Há muitos anos que apesar de não ser um especialista discordo da política energética seguida pelos diversos governos portugueses. Aquando do acordo com a Espanha para a criação do MIBEL, escrevi a discordar porque, disse: defendo antes um acordo de livre circulação da energia eléctrica em toda a União Europeia, através de um tratado europeu, como era então defendido pelo comissário português Cardoso e Cunha. Estava então consciente de que o MIBEL favoreceria o maior mercado da Espanha e prejudicaria Portugal, entre outras razões porque com a chegada das novas formas de produzir electricidade, eólica e solar, intermitentes por definição, apenas um mercado alargado poderia superar a falta de vento e de sol a um determinado dia e hora nuns países, quando a produção avançaria noutros. É o que acontece presentemente entre a Dinamarca e os restantes países nórdicos.
Não contentes com a nossa dependência de Espanha, os governos portugueses enveredaram alegremente por uma política fundamentalista de energias renováveis a preços elevados e por longos anos, sem cuidar da intermitência e sem cuidar de outras formas mais inteligentes de defender o ambiente, como, por exemplo, os transportes públicos, o uso da electricidade nos carros e nos autocarros, em vez de gastar o dinheiro que havia e, principalmente o que não havia, em construir auto-estradas e em manter o transporte aéreo para pequenas distâncias, depois de desprezar durante décadas o transporte ferroviário de mercadorias e de passageiros. Não contentes, temos agora um Governo que se recusa a ligar a ferrovia portuguesa à ferrovia espanhola e europeia para passageiros e mercadorias, através da manutenção da bitola ibérica, o que tornou Portugal numa ilha ferroviária dependente do transporte rodoviário de mercadorias, como do automóvel e do avião para passageiros. Ou seja, exactamente os meios poluentes que o Governo diz pretender reduzir e sem cuidar dos preços que as empresas exportadoras e os portugueses em geral terão de pagar para manter um monopólio nacional na ferrovia.
Outra asneira óbvia foi fechar as centrais a carvão de Sines e do Pego no momento em que a maioria dos países europeus voltaram a recorrer ao carvão e ao nuclear, Espanha incluída, para compensar as dificuldades da perda do gás russo e do período de seca que afecta toda a produção hídrica. Além, naturalmente, para fugir ao aumento dos preços nos mercados internacionais e evitar a importação. É ainda neste tempo que o fundamentalismo ambiental de António Costa e companhia pretendem investir mais dinheiro nas renováveis, vento e sol, sem responder à questão da sua intermitência, porque toda a capacidade que possamos desenvolver não adianta muito quando não há vento e é de noite e continuarmos fechados na Península Ibérica.
Neste contexto de continuada desorientação energética sonhamos com o hidrogénio, mas sem cuidar de que ainda estamos numa fase inicial da sua produção económica e longe da demonstração de que servirá para mais do que para a produção de electricidade e isso dentro de alguns anos e não sabemos quantos. Aparentemente, António Costa sonha com a construção de um gasoduto de Sines até à Alemanha, tornando Portugal exportador do gás que não produzimos, ou do hidrogénio que contamos produzir um dia. O que não convence o presidente Macron de França que, com alguma razão, prefere uma rede europeia de electricidade em que todos os países são produtores, independentemente das tecnologias usadas. Além de permitir, isso sim, o crescimento das energias solar e eólica através da redução da sua intermitência global e de uma melhor divisão dos custos envolvidos.
Entretanto, a Direcção-Geral da Energia acaba de avisar que estamos a depender demasiadamente das importações da electricidade espanhola, com custos elevados na nossa balança comercial e sem a garantia de que não haja quebras de fornecimento que possam conduzir a apagões. Nada que pareça preocupar o Governo, que publicou um texto em que recorre ao usual uso da desinformação, quando não à mentira pura e dura, para manter os erros da sua estratégia energética. Ou seja, a transição energética do Governo do PS é um misto de voluntarismo ignorante e de uma vontade de afirmação num tema que claramente ultrapassa a sua capacidade científica e financeira. Ou seja, a ligação de toda a rede eléctrica da Europa, nomeadamente entre a Península Ibérica e a França, é a solução óbvia e a mais barata. Quanto ao hidrogénio, vamos esperar para ver se resulta uma solução económica na produção de electricidade e esquecer o sonho de Verão do seu transporte por essa Europa fora. Até porque não sabemos o que vai resultar da guerra na Ucrânia e se devemos dar como adquirido que a Rússia de Putin se manterá até ao fim dos dias.
A questão ambiental é um problema que devemos considerar como sério, até por força daquilo que não sabemos, mas sem fundamentalismos toscos, usando a inteligência e o bom senso para reduzir todo o uso das energias fósseis no que seja compatível com a nossa dimensão global na produção de CO2, sendo que as oportunidades não faltam, nomeadamente no uso do transporte ferroviário para passageiros e mercadorias, que substitua os milhares de camiões que cruzam as estradas europeias e os aviões para distâncias até, pelo menos, mil quilómetros. Ora, é exactamente isso que o Governo do PS não quer fazer, vá lá saber-se a razão.
O Governo do PS dirigido por António Costa escolheu evitar o debate das grandes questões nacionais no país e mesmo dentro do próprio partido, que é hoje um vazio de ideias e de participação política. Menos ainda o Governo quer ouvir os especialistas e as associações profissionais, que considera estorvarem a acção do Governo. Temos, assim, criado o ambiente ideal para a asneira, até porque os governantes, como o ex-ministro da chamada transição energética, Matos Fernandes, e o presente secretário de Estado, João Galamba, representam uma moderna categoria de ignorantes atrevidos. O ex-ministro já conseguiu mesmo um bom lugar numa empresa de advogados, de onde pode gerir os negócios que preparou enquanto no Governo e lá estará João Galamba para dar uma ajuda.
Presentemente, ninguém sabe qual é a opinião dos militantes socialistas nas sedes das federações sobre as diversas questões nacionais, como a energia, o aeroporto, a saúde, ou qualquer outro tema. Tudo é hoje no PS tratado ao nível do Governo, sendo o partido apenas o meio útil para os períodos eleitorais. Idem com os deputados do PS na Assembleia da República, que, com o tempo, se tornaram num apêndice útil, desde que não pensem e não discutam. Se pensarem sabem que não serão reeleitos.
Em resumo, na questão da energia, como em tudo o resto, quem sabe é António Costa e os restantes socialistas, governantes ou não, tal como o Presidente da República, servem para fazer de conta que Portugal é uma democracia. ■