Que futuro para os portugueses?

“Se o PR não acordar do longo sono político em que mergulhou, se os portugueses não acordarem para a realidade e a geringonça continuar a governar, como Marcelo deseja, o desastre será uma certeza”

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Vivemos em Portugal um tempo muito complexo, com muitos problemas por resolver em simultâneo, com perigos evidentes para o nosso futuro e com um excessivo conjunto de dificuldades herdadas do passado e não solucionadas no seu tempo próprio.

Este cenário é em parte o resultado deste tempo de aceleração da mudança, em que os dirigentes políticos assumem apenas o curto prazo e não revelam a capacidade de previsão suficiente, não antecipam as soluções e deixam acumular problemas por avaliar e reformas por fazer. Ou seja, os normais problemas da governação transformam-se, pouco e pouco, em questões intratáveis.

Acresce a isso os muitos investimentos realizados sem a avaliação custo / benefício, que se tornaram ruinosos, uma dívida acumulada claramente excessiva, uma organização do Estado ineficiente e a corrupção que mina todos os sectores da sociedade. 

A pandemia do Covid-19 foi apenas a cereja que caiu sobre o topo do bolo de um sistema político pouco democrático, relativamente ignorante e um Governo enorme, com todo o tipo de sobreposição de competências e formado por um excesso de juventude e com muito poucos, se alguns, profissionais experientes que saibam o que há a fazer. É neste contexto que o primeiro-ministro subcontratou a uma personalidade pensar o futuro do País, que produziu um texto de 140 páginas de uma suposta estratégia, mas que apenas enumera um número elevado de possíveis soluções, feitas para todos os gostos e de duvidosa utilidade. 

Apostas de pescada

Nem de propósito, Ricardo Araújo Pereira, no seu programa da SIC “Isto é gozar com quem trabalha”, ridicularizou de forma convincente esse suposto plano para a recuperação da economia de António Costa Silva (ACS), mostrando a sua vacuidade. Ricardo Araújo Pereira conseguiu isso utilizando as repetições das mesmas frases usadas em variadas circunstâncias e múltiplas citações do autor, que mostram o que já aqui escrevi sobre o assunto: ACS realizou um trabalho que, consciente ou inconscientemente, se destinou a mostrar ao mundo os inúmeros conhecimentos do autor.

Ora o que acontece é que muitas leituras e um conhecimento muito diversificado de temas, tecnologias e sectores económicos não representam um pensamento organizado sobre qualquer dos temas tratados, ou relativamente a um qualquer objectivo estratégico, no caso sobre o que fazer nos próximos dez anos para vencer a crise e potenciar o desenvolvimento económico do País. Razão por que ACS fez poucas escolhas, e nos poucos casos em que tentou fazer opções, estas revelam-se erráticas, quando não pura e simplesmente erradas.

Este caso de ACS é bastante comum, nomeadamente em ambientes universitários, onde há académicos que passam uma vida a acumular conhecimentos através da leitura, conferências e outras actividades mais ou menos intelectuais, mas com poucas oportunidades de praticar alguns desses conhecimentos, ou sem terem tido a oportunidade de colocar esses conhecimentos em uso profissional. A conclusão é óbvia: António Costa Silva foi o homem certo para ser entrevistado nas televisões e para aparecimentos públicos em que pôde brilhar pela enorme diversidade das citações que faz e pela variedade das ideias que apresenta e agradar a quem conhece mal os verdadeiros problemas do País. António Costa, o primeiro ministro, o Presidente da República, Governo e o PS agradecem o luxo mediático, na medida em que mostra aos portugueses mais distraídos uma aura de saber e de competência que na realidade não existe.

ACS parece saber de que esta minha tese é verdadeira, porque evita ser excessivamente categórico, ou apenas claro, sempre que se aproxima do momento das opções. Ou, se surge mais categórico, isso acontece nos temas já decididos pelo Governo, como nos casos do hidrogénio e da bitola na ferrovia. Mas mesmo nestes casos, evita muitas explicações ou quantificações, como quando diz que a bitola já não é um problema porque existem novas tecnologias que resolvem a questão, mas sem nunca dizer que novas tecnologias são essas, nem a fazer a sua avaliação. 

Ricardo Araújo Pereira aproveitou bem a oportunidade para salientar as vezes que ACS repete as palavras vital, crucial, fundamental e apostar. Apostar num número infinito de soluções para os nossos problemas nacionais, todas soluções cruciais, fundamentais e vitais. Ou seja, como é evidente, o exercício do trabalho realizado por ACS tornou-se inútil e pouco credível como estratégia de superação da crise que atravessamos e como ferramenta para promover o nosso desenvolvimento. 

Um País parado no tempo

Depois de quatro anos de facilidades, resultantes de uma solução política que acredita que a justiça social é possível sem o desenvolvimento económico, a pandemia apanhou o País sem uma estratégia, sem uma administração pública capaz, com uma economia muito dependente do turismo, recursos humanos com baixas qualificações, impostos elevados, uma dívida externa excessiva e exportações insuficientes para sustentar a dívida. 

A tudo isto, que já não seria pouco, acresce uma cultura de fugir aos problemas em vez de os enfrentar, ou seja, escolheu-se deixar fechar empresas, repartições, escritórios, o que podendo ser aceitável numa primeira fase, está a ser levado longe de mais. Neste processo criou-se um nível muito elevado de fuga ao trabalho e uma deterioração dos níveis de prontidão da economia que estou certo antecipa uma enorme queda da produtividade. Hoje é relativamente normal não ser atendido ao telefone, não ter resposta ao correio digital, ficar à porta das repartições, que apresentam um nível de actividade mínimo, ter de fazer marcações que não existem ou são adiadas. O que não acontece apenas no Estado, mas também no sector privado, nomeadamente nas grandes empresas de serviços. Os portugueses estão a aproveitar a pandemia para descansar, o que pode ser uma afirmação injusta para com os profissionais do sistema de saúde, mas real um pouco por todo o lado.

No meio de todos estes problemas parece que a grande preocupação nacional é como gastar o dinheiro que dizem vai chegar de Bruxelas. Sobre isso o Presidente da República já disse que temos de gastar bem esse dinheiro, o primeiro-ministro diz que não podemos perder nem um cêntimo, mas sabendo o que casa gasta e lendo os projectos já agendados e o plano de António Costa Silva, a probabilidade de que assim seja é pequena. Para já, os contratos por ajuste directo dispararam, fala-se em criar novos mecanismos de controlo, mais burocracia, mas nem o Presidente nem o primeiro-ministro ligam ao que diz e escreve o Tribunal de Contas. Mau sinal.

Todos nós gostamos do nosso País e ninguém o quer pior do que já está, mas com esta combinação de factores será um milagre sairmos desta situação melhor do que estamos. Se o Presidente da República não acordar do longo sono político em que mergulhou, se os portugueses não acordarem para a realidade e a geringonça continuar a governar, como Marcelo Rebelo de Sousa deseja, o desastre será uma certeza. ■