A lucidez com que José Marinho formula este voto é a mesma que podemos encontrar na sua visão da história da nossa filosofia. Não é esta uma mera visão laudatória. É antes uma visão que, valorizando devidamente, ainda que por vezes de forma arrebatada, as virtudes, não deixa de assinalar, por vezes até de forma bastante crua, as debilidades. Daí, desde logo, a sua denúncia do escolasticismo que teima em permanecer em nós – “Escolásticos fomos, escolásticos continuamos sendo. Simplesmente, agora não somos já escolásticos à maneira do século XVII (…).”–, daí ainda, na esteira dessa denúncia, esta sua pertinente questão: “Não será com efeito grande ilusão a de supor que antes de estar completa a actualização da nossa cultura, antes de esta ter sido liberta dos últimos vínculos da superstição escolástica, se pode pensar em Portugal alguma coisa de seguro e sério?”.
Na sua visão, é com Amorim Viana que nos começamos a libertar desses “últimos vínculos da superstição escolástica” – não tivesse sido ele “o pensador que procura pela primeira vez garantir a autonomia do pensamento filosófico em Portugal”. Ainda segundo o autor de Verdade, Condição e Destino no pensamento português contemporâneo, contudo, é apenas com o movimento da “Renascença Portuguesa” que essa “mais funda transmutação na vida espiritual portuguesa” ocorre – nas suas palavras: “Com a ‘Renascença Portuguesa’, e com tudo quanto se lhe segue em afinidade espiritual ou crítico contraste, surge a mais funda transmutação na vida espiritual portuguesa desde o Renascimento.”. Sendo que, nesta esteira, José Marinho não deixa de sinalizar um “crítico contraste” entre “espírito cósmico e religioso da Renascença” e “o sentido antropológico da Presença”, por mais que, em 1929, numa carta a Adolfo Casais Monteiro, seu colega na Faculdade de Letras do Porto, tivesse revelado alguma esperança quanto ao futuro da Presença. Nas suas palavras: “Diz-me que está trabalhando no seu estudo sôbre Eça e que espera trazê-lo pronto. Venha êle! A intenção de Gaspar Simões parece-me optima, oportuníssima. Uma série de estudos sérios, reflectidos, penetrantes sôbre os nossos escritores esta será a pedra de toque da agremiação ou movimento artístico que pretenda tomar para si o papel de direcção e orientação. Não foi já o papel que eu há muito quiz desempenhasse a Renascença? Entramos numa frase de compreensão e de juízo. O modernismo não será em Portugal mais do que um motivo de obras de valor médio (como o romantismo, naturalismo, realismo, simbolismo e saudosismo) se não trouxer no seio uma crítica e uma filosofia, purgadas já dos defeitos lírico-retórico-eruditos dos tradicionais. E eu julgo que vós outros, os modernistas, ainda não tendes disto uma muito clara consciência. Mas haveis de chegar a ela, sob pena de comprometerdes uma vez ainda as possibilidades que agora se estão a oferecer-nos de tirar o pensamento e a literatura portuguesa dêste pôço que é a nossa vida de espírito, pôço em que eu às vezes me sinto asfixiar, eu e tudo aquilo que o destino quiz trouxesse no meu ser à mesquinha e pobre terra em que nasci.” ■
Agenda MIL – 16 de Julho, 16h, na Fundação António Quadros: (Re)Pensar Portugal… Mesa Redonda com António Braz Teixeira, António Cândido Franco, Joaquim Domingues, Joaquim Pinto da Silva, José Almeida, Paulo Samuel, Pedro Martins, Renato Epifânio (que também moderará a sessão) e, ainda, por quantos quiserem participar. Abel Lacerda Botelho abrirá a sessão em representação dos seus amigos e colaboradores António Quadros e Mafalda Ferro.