Do propalado “marxismo cultural”

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Recentemente, numa sessão pública, o Professor Luís Araújo, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, entretanto aposentado, recordou que um seu antigo (e já falecido) colega, António José de Brito, assumido fascista, ia, no pós 25 de Abril de 1974, para as ruas do Porto procurar corrigir todos aqueles que, nesses tempos, faziam doutrinações públicas anti-fascistas, proclamando: “mas isso não é realmente o fascismo”.

Isso, desde logo, a respeito do Estado Novo e de Salazar – que, segundo António José de Brito, não tinha sido, com pena sua, realmente um fascista, mas, tão-só, um contra-revolucionário (para quem quiser entender esta subtil, abissal diferença, pode ler, do autor: Para a compreensão do pensamento contra-revolucionário). Escusado será dizer que tamanha ousadia (ou, tão-só, inconsciência), que o levou inclusivamente a ser agredido na praça pública, não teve efeito algum. O conceito de “fascismo” continua a ser usado a propósito de tudo e de nada, mesmo por gente que, em privado, reconhece fazê-lo de forma abusiva.

Com o novel conceito de “marxismo cultural”, igualmente cada vez mais usado por tudo e por nada, algo de similar se passa. O conceito, em si mesmo, para quem preza o rigor conceptual, é obviamente contraditório: desde logo porque o marxismo defende a sobredeterminância dos factores económicos sobre todos os demais – inclusivamente, os culturais (e isso basta para nós não sermos marxistas, dado que, ao contrário, defendemos a sobredeterminância dos factores culturais, inclusivamente sobre os factores económicos).

Há conceitos que, apesar de toda a sua indefinição, parecem ter vida própria. Ou talvez precisamente por causa dessa indefinição: no propalado “marxismo cultural” há toda uma nebulosa de factores em causa, nem todos eles, porém, falsos. Desde logo, a constatação de uma hegemonia, no plano cultural, de correntes que, ainda que não já realmente marxistas, se inscrevem numa mesma linhagem político-ideológica, mais amplamente considerada. E se isso é mais evidente nos Estados Unidos da América – em particular, no plano mediático e, sobretudo, académico (com a “ditadura do politicamente correcto”) –, não deixa também de acontecer, cada vez mais, por toda a Europa, inclusivamente em Portugal.

Exemplo paradigmático disso tem sido, a nosso ver, a reiterada tentativa de reconstruir toda a nossa história – em particular, da nossa expansão marítima – a partir de uma importada grelha “economicista”. Assim, alegadamente, toda a nossa expansão marítima teve como móbil a “rapina económica”. Por mais que, manifestamente, essa grelha não consiga explicar o passado nem, muito menos, o presente. Bastando, para o provar, aduzir o seguinte: se, de facto, toda a nossa expansão marítima tivesse como móbil a “rapina económica”, então todos os povos entretanto libertados teriam, logo que possível, renegado toda a nossa cultura, desde logo, a nossa língua comum. O que não aconteceu, não acontece, nem acontecerá… ■