Desta vez a comunicação social não larga o tema da falta de médicos no Serviço Nacional de Saúde e chama os mais diversos comentadores que ficam durante horas a procurar as mais diversas explicações. Entretanto, o primeiro-ministro decidiu ir resolver os problemas mais atraentes da União Europeia e, numa das suas paragens em Lisboa, aceitou candidamente que os problemas do SNS são, afinal, estruturais. Dito isto, voltou a sair rumo a Bruxelas e a senhora ministra nomeou uma comissão para resolver o assunto nos próximos três meses. Depois, logo se verá.
A senhora, num esforço de imaginação, disse ainda que o problema da falta de médicos resulta de dois anos de pandemia e da queda do Governo. Disse-o no plenário da Assembleia da República e, depois de ouvir as críticas das oposições, voltou a partir para mais reuniões com os sindicatos, as ordens dos médicos e dos enfermeiros, com as direcções dos hospitais e por aí fora. Um deputado do PS, Sérgio Sousa Pinto, sugeriu que a ministra já lá não anda a fazer nada, o que António Costa aproveitou para menorizar a opinião do deputado e dar o seu apoio à ministra. Uma certeza, Sérgio Sousa Pinto não chegará a ministro.
Perante o elevado nível de desorientação do Governo em praticamente tudo o que é decidido, há que saber se isso resulta da ausência física e mental do primeiro-ministro e da falta de qualidade individual dos ministros, ou se é apenas o agravar dos problemas acumulados ao longo dos anos. Poderá ser de tudo um pouco, sendo certo que o resultado da maioria absoluta obtida pelo PS veio agravar o sentimento de impunidade da governação junto de muitos portugueses, mas também junto do Parlamento e do Presidente da República. De facto, depois dos portugueses terem dado a vitória eleitoral ao PS, conhecidos os atrasos do país relativamente aos outros países da União Europeia e do acumular de erros da governação, os próximos quatro anos só poderão ser uma penosa marcha de Portugal a caminho da irrelevância.
No curto prazo, muito dependerá da situação económica internacional, em particular da União Europeia, da continuação da guerra na Ucrânia, do nível de inflação, do custo da energia e de muitos produtos alimentares. Do ponto de vista nacional é pouco provável que a União Europeia possa continuar a ser tão generosa com Portugal como tem sido, razão por que António Costa arrasta os pés relativamente à entrada da Ucrânia no clube europeu, certo de que o dinheiro não dará para todos. Por outro lado, a folga do orçamento permitida por Bruxelas nos últimos anos dificilmente continuará e é bastante provável que voltemos a ter maior rigidez orçamental, o que tornará ainda mais difícil a manutenção de algumas das políticas sociais.
Entretanto, Portugal precisa urgentemente de investir na ferrovia, no novo aeroporto, na organização do território, no combate à seca e aos fogos, na energia, na habitação, no ambiente e com maior rigidez orçamental a probabilidade é que o Governo continue a adiar muitas decisões, como aliás tem feito até aqui.
No plano político, teremos o aumento da contestação popular, as greves e as manifestações de rua vão crescer e muito. Na Assembleia da República a contestação ao Governo vai aumentar de tom e vai haver alguma dificuldade para o Governo manter do seu lado uma grande parte da comunicação social com que tem contado. A nova fase da vida do PSD contribuirá para o crescimento da contestação ao Governo no Parlamento, mas também nas ruas e na comunicação social. Mais grave e um perigo real para o Governo será a repetição dos fogos, mas António Costa não recusará mudar de ministro, mais uma vez, se necessária uma justificação.
O provável crescimento do turismo para níveis de 2019 ou superiores será um factor positivo no plano da redução das tensões na parte pobre da economia dual dos pequenos negócios da restauração e na manutenção do emprego. Mas se não houver uma transferência de trabalhadores da parte pobre da economia para a parte competitiva, nomeadamente através do investimento estrangeiro na indústria com vista às exportações, o turismo será apenas uma panaceia no plano mais global da economia portuguesa.
A salvação da economia portuguesa no próximo futuro reside no investimento estrangeiro e não apenas no imobiliário e no turismo, mas na indústria, até porque será a única verdadeira oportunidade de evitar mais emigração dos jovens licenciados, até porque muitos dos investimentos previstos no PRR são de capital intensivo, ou seja, representam uma pequena contribuição para a criação de melhores empregos para os jovens.
A TAP vai ser uma constante dor de cabeça para o Governo de António Costa e a probabilidade da sua venda ao estrangeiro, com grave prejuízo financeiro a absorver pelo Orçamento do Estado, será o final mais feliz, nomeadamente se o comprador tiver interesse em manter a funcionar o “hub” de Lisboa. Na ferrovia, há medida que sejam melhor conhecidos os resultados desastrosos dos investimentos feitos e se torne mais visível o erro cometido na manutenção da bitola ibérica e a ausência de ligação da ferrovia portuguesa à Europa, nomeadamente de mercadorias, a posição do Governo tornar-se-á mais difícil e a saída do ministro tornar-se-á uma necessidade prática do PS.
Sobre a governação paira o desejo de António Costa de fugir aos crescentes problemas nacionais e encontrar um cargo na União Europeia. Perante a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa de convocar eleições no caso da demissão de António Costa, o primeiro-ministro segue a sua vocação habitual de caçar com gato quando não tem cão e de facto já está em Lisboa em “part time”. O superior interesse nacional nunca foi uma sua preocupação séria desde o início, quando atraiçoou António José Seguro e inventou a “geringonça”.
Há coisas que a experiência ensina e António Costa nunca fará, como seja deixar de ter algum controlo, mínimo que seja, sobre as decisões da Justiça e o combate à corrupção nunca será uma sua preocupação dominante. António Costa sabe demasiado bem o que se passa para correr esse risco. ■