Neste momento em que muitos brasileiros ligados à cultura, de um modo geral, escolheram Portugal como local de meditação e inspiração – escritores, jornalistas, artistas plásticos, actrizes –, vale registar um notável que se encontra há algum tempo radicado em Lisboa. E ele é Silvio Lago, ensaísta, pesquisador, historiador, poeta e musicólogo de referência.
Silvio veio pelas afinidades e influência de Portugal e dos portugueses na sua obra. Morou e estudou em Itália e em França, mas foi em Lisboa que sentiu o cenário de suas admirações literárias, como Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco e Ramalho Ortigão.
Sua devoção a Eça está consolidada no “Eça de Queirós, actualidade e permanência”, que mereceu apresentação do diplomata, poeta e ex-ministro da Cultura Luís Filipe Castro Mendes, um dos grandes que passaram nas últimas décadas pelo Palácio São Clemente. Nesta obra de estudo e exaltação ao grande escritor reúne textos do que existe de melhor na inteligência brasileira na abordagem ao autor português. Entre eles três antigos embaixadores em Lisboa, Heitor Lira, Álvaro Lins e Dário Castro Alves. Fecha a obra um cuidadoso texto sobre a amizade que unia o cônsul português em Paris ao fundador da Academia Brasileira, Eduardo Prado, que vivia parte do ano em França. Esclarece com fundamentos definitivos que o brasileiro pode ter marcado um ou outro episódio do “A Cidade e as Serras”, mas não inspirador do personagem central da grande obra.
Silvio Lago é considerado o maior musicólogo vivo do Brasil, com obras de referência sobre piano, regência, dois volumes de jazz e a presença na sua vida e obra de Mozart, Beethoven, Wagner.
Sendo o convívio parte da vida cultural, não lhe faltou ligação afectiva com académicos, como os ex-presidentes da ABL Ivan Junqueira e Marcos Almir Madeira e o seu companheiro de “Pen Clube”, António Carlos Vilaça – este sobrinho neto de Ortigão. Todos seus admiradores confessos.
Em “O Jardim Inglês”, um trabalho precioso para a introdução de um jovem no mundo da cultura e do belo, mostra o seu dom de seleccionar referências. Ali, Silvio Lago, em quase 300 páginas, distribui conhecimento sobre personalidades das letras, das artes e do pensamento, além de conceitos e definições que despertam a curiosidade que ele lembra impulsionar a inteligência humana. O livro transmite a intimidade do autor com este mundo em torno do qual se inseriu desde a mocidade.
E em “O Claro é o Escuro” aborda os malefícios do “pensamento único” que revive neste século de populismos de esquerda e de direita, como um fenómeno anticultura.
Ainda militam pelo mundo estes personagens quixotescos, belos na pureza dos ideais das artes na construção da felicidade das pessoas, que, através das lições e lembranças de figurantes e suas obras, tornam o mundo melhor e iluminam o optimismo de uma melhoria ética, moral e fundamentada na caridade e na solidariedade real. Lisboa ainda vive impregnada pelo legado inteligente de suas referências do final do século XIX e início do XX. Silvio entra no Grémio Literário hoje como o faria para almoçar com Eça e Ramalho Ortigão, há mais de 120 anos. É autor, mas também personagem pela história de vida. ■