Talvez seja do Outono

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[avatar user=”venturini14″ size=”thumbnail” align=”left” /]Como uma andorinha que se despede, assomou uma pequena nostalgia à minha janela. Talvez seja do Outono. Talvez seja daquela aura azulada e difusa que ganham as coisas como se todas fossem revestidas de tule e não apenas de bruma. E dou comigo a acenar suavemente à pequena nostalgia, não vá eu assustá-la, convidando-a para que entre, sim, que é bem-vinda, que estou cheiinha de espaço em mim para ela. E sinto que o meu olhar, bem fora da minha vontade, fica mais parado na distância e que o meu gesto, impensado, se torna mais lento, como se em vez de um movimento fosse uma preguiçosa sequência de imagens arrastadas por uma qualquer brisa.

E esta é uma nostalgia boa que me leva de viagem para uma colmeia de horizontes, como quem peregrina por um roteiro de sentimentos benfazejos. Não lhe posso chamar saudade. É outra coisa, mais mansa, mais frágil, quase etérea. Fossem outros os tempos e apercebo-me que seria em idênticas estações da alma que um poema me resvalaria pelos dedos.

No entanto, estou atenta. Não a convido a mais do que a um sereno voo pela casa, a um breve descanso no meu coração e a uma ligeira merenda na minha cabeça, que as nostalgias podem sempre pecar por ser abusadoras, instalarem-se com demasiado conforto e, quando damos por nós e por elas, já tomaram o nosso mundo como coisa sua, já se aferraram como hera, já se transformaram em Saudade e, que nem Hidra, podem matar-nos de desolação.

Não gosto de ter saudades. Não gosto dos sofrimentos das saudades. Não gosto dessa coisa obscena de sentir que parte de mim me fugiu. Comentava um amigo comigo que o pior de tudo é ter saudades de alguém com quem se está – essa costuma ser uma dor irremediável.

Mas não, não vou deixar que esta patanisca de memória, sentimento e bruma se julgue mais do que o que é e comece por aí a ganhar mais substância do que a que lhe reconheço. Para isso, já me basta o resto!

Não. O dia está bonito, o céu azul e o sol tão garboso como se fosse Junho. Recolho-a com a mesma suavidade com que a recebi, não vá eu assustá-la, e, como se fosse uma andorinha, lanço-a meigamente pelos ares fora.