Sentido de Estado

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É natural que na actividade política e governativa seja valorizado o chamado “Sentido de Estado”, o qual compreende um comportamento dos governantes que coloca o interesse do país e dos cidadãos que nele vivem acima de todos os interesses particulares e uma atitude ética exemplar, além de uma visão sobre o futuro acima da média, nomeadamente no plano geoestratégico. Ora, usando estes critérios, não encontro na presente governação de Portugal ninguém a quem possa creditar essa qualidade de Sentido de Estado. De facto, em Portugal, as atitudes e os comportamentos dos governantes são reveladores de uma total despreocupação relativamente aos valores éticos e os seus comportamentos, bem como os resultados obtidos estão longe de serem exemplares. Por isso, talvez seja pedagógico fazer a demonstração prática desta afirmação.

O caso Lula da Silva – o primeiro-ministro António Costa mostrou desde sempre uma predilecção especial por Lula da Silva e a exemplo do seu camarada José Sócrates, nomeadamente durante a recente campanha eleitoral no Brasil, apoiou de forma repetida o agora vencedor da eleição, sem ter tido o cuidado de afirmar que falava em nome da Partido Socialista e não como primeiro-ministro de Portugal. Assim, o convite feito a Lula da Silva para intervir na Assembleia da República nas comemorações do 25 de Abril foi, sem dúvida, o resultado dessa preferência e da existência de uma ligação profunda entre os dois políticos, comportamento pouco próprio e revelador de má digestão do poder adquirido com a maioria absoluta. Com a agravante de que a decisão conduziu a uma inaceitável e ilegal interferência nos poderes próprios do Parlamento. A confusão resultante e o clima de passa culpas que se seguiu são factos reveladores de uma certa inconsciência relativamente às responsabilidades do Estado.

Ferrovia – não pode haver dúvidas de que a opção pela bitola ibérica no plano ferroviário português impede a ligação da ferrovia portuguesa aos restantes países europeus e torna as exportações das mercadorias portuguesas destinadas a esses países reféns dos centros logísticos espanhóis. Factos reveladores não apenas de um certo amadorismo governativo, mas, principalmente, de uma grave traição aos interesses da economia portuguesa a favor de um país estrangeiro. Além da recusa de aceitar as directivas europeias no sentido da interoperabilidade do transporte ferroviário na Europa. Ou seja, trata-se de comportamentos reveladores de uma trágica ausência de Sentido de Estado, aliás também ausente no Presidente da República que aceita essa traição.

Justiça – a ligeireza com que os problemas existentes no sector da Justiça têm sido encarados pelos governos de António Costa, bem como a sua convivência com a situação de incapacidade de julgar potenciais criminosos, nomeadamente em causas ligadas à actividade política, é não apenas a negação de Portugal como regime democrático capaz de tratar todos os cidadãos como iguais, mas, também, uma situação política que mostra incapacidade para cumprir e fazer cumprir a Constituição da República. Claro que nestas circunstâncias, em que próprio Estado não cumpre as leis que pública, por exemplo deixando-as sem regulamentação, nem vale a pena falar em Sentido de Estado.

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