realidade evidência, de facto, o limiar de uma outra vida e de um novo mundo, onde o reforço da defesa e da segurança é inquestionável, para impor uma modificação estrutural das nossas FFAA, seja no âmbito da instrução e treino, seja no equipamento e no próprio armamento.

Neste sentido, torna-se indispensável considerar o crescimento do sistema de forças e a necessidade estratégica da denominada convocação e mobilização de efectivos, como reservas de empenhamento em situações de excepção, para além da necessidade de repensar novas formas de participação dos cidadãos na defesa do País.

É neste contexto de inquietação, incerteza e insegurança permanentes, pondo em risco a sobrevivência e a vida de inocentes (iguais na Bélgica, em Paris ou no Paquistão), que faz sentido falar numa reactivação do SMO como uma componente adicional ao actual sistema de forças e suporte à definição do próprio potencial e conceito estratégicos.

Mas um regresso do SMO, tal qual o recordamos, jamais seria possível. E isto porque o País está há mais de uma dezena de anos sem esse constrangimento, não está aparentemente em guerra e o mesmo tem custos que não são desprezíveis.

Por outro lado, as ameaças, sendo perceptíveis, não são iminentes e a vontade para a defesa do País, fundamentalmente por parte da juventude e dos cidadãos em idade activa, é reconhecidamente insuficiente e de algum modo pouco favorável.

Perante esta realidade, e este texto tem esse objectivo, apenas nos resta propor um aprofundado debate sobre tão importante questão, que deve ser feito sem receios e sem tabus, para nos possibilitar encontrar a melhor e mais adequada solução, visando a defesa e a segurança, que pode ter um SMO, com mais ou menos ajustes e variantes, mas fundamentalmente com umas FFAA com capacidade efectiva de defesa das nossas vidas e património.

Objectivamente, uma solução que permita libertar as FFAA para a sua missão estritamente operacional, só viável tendo por base o actual regime de voluntariado e contrato, por sua vez alicerçado no quadro permanente e complementado por efectivos de um SMO, voluntário para as mulheres, com duração a definir e orientado para o apoio logístico e para as diferentes missões de serviço público.

Escolha esta que, representando regeneração e rejuvenescimento, constitui-se como um contributo indispensável de formação para a cidadania dos jovens, talvez nunca tão necessária como hoje; e um adicional sem preço, à sua própria formação cívica, quando a mesma se revela incapaz ou insuficiente, por manifesta incapacidade da escola, da família e da sociedade.

Em síntese, importa reflectir sobre um “novo” SMO e resgatar a cidadania, como valor social colectivo do maior significado, indispensável à defesa do País, que sendo um dever que a todos cumpre, é um direito que a todos assiste.