Medidas esfarrapadas

“As medidas agora divulgadas apenas fomentam ajuntamentos aos Sábados e Domingos de manhã em época de compras... Podem contribuir para espalhar a doença, em vez de a conter”

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Nas medidas anunciadas em Portugal contra o COVID-19 seguiu-se a via das meias tintas e a via das proibições arbitrárias. 

O estado de Emergência afecta apenas os particulares nas suas circulações, não afecta as grandes empresas de distribuição e as grandes cadeias de supermercados, pois deixa estas superfícies venderem alimentação e, a partir daí, tudo o que tiverem exposto passa a ser excepção.

Os “especialistas” meteram na cabeça que o contágio se faz por convívio familiar, no entanto esse é o contágio que a DGS consegue rastrear, porque é fácil de acompanhar; o contágio em meio laboral, em contacto com público, em eventos, nos transportes públicos é quase impossível de rastrear, logo pesa menos nas estatísticas oficiais. 

O pensamento mágico de que os contágios se dão em ambientes familiares alargados levou às medidas em apenas dois fins-de-semana, recolher obrigatório depois das 13 horas, com excepção de fazer compras de alimentos, e de tudo o resto, nas grandes superfícies… 

Atendendo a que existem oficialmente quase 80.000 casos activos na sociedade portuguesa e mais do triplo em casos não referenciados, assintomáticos ou levemente assintomáticos, cortar o contágio em apenas quatro tardes de fim-de-semana levará apenas a um pequeno atraso na propagação da doença COVID-19 em Portugal. 

Quem pensa que o Natal será normal, desengane-se. Um Natal normal, com os níveis de propagação a que estamos, levará a cerca de quatro mil mortos a mais do que um Natal muito restringido aos núcleos familiares mais restritos.

Sobre as medidas do ‘estado de emergência’ muito haveria a dizer. Os culpados parece que somos todos nós, e não a gigantesca impreparação e falta de planeamento de técnicos e políticos. 

Recolher obrigatório, medidas punitivas que poucos efeitos terão, servirão apenas para acusar depois os portugueses de que foram eles que falharam. Se, com apenas estas medidas, e se nenhumas mais se realizarem, vamos ter um número de mortos neste país de cerca de 12 mil acumulados em meados de Março, a culpa prepara-se para ser atirada por António Costa para cima dos portugueses, directamente de cima dos seus ombros.

Diz o primeiro-ministro que ninguém podia prever a segunda vaga. Essa observação é totalmente mentira, houve inúmeros avisos de cientistas e de organizações internacionais, incluindo a OMS, que previram e alertaram para o grau de impreparação português e o nível deficiente de protecção dos mais desfavorecidos e vulneráveis.

Sobre as medidas muito haveria a dizer, mas sugiro algumas: distribuam máscaras de qualidade pela população, façam campanhas informativas sérias, adoptem medidas mais rigorosas quando há surtos familiares, nas escolas e nos locais de trabalho, tracem melhor os contactos dos surtos.

Reforcem pessoal e meios de gestão da informação, quer geográfica, quer nas bases de dados, que são fracas.

Punam severamente as pessoas que espalham desinformação e que têm comportamentos deliberadamente perigosos; sejam pedagógicos com os que o fazem por ignorância.

Requisitem camas de cuidados intensivos aos privados, imediatamente! Os cuidados intensivos vão mesmo saturar em poucos dias.

As medidas agora divulgadas apenas fomentam ajuntamentos aos Sábados e Domingos de manhã em época de compras… Podem contribuir para espalhar a doença, em vez de a conter. 

Há um facto que as autoridades têm de perceber: os contágios dão-se em larga medida por pessoas que não sabem que estão doentes, ou que, sem estarem doentes, foram expostas ao vírus mas não têm sintomas. As modelações que temos visto pelos epidemiologistas «oficiais» têm sido feitas a partir do número oficial de casos positivos, dado que continuam a subestimar largamente o número real.

Os modelos só baterão certo com a rea-
lidade quando incluirem uma estimativa rigorosa dos assintomáticos e levemente assintomáticos, que são ainda mais do triplo dos casos oficiais detectados.

A chave são os óbitos, muito bem conhecidos, e a letalidade real, da qual se tem uma ideia a partir dos dados dos cruzeiros onde houve COVID-19 e que pode ser depois estimada com rigor com métodos inversos, uma vez que já se tem muita informação passada que pode servir para refinar os parâmetros. A letalidade real da doença tem baixado, porque as classes etárias atingidas têm sido diferentes ao longo do tempo e porque se salvam mais pessoas nos hospitais.

Informação é a chave, o respeito pela doença e pelos outros deve substituir o medo e a via da proibição. Se o público for informado, se os transportes forem desdobrados, se os horários forem desfasados, se o sistema nacional de saúde gerir os recursos de forma global, muitas vidas se poderão salvar.

Agora é tempo de comunicar bem, a uma voz, com competência e qualidade. Isso não se encontra na DGS e na sua cabeça. Graças Freitas não tem perfil para o lugar, como está amplamente demonstrado. O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, em entrevista televisiva, apontou, com todo o rigor e dever pela causa pública que lhe reconhecemos, a porta de saída. António Costa e Marta Temido, por favor, reconheçam que há sargentos que se mudam a meio da batalha e que devem ser substituídos por um general para comandar os serviços da DGS.

Fica ainda uma nota para o autismo da Iniciativa Liberal e do Partido Comunista. Quando milhares de mortos se perfilam no horizonte, não se unem aos esforços de todos e criticam abertamente as poucas medidas que o governo consegue alinhar. O Partido Comunista desafia mesmo o bom senso e quer fazer na mesma o seu congresso, uma liturgia em que celebram, certamente, a memória de facínoras como José Staline. De facto, os 12 mil mortos que poderemos ter no final não são nada para o PCP, em comparação com os 30 milhões que o Staline matava de cada vez que desenvolvia uma “política” ou uma purga. ■