Sobre o novo Império Islâmico

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De facto, a História não acabou e parece que estamos mesmo numa outra fase de recomposição do mundo. Vem isto a propósito do auto-proclamado “Estado Islâmico”, que semana após semana, vai controlando mais território – a começar na Síria e no Iraque –, antecipando já a constituição de um novo Califado.

Esse horizonte pode-nos soar demasiado delirante – nalguns mapas, este integraria inclusive a Península Ibérica! –, mas, no interior do mundo islâmico, parece-nos ser um projecto “com pernas para andar”.

E não só na Síria e no Iraque – há outros Estados Islâmicos em acelerado processo de decomposição (caso mais evidente: o da Líbia). Como a “natureza (também a política) tem horror ao vazio”, toda essa decomposição estadual poderá ser terreno fértil para a constituição dessa nova realidade transnacional, que se propõe reconstituir o mítico Califado, que, esse sim, chegou a integrar a Península Ibérica, com o nome de “Al-Andaluz”.

Para mais, tornar-se cada vez mais evidente que a entidade “Estado-Nação”, que a Europa exportou como modelo político por excelência, não será o mais adequado no mundo islâmico – onde, precisamente, ao contrário do que acontece na Europa, as diferenças linguísticas, culturais e religiosas não são suficientes para justificar esse tipo de fronteiras. Manifestamente, o que une esses países é muito mais do que aquilo que os separa.

Não deixa de ser curioso que isto aconteça precisamente um século depois do início da I Grande Guerra Mundial, que na Europa teve como principal consequência o abandono do modelo do “Império”, em prol do modelo do “Estado-Nação”. Este modelo, que nos rescaldo da II Grande Guerra, a Europa depois exportou para os territórios recém-descolonizados, parece estar, no mundo islâmico, cada vez mais esgotado – com algumas excepções que confirmam a regra (sendo a mais evidente a do Irão, por conhecidas razões étnicas: os iranianos são persas e nisso se distinguem de todos os seus vizinhos).

O mesmo poderia acontecer, em tese, em África, onde muitas das fronteiras nacionais são igualmente artificiais. Mas aí, não obstante toda a retórica pan-africanista, não há nada que se compare ao que no mundo islâmico tem corroído essas mesmas fronteiras: a religião, precisamente. Para mais, uma religião que não reconhece nem sequer compreende o fenómeno da laicidade (ou seja: da separação entre a Igreja e o Estado), tão característico da Europa e do Ocidente em geral.

Há ainda, apesar de tudo, dois travões relevantes à constituição desse novo Califado: um interno, outro externo. O travão interno decorre da rivalidade histórica entre sunitas e xiitas, que por vezes parece sobrepor-se a tudo o resto. O travão externo derivará de uma atitude demasiado hostil em relação ao Ocidente (leia-se: EUA), que poderá ver-se obrigado a intervir. Apesar de, pelo menos em parte, ser uma nova realidade histórica, esse novo Império Islâmico pode pois sucumbir ao que levou à ruína de (quase) todos os Impérios: uma desmedida fome expansionista. Regressando às lições das duas Grandes Guerras, não se pode combater tudo e todos ao mesmo tempo…