A grande confusão

“O primeiro-ministro não tem ideia nenhuma do que está a acontecer à economia e o seu plano é sobreviver politicamente com doses cavalares de horas de televisão”

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Os tempos de crise, como aquele que atravessamos, são tempos de grande introspeção pessoal e colectiva e ricos de aprendizagens. Infelizmente, os meios de comunicação concentram-se de forma quase doentia nos temas da crise que presentemente são as duas faces da mesma moeda: a pandemia do Covid-19 e a crise económica que daí resulta. Entretanto, a grande confusão e desorganização política que tem marcado a governação do País não se alterou, como se verifica nas preocupações deste texto.

Obras Públicas

Já aqui tratei este tema, mas, entretanto, alguma coisa mudou, se de forma mais favorável e mais inteligente, ou não, veremos. Espero que seja verdade que o Governo decidiu a continuação da Linha Vermelha do Metro de Lisboa de São Sebastião até Alcântara, com passagem por Campo de Ourique. Não sei as razões da decisão, mas tenho a certeza de que a chegada  do Metro a  Alcântara é uma boa decisão, por várias razões: (1) permite duas ligações à linha de Cascais, dividindo os utentes que se dirigem para a parte alta da cidade a escolherem Alcântara e os que se dirigem à Baixa a escolherem o Cais do Sodré, evitando demasiada aglomeração na estação terminal da linha; (2) permitir que a Linha Vermelha tenha continuidade até ao centro de Oeiras, retirando da marginal e da A5 muitos milhares de automóveis. Idealmente, a meias com a tão esperada modernização da Linha de Cascais. Em resumo, depois do porto do Barreiro, com esta aparente decisão do Metro, o Governo estaria a pensar melhor e a democracia a funcionar? Veremos o que vai acontecer com o indesejado aeroporto do Montijo e com a ainda menos desejada bitola ibérica na ferrovia. Uma coisa é certa, precisamos de dinamizar a economia e investir é melhor do que subsidiar, todavia evitando os investimentos errados e sem rentabilidade do passado, destinados a servir apenas interesses particulares. 

Matos Fernandes

Nem de propósito, acabo de ler a entrevista do ministro Matos Fernandes ao Público e não sei de deva chorar ou rir. Chorar por ser verdade haver em Portugal um ministro com visões demenciais, ignorante e, vá lá saber-se a razão, com o poder de dizer asneiras com a naturalidade de um oráculo. Rir é a única saída possível ao ler o manancial de ideias expressas na entrevista, que mostra a que ponto chegou a confusão, a irracionalidade e a desorganização do Governo, em que cada ministro diz o que lhe vai na cabeça. Pior só pode acontecer se o deixarem fazer alguma coisa.  

Apesar de a Linha Circular do Metro ter sido mandada para trás no Parlamento e votada negativamente na autarquia de Lisboa, o ministro descreve os investimentos que irão dinamizar a economia depois da crise, quando diz: “o projecto de multiplicar por cinco a  reabilitação das ribeiras, de que o Público deu a notícia há dias, não existia; assumir o compromisso de fazer a protecção do litoral junto ao Furadouro em Ovar; a antecipação da Linha Vermelha do Metro em Lisboa; a possibilidade de a nova linha de Metro para Vila Nova de Gaia, com uma nova ponte sobre o Douro”. Mais à frente na entrevista, e depois de delirar quanto ao mercado de arrendamento no centro das cidades, disse mais: “Estou confiante que se tivermos a arte de concentrar o investimento necessário no sector do ambiente vamos mesmo conseguir fazê-lo. Em relação à Linha Vermelha, o projecto já está bastante desenvolvido e nós sabemos bem porque é que avançamos com a Linha Circular. Os estudos demonstram que é muito mais útil a Linha Circular do que meia linha Vermelha até Campo de Ourique”.

Sem pinga de vergonha, o ministro fala de estudos que o Metro mantém em segredo e afirma o inconcebível, que é dizer que prefere a Linha Circular para fazer o jeito ao sector imobiliário do centro da capital. Linha que termina no Cais do Sodré, local já congestionado e onde já existe o Metro e sem retirar um único carro da cidade. Fazendo a comparação com a Linha Vermelha até Alcântara, que duplicará as opções de chegar à cidade, retirará milhares de caros da Marginal e da A5 e que poderá ter continuidade para outros locais no futuro. Mas pior, o ministro manda às urtigas as decisões do Parlamento e da autarquia lisboeta, onde apenas o PS votou a favor, mas em minoria.  A democracia não é uma preocupação do ministro e do Governo e menos agora em regime de excepção. Não é nada que não soubéssemos já, porque numa verdadeira democracia nunca seria possível ter um ministro como Matos Fernandes. 

Governo

Não há coordenação neste Governo e, neste caso das obras públicas, o ministro do sector das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, está desaparecido em combate e é o ministro do Ambiente que faz as honras da casa. O primeiro-ministro está na primeira linha de combate, mas não é, infelizmente, ao Codiv-19, é no combate da propaganda. Cinco secretários de Estado que estavam sem trabalho foram escolhidos para coordenar regionalmente a pandemia, mas a julgar pelas televisões, os autarcas, os bombeiros, os dirigentes de lares e os portugueses em geral, ainda ninguém deu por eles.

Sabemos historicamente que, contrariamente ao PCP, o Partido Socialista sempre foi um zero em organização, mas este enorme Governo ultrapassa tudo o que os portugueses poderiam esperar neste domínio. Sobre a pandemia, já ouvimos tudo e seu contrário e o vírus e a retórica são os dois companheiros indesejáveis deste período das nossas vidas. Talvez por isso, o Bloco de Esquerda acaba de defender o aumento salarial dos funcionários públicos no próximo ano. Está tudo doido?

Austeridade

Não vai haver austeridade, diz o primeiro-ministro, mas só até ao dia seguinte, quando afirma que talvez. De facto, ele não tem ideia nenhuma do que está a acontecer à economia e o seu plano é sobreviver politicamente com doses cavalares de horas de televisão. Entretanto, as únicas coisas que funcionam e não são poucas, felizmente, são os médicos e os enfermeiros, o exército, as forças da ordem, as instituições sociais, alguns autarcas e a disciplina e a solidariedade dos portugueses. Não é pouca coisa para um País em autogestão e permanentemente atrasado em relação aos acontecimentos.

Infelizmente, a austeridade está aí e a primeira coisa a fazer é pensar a economia e ver o que se pode fazer com as centenas de milhares de muito pequenas empresas que vão desaparecer. Há duas formas de resolver o problema: financiar a sua sobrevivência de forma artificial, ainda que socialmente válida, ou fazer uma reforma profunda da economia dual através de investimento, nacional e internacional, em novas empresas viáveis, nomeadamente na indústria, de forma a absorver os desempregados destes sectores: feiras, mercados de rua, lojas, restaurantes, cafés, biscates vários e toda uma economia que não tem lugar num país moderno e com futuro. Nesta conjuntura, Portugal pode e deve aproveitar a sua localização no centro do Ocidente para usar a decisão previsível das empresas ocidentais de se libertarem da China, que será uma característica da economia do Ocidente no próximo futuro. Por este tempo, o Governo já deveria ter no terreno, e junto dos grandes investidores, vendedores da ideia da nossa localização e das demais vantagens do futuro comércio global do Ocidente e do Atlântico. Será pedir demais? 

Para evitar uma grande parte da austeridade, apenas as empresas competitivas e viáveis podem ajudar Portugal a absorver parte do desemprego das empresas de vão de escada que temos hoje, o que não quer dizer que se queira acabar com as pequenas empresas, mas apenas proceder à sua avaliação e deixar morrer as que não têm viabilidade na economia do futuro.

Portugal vai sair desta crise com uma dívida gigantesca. Trata-se da herança de sucessivos governos do PS, que a infelicidade desta pandemia fez crescer. Dizer que vamos sair disto sem saber o que precisamos de fazer para evitar um enorme buraco de austeridade, para mais com nacionalizações, ou a vender ao desbarato as empresas que ainda temos, ou a aumentar os funcionários públicos e afins, ou a pensar que o mercado interno nos salva, ou a conviver com a corrupção, pois, essa será a receita certa para o desastre. Infelizmente, é o que o Partido Socialista sabe fazer melhor. ■