Agostinho da Silva e o Triângulo Lusófono (I)

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Como se sabe, em 1944, Agostinho da Silva abandona Portugal, rumo à América do Sul. Não se fixa desde logo no Brasil. Ainda deambula pela Argentina, onde lecciona na Escola de Estudos Superiores de Buenos Aires, e pelo Uruguai, onde lecciona nos Colégios Libres, em Montevideu. Em 1947, fixa-se, contudo, naquela que será, doravante, a sua “terra de eleição” e de “acção”: o Brasil.

Essa ida para o Brasil não significou porém um corte com a cultura portuguesa, bem pelo contrário. Paradoxalmente, foi no Brasil que ele começou realmente a interessar-se pela cultura portuguesa, mais amplamente, por uma cultura de língua portuguesa – numa visão não apenas estritamente nacional. Essa foi, dir-se-ia a grande vantagem de ter reencontrado Portugal a partir do Brasil.

O primeiro grande sinal desse reencontro é, sem dúvida, a publicação, em 1957, da sua obra Reflexão à Margem da Literatura Portuguesa. Nunca até então, com efeito, Agostinho da Silva reflectira tanto sobre Portugal, sobre a cultura portuguesa, mais amplamente, sobre a cultura de língua portuguesa, no seu sentido histórico-futurante. Foi só no Brasil, face ao espelho atlântico, que Agostinho da Silva começou realmente a questionar-se sobre tudo isso. Essa obra, Reflexão à Margem da Literatura Portuguesa, é a primeira grande expressão desse questionamento.

Pela sua originalidade e profundidade – a nosso ver, ela desenvolve, de facto, uma visão tão original quanto profunda do sentido histórico da cultura portuguesa, mais amplamente, da cultura de língua portuguesa –, essa obra não passou despercebida. A publicação da obra teve um imediato eco – não só no Brasil como em Portugal. Através dela, não foi só Agostinho da Silva que se reencontrou com Portugal – foi também Portugal que se reencontrou com Agostinho da Silva.

Mesmo no Brasil, aliás, a primeira pessoa a assinalar a publicação da Reflexão à Margem da Literatura Portuguesa foi um português, o conhecido Adolfo Casais Monteiro, que aí se encontrava exilado. Quase simultaneamente, porém, o não menos conhecido Gilberto Freyre sinaliza também a leitura da obra – nas suas palavras: “Quando me refiro ao ideal de vida desenvolvido pelo Português em contacto assim íntimo com o Trópico, não posso esquecer-me das páginas recentes em que um intelectual português residente há anos no Brasil – o professor Agostinho da Silva – sugere que, a partir do século XVII, começou a haver, no Brasil, para muitos portugueses, um ‘Portugal ideal’”.

Agenda MIL – 6 de Fevereiro, 22h (via zoom): 4ª sessão do Ciclo PASC/ NOVA ÁGUIA: Vultos da Cultura Lusófona (sobre António Paim); 8 de Fevereiro, 18h, no Palácio da Independência: 3ª sessão do “Círculo da Língua Portuguesa” (para mais informações: www.movimentolusofono.org).