Agostinho da Silva e o Triângulo Lusófono (V)

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Regressado a Portugal em 1969, após quase vinte e cinco anos no Brasil, Agostinho da Silva nunca esquecerá a sua vivência nesta terra. Pelo contrário, em múltiplos testemunhos, reiterou que “conhecer o Brasil foi, talvez, a coisa [mais] fundamental da minha vida. Se nunca tivesse saído de Portugal, nunca teria percebido o que há de essencial na cultura portuguesa e que me parece estar muito mais vivo, muito mais claro no Brasil…”. No Brasil, por seu lado, Agostinho da Silva não é esquecido. Daí, a título de exemplo, o texto publicado, a 20 de Outubro de 1979, no jornal A Tarde – “CEAO: laboratório da cultura negra” –, a propósito do vigésimo aniversário do Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), fundado por Agostinho na Universidade Federal da Bahia, em 1959. Aí, o então director do Centro, Nélson de Araújo, evoca assim Agostinho: “O Centro de Estudos Afro-Orientais emana do pensamento e da acção de Agostinho da Silva, o grande humanista cujo desempenho em várias partes do nosso país gerou e continua gerando ondas de fecundidade.”.

O Centro de Estudos Afro-Orientais foi, com efeito, uma das realizações mais marcantes de Agostinho da Silva no Brasil. Através dele, pretendeu Agostinho da Silva, desde logo, que o Brasil redescobrisse as suas raízes também africanas – no plano cultural e religioso –, em última instância, estabelecendo pontes com todo o Oriente. Num texto intitulado “Agostinho da Silva e a fundação do Centro de Estudos Afro-Orientais”, Thales de Azevedo defende que “a origem deste Centro prende-se às ideias, um tanto estranhas para alguns, que expendeu, em meados de 1959, sobre as condições e a missão de uma comunidade luso-brasileira, perante o IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, reunido na Universidade da Bahia. Agostinho teria pensado em que um organismo como este seria um laço, um ponto de apoio e de acção, entre outros, que se espalhariam por um vasto ecúmeno, para a reconstrução espiritual e quiçá política de uma comunidade cultural originada no papel histórico dos lusitanos na época dos descobrimentos, concebida, porém, como uma aliança de nações e povos soberanos, desenvencilhadas das peias do colonialismo e assim mais aptos a uma coligação espiritual consentida, espontânea e sólida.”.

Eis a tese igualmente defendida por José Aparecido de Oliveira, o grande fautor político-diplomático da CPLP: Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: “O Professor Agostinho da Silva foi importantíssimo quando chamou a atenção dos brasileiros para o que representava uma política de desenvolvimento num mundo que tendia para a globalização. Ele previu com todas as suas nuances e consequências. E também fez despertar a nossa consciência, brasileira sobretudo, mas também lusófona, com relação a África. Foi ele que pela primeira vez, naquele tempo, chamou a atenção para as nossas raízes”. De resto, o próprio Agostinho da Silva teve a oportunidade de defender expressamente uma “comunidade luso-afro-brasileira, com o centro de coordenação em África, de maneira que não fosse uma renovação do imperialismo português, nem um começo do imperialismo brasileiro. O foco central poderia ser em Angola, no planalto, deixando Luanda à borda do mar e subir, tal como se fizera no Brasil em que se deixou a terra baixa e se foi estabelecer a nova capital num planalto com mil metros de altitude. Fizessem a mesma coisa em Angola, e essa nova cidade entraria em correspondência com Brasília e com Lisboa para se começar a formar uma comunidade luso-afro-brasileira”.

Agenda MIL: 6 de Março: 5ª sessão do Ciclo PASC/ NOVA ÁGUIA: Vultos da Cultura Lusófona (sobre Guimarães Rosa). Para mais informações: www.movimentolusofono.org