Paternalismos, sofismas e hipocrisia

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[avatar user=”serrao14″ size=”thumbnail” align=”left” /]Depois de Mário Soares e Manuel Alegre, eis que surge mais uma pérola no “anedotário” socialista sobre a prisão preventiva de Sócrates.

Desta vez coube a António Campos que, após a vista ao estabelecimento prisional de Évora, afirmou que a justiça, ao colocar José Sócrates na prisão, lançou “uma bomba atómica sobre a democracia” (sic).

Instado a esclarecer se as suas afirmações radicavam no facto de o sistema judicial estar a actuar e ter funcionado com o ex-primeiro-ministro como com qualquer outro cidadão, não hesitou em clarificar que a dita bomba atómica residia no facto de o sistema ter detido e mantido em prisão preventiva José Sócrates.

Começo a desconfiar que a água eborense ou os ares da capital alentejana provocam estados alterados de consciência ou meras alterações na percepção no espírito de tão “ilustres” cidadãos que se reclamam de pais da democracia e de pais da pátria e de pais de todos nós.

Na realidade, não podem tais figuras ignorar que a última reforma penal ocorreu exactamente nos governos de José Sócrates, como não podem ignorar que um dos valores basilares do nosso estado de direito constitucional é o da defesa intransigente do princípio da igualdade, ou seja de que ninguém está acima da lei e que todos são iguais perante a lei.

Sócrates foi o chefe do governo entre 2004 e 2011 e, cessando as suas funções, cessaram quaisquer tipos de privilégios ou prerrogativas inerentes ao seu cargo, mas jamais cessaram, nem podem, as suas obrigações como cidadão, mesmo que a si mesmo se considere um primus inter pares.

Acresce, ainda, que estes homens a quem a democracia muito deve, têm, amiúde, inundado os seus discursos com a propalada ética republicana, fundada e assente no facto de não serem, nem poderem ser, reconhecidos e respeitados direitos especiais de sangue ou outros, privilégios em função do nascimento e quaisquer tipos de títulos nobiliárquicos que não respeitem a igualdade de todos os cidadãos perante a lei e entre si mesmos.

Reclamaria a mais elementar coerência que soubessem integrar nessa mesma ética a humildade democrática, sob pena de a mesma não ser mais do que uma figura de estilo ou de mera retórica, vazia de conteúdo, que soa bem aos ouvidos dos incautos e que devendo comprometer os seus autores mais não faz do que insuflar de ar os seus egos.

Chega de tantos paternalismos, chega de tantos sofismas e de tanta hipocrisia. Sócrates foi detido e está em prisão preventiva como qualquer cidadão que, sendo indiciado pelos mesmos crimes e estando nas mesmas circunstâncias, viu recair sobre si um despacho judicial que o prescreveu. Nada mais do que isso.

Insistir na teoria da cabala política e querer comparar Sócrates a um qualquer preso político – até com Mandela eu já vi alguém compará-lo – é distorcer a verdade, é querer branquear a realidade, é querer ensaiar uma teoria que não pode colher num estado de direito.

Os senhores em causa podem expressar amizades a quem bem entendem, não podem é subverter a realidade e pôr em causa a democracia, o Estado de Direito e a Constituição que nos rege.

A sua atitude não defende Sócrates (presumível inocente, como aqui já escrevi e defenderei até ao último momento), a sua atitude ofende a república, destrói a ética que tanto afirmam e pressiona de forma leviana a Justiça e o sistema judicial. Lamentável… como lamentável é o ruidoso silencio dos que usam e abusam da palavra e que nestas situações lavam as mãos como Pilatos.