À laia de madrigal

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 Luísa Venturini

“Não vos trago beleza nem desagravo. Apenas uma gota de orvalho e chá de tília. Um zest de harmonia e dois sorrisos a acompanhar os abraços férteis das boas-vindas e das despedidas. Entre um e outro, a efeméride esvoaçará sobre os nossos corações sem ter sequer a presunção de chover ou raiar um sal ou um sol de memória que a retenha.

Ficará apenas a fragrância, suave, subtil e serena, de um encontro bom. Nada mais pretendo nem mesmo ambiciono. Talvez seja este quase-desapego a maior bênção que me votaram as minhas anciãs. Delas também guardo colchas de renda e lençóis de linho bordados a crivo e a cheio, exactamente como a vida. Os lençóis não cheguei a usá-los, que a vida para mim guardara o percorrer de outras lendas. Mas os crivos e os cheios estariam quase puídos de gastos, de tal maneira os meus dias têm merecidos as suas luas e os seus sóis e até as marés vivas dos equinócios e dos pontos-espiga.

Neste entretanto efémero, sem beleza nem desagravo, sem egrégios meios-dias nem torpores de meias-noites, quero cuidar que a fragrância basta, como basta à borboleta o seu breve prenúncio de morte, que é toda a cor da sua vida, como basta à gota de chuva tocar no lume e deixar de ser, mas ter em todos os estados da sua natureza o milagre da água.

Tão pouco vos trago fealdade nem malquerença, que essas pairam sem precisar de alimento e infiltram-se pelas frestas que muitos, distraídos, não calafetaram com pensamento bom.

Apesar de tudo, não é completamente vácuo nem totalmente inútil o nosso cruzamento. Dele, eu reterei o vosso aroma nos pulsos da minha alma e, quem sabe, vós retereis o meu numa pequena articulação do vosso coração. No fundo, no fundo, é só mesmo uma gota de orvalho, um chá de tília e um ‘petit soupçon’ de felicidade.”