RENATO EPIFÂNIO
Para quem, como nós, assume uma filiação no Movimento da Renascença Portuguesa e na sua Revista A Águia, a figura de António Sérgio não será, à partida, a figura mais simpática, apesar de António Sérgio ter tido também essa filiação. Isso deve-se sobretudo às célebres polémicas que António Sérgio manteve com Teixeira de Pascoaes e Leonardo Coimbra – polémicas em que, de todo, António Sérgio não deu de si a melhor imagem.
Em seu abono, poderíamos recorrer a Agostinho da Silva, que chegou a ser muito próximo de António Sérgio, na sua fase de colaboração na Revista Seara Nova (décadas de 20 e 30). No entanto, numa fase posterior e de maior maturidade, o próprio Agostinho da Silva se distanciou de António Sérgio, tendo chegado a dizer: “…Sérgio não ousou afrontar os problemas filosóficos mais profundos, as questões de dúvida. Preferia manter-se na certeza.”; “Mesmo como pedagogo, a sua atitude tendia a ser de grande arrogância intelectual.” [cf. Dispersos, ICALP, 1988, p. 55].
Hoje, é difícil encontrar pensadores que assumam expressamente o seu legado. Mesmo alguém como Manuel Maria Carrilho, uma figura que, à partida, poderíamos filiar em António Sérgio, assume que “a leitura filosófica de Sérgio é hoje uma leitura deceptiva – e é-o por um certo anacronismo das suas respostas, pela subtil rigidez das suas formulações e pelas generalidades filosoficamente paralisantes que o povoam” [cf. O Saber e o Método, IN-CM, 1982, p. 100]
Assim sendo, só podemos hoje repensar António Sérgio de “olhos lavados” – esquecendo, desde logo, as polémicas que manteve em vida e, em última instância, a forma como a sua obra foi apropriada, postumamente, por certas correntes mais ideológicas. Precisamos de atentar na obra, de olhos lavados, com olhos de ver – esquecendo o seu autor. Se o fizermos, perceberemos, por exemplo, no plano mais filosófico, que o seu conceito de razão não é afinal tão estrito e estreito quanto parecia à primeira vista – estando até bem próximo do conceito de razão do seu arqui-inimigo Leonardo Coimbra. E que o seu pensamento social e político pode ainda manter alguma validade nos dias de hoje.
Eis, em suma, o mote da sessão “Repensar António Sérgio, hoje”, que decorreu no dia 11 de Março na Biblioteca Municipal de Tavira – uma co-organização MIL: Movimento Internacional Lusófono, Nova Águia: Revista de Cultura para o Século XXI e Instituto de Filosofia Luso-Brasileira. Para além das diversas intervenções, sobre o pensamento filosófico, pedagógico, social e político, tivemos ainda a apresentação do nº 16 da Revista Nova Águia. Uma das últimas, dado que o nº 17 está já na forja. Conforme o anunciado, ele terá o seu lançamento no dia 22 de Março, na Sociedade de Geografia de Lisboa, às 18h, no âmbito do IV Congresso da Cidadania Lusófona.